Nos últimos 50 anos, mais de 500 espécies globais de anfíbios sofreram redução significativa em suas populações. Noventa delas foram extintas, em uma perda considerada catastrófica para a biodiversidade. A culpada é uma doença infecciosa chamada quitridiomicose, segundo estudo de um grupo internacional de pesquisadores liderados pela Universidade Nacional Australiana, com participação de cientistas da Universidade de Campinas (Unicamp). Em um artigo publicado na revista Science, eles afirmam que esse mal está presente em 60 países, sendo que América do Sul, América Central e Austrália são as regiões mais afetadas do globo.

A doença é causada pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis, que consome a queratina presente na pele de rãs, sapos e salamandras, animais que vivem tanto em ambientes aquáticos como na terra. De acordo com os autores do estudo, em algumas localidades, incluindo o Brasil, onde 69 espécies de anfíbios são afetadas pela doença de alguma maneira, o declínio populacional associado à quitridiomicose ultrapassa 90%. Essa classe de vertebrados desempenha papéis essenciais à manutenção dos ecossistemas: são presas de diversas espécies e predadoras de muitos outras, incluindo mosquitos transmissores de doenças como zika, dengue e chicungunha.
 
No vasto território brasileiro, mais de 40 espécies estão presumidamente extintas, afirma a ecóloga Tamilie Carvalho, coautora do artigo e pesquisadora do Laboratório de História Natural de Anfíbios Brasileiros (LaHNAB), da Unicamp. Na classificação da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), isso significa que, embora estudos exaustivos não consigam localizar nenhum exemplar, ainda não há certeza de seu desaparecimento total. Por outro lado, há registros, no país, de espécies que já não existem mais em determinadas regiões, embora estejam presentes em outras.
 
Explosão
 
Em termos globais, o pico de devastação das populações de anfíbios foi em 1980, mas no início dos anos 2000 também houve uma explosão de infecções na América do Sul. “Em todo o mundo, a doença causou extinções. Perdemos espécies realmente incríveis”, lamenta Ben Scheele, principal pesquisador do estudo, em um comunicado de imprensa. Na Austrália, país que liderou as investigações, mais de 40 espécies de sapo foram comprometidas pelo fungo nas três últimas décadas, incluindo sete que acabaram extintas.
 
No Brasil, há até pouco tempo, não se sabia a dimensão dos declínios populacionais diretamente associados à quitridiomicose. Entre 2014 e 2016, quando fazia mestrado em ecologia na Unicamp, a hoje estudante de doutorado Tamilie Carvalho percorreu museus de história natural, nos quais avaliou 32 mil amostras de anfíbios coletados da década de 1930 a 2015, identificando quais deles haviam sido vitimados pela doença infecciosa. A cientista explica que, nos girinos, além de devorar a queratina da pele, o fungo se alimenta da substância presente nos dentículos. Naturalmente pretos, eles ficam brancos quando o animal está infectado. Por isso, foi possível, em uma amostra tão grande, estabelecer quais morreram em decorrência da quitridiomicose.
 
O trabalho de Tamilie Carvalho foi publicado na revista Proceedings B, da Royal Society. A avaliação permitiu não só identificar a causa da morte dos animais, mas levantar o pico da infecção no Brasil (de 1979 a 1987) e a prevalência da doença. “O fungo existe em todos os ecossistemas, mas a Mata Atlântica tem a maior prevalência, entre 20% e 22%. Nos outros, o percentual é de 4%. O fungo precisa de um ambiente úmido e mais frio para sobreviver, por isso, para ele, a Mata Atlântica é mais favorável. A Floresta Amazônica, por exemplo, é úmida, mas muito quente”, explica. Porém, mesmo na região onde o micro-organismo encontra condições mais favoráveis para se disseminar, nem todos os anfíbios são afetados. A ecóloga explica que ainda não se sabe o motivo pelo qual alguns animais são mais resistentes que outros: por exemplo, os de tamanho maior parecem ser mais suscetíveis, assim como os que vivem apenas na água.
 
"O fungo existe em todos os ecossistemas, mas a Mata Atlântica tem a maior prevalência, entre 20% e 22%. Nos outros, o percentual é de 4%. O fungo precisa de um ambiente úmido e mais frio para sobreviver” 
 
Tamilie Carvalho, coautora do artigo e pesquisadora da Unicamp
 
Disseminado pelo comércio
 
Acredita-se que o fungo quitrídio seja originário da Ásia e tenha se espalhado pelo globo devido ao comércio da vida selvagem e da globalização. “Os humanos estão movendo plantas e animais pelo mundo em uma taxa incrivelmente rápida, introduzindo patógenos em novas áreas”, afirma o pesquisador australiano Ben Sheele. De acordo com o biólogo, é preciso estabelecer marcos regulatórios urgentes para esse tipo de comércio.
 
A ecóloga brasileira Tamilie Carvalho afirma que as medidas de biossegurança precisam ser mais rígidas. Ela exemplifica com a rã touro, muito comum no Brasil, onde é criada em cativeiro para consumo alimentício. Essa espécie é uma “esponja” para o fungo Batrachochytrium dendrobatidis. Embora ela mesma não adoeça com a infecção, caso acidentalmente escape do criadouro, pode contaminar diversas populações na vida selvagem. Como é exportada para vários países, também há risco de levar o fungo a outras partes do globo.
 
No artigo publicado na Science, os pesquisadores também observaram que muitas espécies seguirão em risco de extinção nos próximos 10 a 20 anos, porque passam por um declínio acentuado provocado pela ação do fungo. Por isso, eles reforçam a necessidade de políticas de conservação que possam evitar o desaparecimento desses animais, além de técnicas eficazes de recuperação populacional. “Das 292 espécies sobreviventes das quais conhecemos os padrões populacionais, 20% mostraram sinais iniciais de recuperação. Porém, recuperações geralmente representam pequenos aumentos na abundância de populações individuais, e não no restabelecimento completo no nível de espécie”, diz o artigo.