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A cada incêndio florestal que varre as paisagens de Minas Gerais, as pegadas de milhares de animais silvestres também se apagam para sempre. De janeiro a agosto deste ano, os bombeiros registraram 57 ocorrências de salvamento de espécies da fauna silvestre em perigo no estado, um aumento de 35,7% em relação ao mesmo período do ano passado.
Esses números, porém, são apenas uma pequena fração do impacto real que o fogo causa na vida local. Muitos animais não são encontrados a tempo de serem resgatados; outros não conseguem sobreviver às queimaduras, à inalação de fumaça ou à “fome cinzenta” que se segue à destruição do ecossistema.
A tragédia não é nova, mas este ano se intensificou com a seca prolongada e as ações humanas que, deliberadamente ou por descuido, transformam vastas áreas verdes em cinzas. Agosto foi o mês com o maior número de incêndios florestais em quatro anos, totalizando 6.062 focos. E os primeiros dias de setembro já seguem a mesma linha: são 1.733 incêndios até o dia 9, o que equivale a 58% do total dos 30 dias do mesmo mês no ano passado, de acordo com o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG).Nas matas, as chamas deixam um rastro de destruição, com animais carbonizados e até ovos de aves que acabam “cozidos” pelo fogo. À medida que as labaredas avançam, animais como cobras, pacas, araras, tucanos e micos são obrigados a fugir em busca de refúgio.
Quando as chamas se espalham, a prioridade dos bombeiros é o combate ao fogo. No entanto, em muitos casos, eles se veem diante de animais feridos e desorientados.
O sargento Allan Azevedo, do CBMMG, explica que, nesses casos, a equipe precisa decidir rapidamente o que fazer: “Se o animal estiver machucado ou correndo algum risco, conduzimos até os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) ou clínicas veterinárias parceiras. Se não houver ferimentos, levamos para um local seguro, longe das chamas, onde possam se abrigar”, disse, em entrevista ao Estado de Minas. Antes de realizar a soltura, os bombeiros avaliam cuidadosamente o local, garantindo que ele ofereça alimento, abrigo e condições adequadas para a espécie.
A crescente demanda por resgates de animais em queimadas revela uma séria limitação: a insuficiência de pessoal para lidar com o aumento exponencial de ocorrências. Com 95 unidades de conservação monitoradas em todo o estado, os bombeiros contam com o apoio de entidades parceiras, como o Instituto Habitat, que atua na Região Central de Minas Gerais, para auxiliar no combate ao fogo e resgate da fauna silvestre.
A captura desses animais é um desafio por si só, agravado pelo relevo acidentado e de difícil acesso nas áreas atingidas. “A principal dificuldade é, muitas vezes, identificar os animais, especialmente aqueles em áreas abertas. Enquanto se tenta resgatar um, o fogo pode continuar avançando, colocando outros em risco”, revela Tiago Lage, presidente da entidade.
O trabalho de resgate feito pelo Instituto Habitat é voluntário e focado no primeiro atendimento emergencial. Muitas vezes, os animais precisam de intervenções cirúrgicas ou ortopédicas para sobreviver às queimaduras ou ferimentos causados pela fuga desesperada das chamas.
A entidade também realiza o acompanhamento e reabilitação daqueles que precisam de mais tempo para se recuperar. Quando um animal é considerado apto para voltar à natureza, ele é liberado em áreas seguras e em condições que aumentem suas chances de sobrevivência. “Para espécies que vivem em bandos, como a maritaca, a gente tem que pensar em uma soltura conjunta, para garantir que o animal se reintegre ao hábitat de forma eficaz”, detalha Lage.
DEPOIS DAS CHAMAS, A “FOME CINZENTA”
Com uma seca recorde de 148 dias sem chuva no caso de BH – a mais longa desde os anos 1960 –, o cenário se torna um campo minado para a fauna. “A cada incêndio, a dificuldade para resgatar esses animais aumenta”, diz o presidente do Instituto Habitat. Muitos morrem pela fumaça ou pelas queimaduras, e os que sobrevivem enfrentam outro desafio: a 'fome cinzenta'.”
Após o incêndio, a terra queimada não sustenta mais a vida. A “fome cinzenta” é o termo usado para descrever o período de escassez que vem depois do fogo, quando a vegetação, que fornecia alimento e abrigo, foi destruída. “Durante o fogo é difícil, mas o pós também é. O fogo mata não só a vegetação, mata as bactérias e fungos do solo, muitas vezes até dois metros de profundidade”, explica Tiago Lage.
“Sem frutos, sementes ou folhagens, os animais que sobreviveram ao incêndio encontram dificuldade para se alimentar e buscar água. Muitos morrem dias ou semanas depois do fogo, vítimas de desnutrição e desidratação”, completa. Em resposta, o Instituto Habitat cria “ilhas” de alimentação e água para tentar garantir a sobrevivência desses animais enquanto a vegetação se recupera. “Nós instalamos pontos de água e comida em locais estratégicos, mas isso é uma solução temporária”, diz Lage.
Expulsos pelas queimadas, os bichos que escapam da morte ainda podem buscar abrigo nas áreas urbanas, muitas vezes próximo às residências. Um exemplo disso foi o lobo-guará flagrado andando pelas ruas de Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais.
O que mais chamou a atenção no caso, que viralizou nas redes sociais, foi a atitude da pessoa que o filmou, perseguindo-o com o carro por vários metros enquanto registrava o desespero do bicho. Essa conduta é fortemente criticada pelos bombeiros.
“Eles vão ali para se proteger, mas não é o habitat natural deles, então, eles ficam acuados, estressados. É importante não tentar capturá-los de forma imprudente, porque podem acabar indo para uma via pública ou rodovia e correr o risco de serem atropelados”, critica o sargento Allan Azevedo, do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais.
A falta de treinamento adequado pode transformar o resgate de um animal em um desastre, pois, sob estresse, qualquer erro pode ser perigoso tanto para o animal quanto para o socorrista. Os moradores não devem, em hipótese alguma, tentar capturar os animais, quando eles invadem a área urbana.
O sargento reforça que a orientação é proteger-se, bem como os demais presentes, acionar o Corpo de Bombeiros pelo 193 e monitorar o animal. "Se o animal for capturado incorretamente, ou colocado em um transporte inadequado, ele pode se machucar ainda mais ou até morrer”, afirma. "Os animais só atacam se se sentirem ameaçados. O lobo-guará, por exemplo, não oferece risco algum às pessoas próximas, a menos que ele esteja acuado, sem ter para onde fugir”, completa o militar.
A convivência com animais silvestres, no entanto, já é rotina para moradores no entorno de áreas de florestais, como no Bairro Jardins de Petrópolis, em Nova Lima, na Grande BH, onde um incêndio consome há mais de uma semana a vegetação do Morro do Pires e da Mata do Faria.
Além da fumaça das queimadas, a principal reclamação de quem vive nessas áreas não são as visitas inesperadas dos animais silvestres, mas, sim, o aumento de insetos e animais peçonhentos, como os escorpiões. Solidária, a comunidade tenta ajudar os animais da forma que consegue.
“Não damos comida, obviamente, mas, muitos moradores deixam um pote água na porta de casa. É uma forma que a gente viu para colaborar um pouco com esses animais que buscam refúgio e devem estar com sede”, revela Leonardo Magalhães, presidente da Associação de Moradores do Mangabeiras, bairro em BH aos pés da Serra do Curral.
PREVENÇÃO
Apesar do aumento nos incêndios e do impacto devastador sobre a fauna, a prevenção ainda é negligenciada em muitos municípios, avalia Tiago Lage. “Eu vejo muitos governos locais falharem em adotar medidas preventivas, porque isso não tem um impacto público imediato”, critica.
Para ele, ações preventivas, como campanhas de conscientização e a criação de brigadas de combate a incêndios, poderiam minimizar os danos, mas a falta de investimento e planejamento estratégico deixa uma lacuna que é preenchida pelo fogo. “As pessoas só se preocupam quando o fogo já está fora de controle, mas aí já é tarde demais para salvar muitos animais.”
Os números assustadores deste ano são um alerta para o que pode vir. A cada novo foco de incêndio, o desequilíbrio ecológico se aprofunda, e o ciclo de destruição se repete. Lage ainda chama atenção para outras crises climáticas, como as chuvas que estão por vir.
“Depois da estiagem, vêm as chuvas, e com elas mais problemas. Precisamos de uma ação coordenada, nacional, para enfrentar esses extremos climáticos”, conclui Tiago Lage. “O incêndio vai acontecer. A gente não consegue cercar todos os criminosos. Mas, se estivermos preparados para combater o fogo com antecedência, às vezes a extensão será menor, o impacto será reduzido, e poderemos superar isso de forma mais forte”, argumenta.
O rastro de destruição visto em áreas verdes de Minas Gerais é resultado de uma combinação entre as altas temperaturas, característica desta época do ano, e a ação criminosa.
A preocupação é intensificada pela previsão de chuvas abaixo da média em Minas Gerais neste ano, de acordo com o Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos (Simge) do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).
“Esses incêndios que estão acontecendo agora são todos criminosos. O homem ateia fogo para limpar uma pastagem, queimar folhas no seu quintal ou até mesmo um lixo, e uma pequena fagulha que o vento leva resulta em uma progressão violenta dessas chamas”, destaca o sargento do Corpo de Bombeiros.
Longa estiagem
Neste fim de semana, ao menos cinco municípios mineiros devem atingir ou ultrapassar 160 dias sem chuvas. Por sua vez, BH pode completar seu 150º dia sem precipitações na segunda-feira. Pompéu, na Região Central do estado, uma das mais atingidas, é o município há mais tempo sem chuvas: 163 dias completados ontem.
No ranking de estiagem mais prolongada, considerando a data de ontem, estão Montalvânia, com 161; Montes Claros, 160; Januária, 159; e São Romão, 158, todos municípios do Norte de Minas. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), não há previsão de precipitação para a maior parte do estado, com exceção das regiões ao sul de Minas, próximas de São Paulo e Rio de Janeiro. Hoje, a temperatura máxima em BH deve ser de 32°C e, em Minas, de 39°C.
ESTATíSTICA TRÁGICA
» 57 ocorrências de resgate de animais em queimadas
» 35,7% a mais do que no ano passado
» Até 9 de setembro, 1.733 incêndios em áreas verdes de Minas
» 58% do total do mesmo mês de 2023
Fonte: CBMMG
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A tragédia não é nova, mas este ano se intensificou com a seca prolongada e as ações humanas que, deliberadamente ou por descuido, transformam vastas áreas verdes em cinzas. Agosto foi o mês com o maior número de incêndios florestais em quatro anos, totalizando 6.062 focos. E os primeiros dias de setembro já seguem a mesma linha: são 1.733 incêndios até o dia 9, o que equivale a 58% do total dos 30 dias do mesmo mês no ano passado, de acordo com o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG).Nas matas, as chamas deixam um rastro de destruição, com animais carbonizados e até ovos de aves que acabam “cozidos” pelo fogo. À medida que as labaredas avançam, animais como cobras, pacas, araras, tucanos e micos são obrigados a fugir em busca de refúgio.
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O sargento Allan Azevedo, do CBMMG, explica que, nesses casos, a equipe precisa decidir rapidamente o que fazer: “Se o animal estiver machucado ou correndo algum risco, conduzimos até os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) ou clínicas veterinárias parceiras. Se não houver ferimentos, levamos para um local seguro, longe das chamas, onde possam se abrigar”, disse, em entrevista ao Estado de Minas. Antes de realizar a soltura, os bombeiros avaliam cuidadosamente o local, garantindo que ele ofereça alimento, abrigo e condições adequadas para a espécie.
A crescente demanda por resgates de animais em queimadas revela uma séria limitação: a insuficiência de pessoal para lidar com o aumento exponencial de ocorrências. Com 95 unidades de conservação monitoradas em todo o estado, os bombeiros contam com o apoio de entidades parceiras, como o Instituto Habitat, que atua na Região Central de Minas Gerais, para auxiliar no combate ao fogo e resgate da fauna silvestre.
A captura desses animais é um desafio por si só, agravado pelo relevo acidentado e de difícil acesso nas áreas atingidas. “A principal dificuldade é, muitas vezes, identificar os animais, especialmente aqueles em áreas abertas. Enquanto se tenta resgatar um, o fogo pode continuar avançando, colocando outros em risco”, revela Tiago Lage, presidente da entidade.
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DEPOIS DAS CHAMAS, A “FOME CINZENTA”
Com uma seca recorde de 148 dias sem chuva no caso de BH – a mais longa desde os anos 1960 –, o cenário se torna um campo minado para a fauna. “A cada incêndio, a dificuldade para resgatar esses animais aumenta”, diz o presidente do Instituto Habitat. Muitos morrem pela fumaça ou pelas queimaduras, e os que sobrevivem enfrentam outro desafio: a 'fome cinzenta'.”
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“Sem frutos, sementes ou folhagens, os animais que sobreviveram ao incêndio encontram dificuldade para se alimentar e buscar água. Muitos morrem dias ou semanas depois do fogo, vítimas de desnutrição e desidratação”, completa. Em resposta, o Instituto Habitat cria “ilhas” de alimentação e água para tentar garantir a sobrevivência desses animais enquanto a vegetação se recupera. “Nós instalamos pontos de água e comida em locais estratégicos, mas isso é uma solução temporária”, diz Lage.
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A falta de treinamento adequado pode transformar o resgate de um animal em um desastre, pois, sob estresse, qualquer erro pode ser perigoso tanto para o animal quanto para o socorrista. Os moradores não devem, em hipótese alguma, tentar capturar os animais, quando eles invadem a área urbana.
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A convivência com animais silvestres, no entanto, já é rotina para moradores no entorno de áreas de florestais, como no Bairro Jardins de Petrópolis, em Nova Lima, na Grande BH, onde um incêndio consome há mais de uma semana a vegetação do Morro do Pires e da Mata do Faria.
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Fonte: CBMMG