Com a morte de mais uma pessoa na terça-feira (30/8) durante operações da Polícia Militar em Belo Horizonte, a letalidade da corporação voltou a ser discutida. Nos últimos dois meses, foram registradas quatro mortes de suspeitos por militares na capital e seu entorno, uma no Aglomerado Cabana do Pai Tomás, outra na Vila Embaúba, ambas na Região Oeste da cidade, uma na Savassi, na Região Centro-Sul, e outra na Vila Barraginha, em Contagem, na região metropolitana. 

Com adoção prevista para este ano, a instalação de camêras corporais nas fardas do policiais pode ajudar a reduzir a letalidade das ações, reforçar as provas judiciais e ainda proteger o próprio agente de segurança, aponta especialista.
 
Segundo a Polícia Militar (PM), a previsão é que o sistema seja implementado neste semestre. Os 1.440 dispositivos adquiridos para o estado serão compartilhados entre os militares, seguindo a divisão de turnos, e vão atender cerca de 4 mil servidores.  De acordo com o especialista em segurança pública Luís Flávio Sapori, a tecnologia coíbe o excesso de força letal e o abuso de autoridade por parte dos policiais.
 
Ele afirma que as ocorrências registradas nos últimos meses poderiam ter tido um desfecho diferente se o equipamento já estive em uso, embora, segundo ele, com os dados apresentados até o momento pelo governo de Minas, não é possível mensurar em que medida as câmeras serão eficazes. 
 
No entanto, Sapori garabte que ,onde já funciona, o equipamento tem impacto positivo nas ações policiais. “Ainda não temos como prever quais serão os efeitos aqui em BH, mas considerando as características da cidade e das operações, os policiais que fazem uso extremo de violência pensariam duas, três vezes antes de vitimar fatalmente as pessoas”, explica.

LETALIDADE
 
Na manhã de terça-feira, um homem de 37 anos foi morto durante uma operação do Batalhão de Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam) contra o tráfico de drogas, no Aglomerado Cabana do Pai Tomás,  Oeste de BH.
 
Conforme a versão da PM, a vítima e outros quatro homens foram denunciados por estarem vendendo  entorpecentes na rua. Ao chegar ao local, os policiais teriam sido recebidos por disparos de arma de fogo. Após perseguição, um dos homens foi abordado em um beco próximo à Rua Nossa Senhora Aparecida. Nesse momento, os militares afirmam que ele teria apontado uma arma e se negado a soltá-la, e, por isso, tiveram que fazer os disparos.
 
No entanto, ao contrário da versão oficial, a família da vítima afirma que ele não estava armado. Ao Estado de Minas, a irmã do homem disse que ele saía da casa de uma vizinha quando foi surpreendido e morto pelo policial.
 
Outro caso semelhante aconteceu em 19 de agosto, na Vila Embaúbas, no Bairro Nova Gameleira, também na Região Oeste da capital. Na ocasião, um adolescente de 15 anos morreu. A Polícia Militar afirmou que o jovem estava armado, porém, a comunidade sustenta que os oficiais confundiram um celular com arma.
 
Segundo moradores da região, o adolescente foi morto com nove tiros, informação que ainda não foi confirmada pela polícia. "Eu não estava presente, mas outro adolescente que estava com ele disse que o Pedro foi pegar o celular na cintura, e, nessa hora, a polícia efetuou os disparos", relata um líder comunitário, que preferiu não se identificar.
 
Conforme Sarpori, em casos como esse  as câmaras corporais podem ajudar no fortalecimento de provas judiciais nos processos na Justiça Militar, ajudando a esclarecer as dúvidas. “Os bons policiais terão uma grande proteção contra denúncias caluniosas, as imagens serão úteis também para proteger o bom policial”, conclui.


PUNIÇÃO
 
Questionada, a porta-voz da PMMG, major Layla Brunella, afirmou que a letalidade da corporação no Estado é a menor do país e que existem casos em que os suspeitos fazem denúncias ou coagem a população a denunciar para coibir a ação da segurança pública.
 
“Somos hoje a Polícia Militar com a menor letalidade do país, e esses números não são nossos. Não somos nós que fazemos essa classificação, é uma classificação de nível federal. Temos hoje um estado mais seguro para viver, então, isso mostra que apesar de ações pontuais, extremamente direcionadas, somos uma polícia que consegue fazer isso sem o uso letal.
 
Ela afirmou ainda que casos denunciados são investigados e, se confirmados, punidos. “Somos uma polícia ilibada. Se erramos, punimos os nossos policiais militares, às vezes até com a exclusão.  O policial militar em Minas sabe quanto é o peso do Código Penal Militar em relação às nossas condutas. Qualquer ação equivocada será investigada e, se necessário for, punida com a demissão e exoneração do policial militar”, disse a major em entrevista coletiva.


AÇÃO GRAVADA
 
Além dos casos do Aglomerado Cabana do Pai Tomás e da Vila Embaúbas, na noite de 16 de julho, após uma denúncia anônima informando que pessoas estariam efetuando disparos de arma de fogo, um homem de 29 anos também foi morto durante operação da PM, na Vila Barraginha, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Na ocasião, a informação divulgada pela corporação foi que a vítima, que seria chefe do tráfico de drogas na região, teria tentado pegar o fuzil de um policial e a arma de outro. Em alegada defesa, os militares dispararam três vezes contra o homem. 
 
Entretanto, a família apresentou outra versão dos fatos, dizendo que a vítima colaborou durante as diligências no local. A ação foi gravada por vizinhos e as imagens ganharam as redes sociais. Segundo a família, o jovem foi “executado” atrás de uma Kombi com três disparos de arma de fogo.
 
Após a morte, o policial militar responsável pelos disparos foi levado para o 39º Batalhão. Na ocasião, a PM disse que o major passaria por avaliação psicológica para ver se poderia retornar ao trabalho. 
 
Em relação ao encaminhamento da vítima para outro local, a PM informou que, no momento da abordagem, o lugar estava cheio de pessoas, e a intenção era isolar o suspeito em uma parte mais tranquila para o prosseguimento da abordagem com segurança. Sobre o vídeo que circula nas redes, os militares afirmam que as imagens foram editadas.
 
Outro caso que ganhou repercussão quanto à ação da PM foi o tiroteio na Savassi, em BH, na segunda-feira (22/8). Os militares atiraram em um suspeito de roubo após uma fuga. O homem, que não teve a identidade divulgada, bateu em diversos carros e viaturas na tentativa de escapar da abordagem.

Militar terá autonomia para acionar equipamento
 
Diferentemente do método adotado pelo estado de São Paulo, onde as câmeras foram adicionadas às fardas em junho de 2021, o equipamento a ser usado em Minas Gerais não vai filmar todo o expediente dos policiais. Segundo a PM, a forma usada no estado será parecida com a dos Estados Unidos, a da Inglaterra e a da França, em que o militar tem autonomia para iniciar as gravações. Quando instaladas, as câmeras vão permanecer ligadas, mas as imagens só serão filmadas após o acionamento do policial.  Antes da instalação, a corporação dará as orientações necessárias a respeito de quais momentos devem ou não ser gravados.
 
Em São Paulo, a medida adotada surtiu efeito. O número de vítimas de ações policiais letais no estado caiu 30% no ano passado em relação a 2020. Dados de pesquisa realizada por integrantes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ainda mostraram que em 2021 houve uma redução de 47% na letalidade de ações dos batalhões que faziam parte do programa de uso de câmeras nas fardas, ao passo que, nos demais, a queda foi de apenas 16,5% em comparação ao ano anterior.
 
Em Minas, a ideia, ainda não implementada, chegou a ser defendida pelo então candidato ao governo Romeu Zema (Novo) na campanha eleitoral de 2018. Na ocasião, o atual governador afirmou que a instalação das câmeras ajudaria os policiais no combate ao crime.


DE OLHO NA CENA


Benefícios proporcionados pelo uso das câmeras corporais


» Proteção ao policial


» Fortalecimento da prova judicial


» Redução do uso da força


» Redução de denúncias e reclamações


» Afirmação da cultura profissional


» Solução rápida de crises


» Avaliação do serviço prestado


» Aprimoramento pelo treinamento


» Transparência e legitimidade