Prefeitura diz querer formalizar uso de coletivos convencionais e rodoviários em linhas distritais; linhas deixaram de circular no centro em 2010
A Justiça suspendeu um decreto da Prefeitura de Ouro Preto que regulava a circulação de ônibus de maior porte no centro histórico da cidade localizada na região Central do Estado. Segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o texto permitia o tráfego dos veículos no local. A prefeitura contesta a informação e recorreu da decisão, que tem caráter liminar e ainda interrompe licitação para a concessão do serviço de transporte coletivo no município.
Segundo o MPMG, o Decreto 5.183/2018 autoriza a circulação de ônibus com até 70 passageiros em parte da Zona de Proteção Especial de Ouro Preto, que inclui o centro histórico. A norma violaria decisões judiciais e o Decreto 1.337/ 2008, que limitava o trânsito no local a micro-ônibus de até 45 lugares ou vans de 16 passageiros.
O receio dos promotores Domingos Ventura e Giselle Ribeiro, autores da ação civil pública, é que o trânsito de ônibus rodoviários e convencionais no local prejudique bens tombados e conjuntos urbanos protegidos. “É preciso avaliar a viabilidade dessa circulação de veículos pesados, por meio de análise cuidadosa realizada por órgãos técnicos de defesa do patrimônio cultural”, informaram os promotores.
A liminar é do último dia 31, e a Justiça determinou que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) apresente parecer em 30 dias. Procurado, o órgão informou que, como a decisão é judicial, “por questões éticas, não cabe ao Iphan responder” sobre o caso.
Já o procurador-geral adjunto de Ouro Preto, André Luís dos Santos Lana, afirma que a prefeitura pretende autorizar o trânsito de veículos pesados nas “bordas” da Zona de Proteção Especial, “longe dos bens e monumentos tombados”. Ele explica que o decreto de 2008 definia que as linhas distritais seriam atendidas por micro-ônibus, porque, na época, algumas delas passavam pela praça Tiradentes. No entanto, desde 2010, elas deixaram de circular pelo centro histórico.
“A proposta da prefeitura era simplesmente colocar na legislação municipal o que já ocorre há anos, com o devido conhecimento do Ministério Público: formalizar que as linhas distritais podem usar ônibus convencionais e rodoviários, desde que não passem pelo centro histórico”, afirmou.
Segundo Lana, o uso de ônibus convencionais e rodoviários nas linhas que interligam os 12 distritos à sede dá “sustentabilidade financeira ao sistema público de transporte coletivo”. (Com Rafaela Mansur)
Licitação. O MPMG informou que apenas um consórcio, de duas empresas, participou da concorrência pública para a concessão do transporte coletivo por 20 anos em Ouro Preto, com proposta de tarifa básica de R$ 3,34 – o máximo, conforme estabelece o edital.
Queixa. O órgão recebeu representação reclamando da complexidade, do prazo para as propostas e da falta de publicidade do edital.
Condenação. Segundo a promotoria, o sócio de uma das empresas foi condenado neste ano por improbidade administrativa e, em processo não transitado em julgado, está proibido de ser contratado pelo poder público por cinco anos.
Resposta. O procurador André Lana afirmou que a 4ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto foi envolvida nas discussões sobre a licitação e que o empresário pode participar do certame.
Comissões estudam solução viável
Em Tiradentes, no Campo das Vertentes, um projeto de lei que veta a circulação de veículos no centro histórico foi aprovado em 2008 pelo Legislativo, mas não recebeu sanção do Executivo. O assunto voltou à tona no fim do mês passado, em audiência pública mediada pelo Ministério Público Federal.
Foram criadas duas comissões que até março precisam propor soluções para a circulação de veículos que contemplem inclusive a demanda por vagas de estacionamento. (Michelyne Kubitschek)
Trepidação devido ao tráfego pesado é risco ao patrimônio
A circulação de ônibus em Ouro Preto deve ser analisada levando-se em consideração a preservação do patrimônio e a mobilidade dos moradores e demais usuários, segundo a arquiteta e urbanista Isabel Nicolielo, especialista em restauração de patrimônio histórico.
“Existem ruas em que a passagem de veículos pesados causa trepidação. Ao mesmo tempo, há pessoas que trabalham no centro histórico”, pondera, em referência à necessidade de o transporte coletivo atender o centro histórico.
A especialista considera que seria necessário realizar um estudo para construir um plano de mobilidade urbana. “Não sei qual seria a alternativa. Mas é preciso que o centro faça parte da dinâmica da cidade. Não pode acontecer de um comerciante desistir de abrir sua loja no centro, por exemplo”, acrescentou. Ela relatou que trepidações podem causar fissuras, rachaduras e trincas e prejudicar imóveis, principalmente os que já estão frágeis.
O arquiteto Flávio Carsalade, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressaltou que o controle de tráfego de veículos pesados no centro de Ouro Preto é fundamental para proteger os imóveis. “É uma tecnologia construtiva que não lida bem com o tráfego pesado, sempre há problemas com as vibrações. Além disso, as grandes ladeiras de Ouro Preto são um risco constante para o deslizamento de veículos”, disse.
Carsalade acrescentou que, como as construções da cidade são do século XVIII, não foram feitas tendo em vista o tráfego verificado em grandes cidades atualmente.