Passava das nove horas da manhã quando Osmira Pereira, de 84 anos, tropeçou em um declive acentuado na calçada, caiu e precisou ser levada para uma unidade de saúde com suspeita de fratura na perna direita. O fato ocorreu na última sexta-feira, na região hospitalar de Belo Horizonte, mas a má conservação dos passeios é problema recorrente em vários pontos da cidade.
Na tentativa de enfrentar esse desafio e despertar a atenção dos proprietários de imóveis e do poder público, uma campanha nacional foi lançada neste mês na capital mineira e em 19 municípios do país.
A “Calçada Cilada”, realizada por um instituto de São Paulo e organizações parceiras, vai recolher denúncias de irregularidades nas vias públicas. Um relatório será entregue às prefeituras.
“Nós tentamos estimular o transporte a pé. Mas, para isso, é preciso que as condições sejam favoráveis. E a má conservação das calçadas é um grande limitador”, diz a idealizadora do movimento, Silvia Stuthi.
Enquanto a situação permanece, pessoas como Osmira Pereira sofrem para se locomover. “Eu já tinha dificuldade para andar. Vi que o passeio era irregular, mas, quando assustei, já tinha caído. Está doendo muito”, disse a mulher, logo após a queda.
Interessados em participar da ação podem baixar o aplicativo “Colab”, disponível nas plataformas Android e iOS. Nele, a pessoa receberá instruções para tirar uma foto da calçada irregular, descrevendo o problema e a localização
Exemplos
Em uma rápida caminhada por alguns pontos da metrópole é possível encontrar armadilhas como buracos, degraus muito altos, declives, paralelepípedos soltos, partes do concreto danificadas por raízes de árvores e a falta de rampas de acesso. Em um trecho da praça Doutor Lucas Machado, no bairro Santa Efigênia, região Leste, o passeio depredado dificulta a travessia dos pedestres.
“Sozinha não consigo passar por aqui”, afirma a aposentada Maurícia Miranda, de 66 anos, apontando para a calçada. Após sofrer um derrame, ela perdeu os movimentos do lado direito e passou a se locomover com a ajuda de uma bengala e de uma sobrinha, que a acompanha sempre que pode.
Ao lado dos carros
Diante dos obstáculos, alguns se veem obrigados a dividir espaço nas ruas, em meio aos veículos. É o caso do aposentado Jorge Machado, de 69 anos. Ele, que tem uma prótese na perna direita, caminha a passos lentos para não cair. “Em todo lugar encontro calçadas com problemas. Às vezes, ando pelo asfalto mesmo com os motoristas me xingando”.
A estratégia também é adotada por Tereza Maria Pereira, de 65 anos, que tem um desgaste no joelho esquerdo.
“Eu não aguento levantar a perna muito alto. Vivo tropeçando em pedras soltas no passeio. Mas não é só para mim que a via pública está ruim. Meu filho, de 20 anos, já tropeçou em frente ao Mercado Central”, diz.
Proprietário do imóvel deve fazer manutenção; vítima de queda pode acionar a Justiça
O proprietário do imóvel é o responsável pela construção, manutenção e conservação do passeio, que é obrigatório em todas as vias pavimentadas. À prefeitura cabe notificar e cobrar as obras necessárias. Quem cair em uma calçada devido à má conservação do espaço pode acionar a Justiça e pedir uma indenização.
Segundo o presidente da Comissão de Direito Urbanístico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Minas, Paulo Viana Cunha, cada processo é único e as particularidades são levadas em conta.
Além de indenizações, a pessoa pode ter direito ao custeio das despesas hospitalares e até o ressarcimento de possíveis perdas econômicas para quem, por exemplo, fica sem trabalhar.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) não informou quantos processos em função dessas quedas estão tramitando.
Conforme dados da Secretaria Municipal de Política Urbana, 8.187 pessoas foram notificadas em 2017. Dessas, 3.573 foram multadas por descumprimento das alterações determinadas.
Segundo a pasta, são realizadas cerca de 55 vistorias diárias para verificar a condição dos passeios na cidade.
Sequelas
Em alguns casos, as quedas geram sequelas permanentes. Como aconteceu com a faxineira Rita de Cássia Carvalho, de 56 anos.
Há quatro anos, ela torceu o pé em um buraco na calçada e rompeu o ligamento da perna direita. Depois disso, teve que parar de trabalhar e passou a andar apoiada em muletas. Mesmo assim, não acionou a Justiça para receber seus direitos.
Diretor técnico do Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, Marcelo Lopes Ribeiro, explica que as sequelas após quedas da mesma altura é algo comum entre os idosos.
“Muitos apresentam quadro de fratura do fêmur. Se ficar muito tempo acamado e não operar rapidamente, pode aumentar a chance de ter trombose, infarto e derrame”, afirma o especialista.