O americano Theodore McCarrick, de 88 anos, foi acusado do crime cometido contra um adolescente

Por: AFP


O papa Francisco devolveu ao estado laico o ex-cardeal americano Theodore McCarrick, de 88 anos, acusado de abusos sexuais contra ao menos um adolescente há quase meio século, uma novidade na história da Igreja Católica.

Segundo comunicado da Santa Sé divulgado no sábado (16 de fevereiro), o papa argentino declarou definitiva a sentença da Congregação para a Doutrina da Fé, instituição do Vaticano que vela pelo respeito do dogma católico. De acordo com o texto, o ex-cardeal foi considerado culpado de ter "infringido o sexto mandamento (que proíbe o adultério) com menores e adultos, com a circunstância agravante do abuso de poder".

Não há apelação possível para a punição, de caráter definitivo. Na próxima semana haverá uma reunião crucial com os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo no Vaticano justamente para debater a responsabilidade dos prelados que mantiveram silenciadas as agressões sexuais de membros do clero contra menores de idade. Grandes escândalos já foram revelados nos Estados Unidos, no Chile e na Alemanha e mancharam a credibilidade da Igreja Católica.

Tolerância zero

O papa Francisco, que quer aplicar a promessa de "tolerância zero", afirmou nestes últimos meses que seria intransigente com a alta hierarquia eclesiástica.

O ex-cardeal emérito de Washington já estava proibido desde julho de exercer seu ministério e depois renunciou ao seu título honorário de cardeal. Com sua exclusão oficial da Igreja, o homem, recluso atualmente no estado do Kansas, nos Estados Unidos, simplesmente se torna Theodore McCarrick.

A investigação da Santa Sé teve início em setembro de 2017, após o arcebispado de Nova York receber o depoimento de um homem que acusou o prelado de ter abusado sexualmente dele nos anos 1970.

Diante dos "indícios graves" revelados na investigação, o papa destituiu no final de julho o monsenhor McCarrick do título de cardeal.

Este caso abalou a hierarquia da Igreja Católica americana, pouco antes da publicação de um relatório devastador sobre os abusos maciços cometidos na Pensilvânia.

Em 2015, o papa Francisco aceitou a renúncia do monsenhor Keith O'Brien a todos os direitos do cardeal, após ter demitido dois anos antes como arcebispo de Edimburgo quando foi acusado de "atos inapropriados" com jovens padres. O prelado, no entanto, manteve o título do cardeal até a sua morte, em março de 2018.


Punição histórica

O único caso de abandono do título supremo do cardeal remonta a 1927, quando o papa Pio XI aceitou a renúncia do cardeal francês Lois Billot, que havia renunciado por motivos políticos. Expulsar um prelado é considerada a punição mais severa para um eclesiástico, privados de todos os seus direitos e prerrogativas de sacerdote, como celebrar a missa.

Em outubro, o papa retirou os títulos de dois bispos chilenos por agressões sexuais a menores de idade, quando a Igreja Católica deste país estava mergulhada em um escândalo sem precedentes.

O cardeal McCarrick, um padre que foi nomeado bispo e arcebispo da Arquidiocese de Nova York antes de ir para Washington em 2001, era um dos cardeais americanos com mais projeção internacional. Durante muito tempo, foi muito influente para levantar fundos para a Santa Sé.

Embora estivesse oficialmente aposentado, continuava viajando, especialmente para defender questões de direitos humanos. Desempenhou um papel importante na exigência de reformas que punissem severamente os padres pedófilos nos Estados Unidos.

McCarrick também foi alvo de uma acusação incendiária de um prelado italiano aposentado, o arcebispo Carlo Maria Vigano, que chegou a pedir a renúncia de Francisco e de outros membros da cúria por terem ignorar o comportamento do ex-cardeal por cinco anos, apresentado como um notório predador sexual.

Esta acusação virulenta, com base em provas escritas, foi feita no final de agosto, em plena viagem do pontífice à Irlanda, país cuja Igreja Católica é atingida por numerosos escândalos de abusos.

O papa prometeu mais investigações sobre McCarrick nos arquivos dos departamentos (ministérios da Cúria Romana) e nos escritórios da Santa Sé.