Economista eurocético vetado pelo presidente Mattarella ocupará outra pasta, e o professor Giuseppe Conte voltará a ser o primeiro-ministro, após pressão de mercados pró-UE
Quando já se passaram quase 90 dias das eleições, com um Governo consumindo suas últimas forças e dois outros Executivos esperando no banco de reservas para substituí-lo, a Liga e o Movimento 5 Estrelas (M5S) conseguiram um acordo para formar um Executivo que tentará governar a Itália nos próximos cinco anos. Após dias de enorme tensão e uma longa negociação, os dois partidos decidiram substituir o eurocético Paolo Savona pelo acadêmico Giovanni Tria no ministério da Economia. O polêmico economista antieuro, por ironias do xadrez da política, ocupará a carteira de Assuntos Europeus. Fechado esse capítulo, o professor Giuseppe Conte, que já havia recebido o encargo de formar um gabinete, e o rejeitou no domingo passado, será o primeiro-ministro.
O presidente da República, Sergio Mattarella, vetou no domingo a nomeação de Savona, um economista que tinha desenhado um plano para tirar a Itália do euro, para o ministério da Economia. Aceitou o resto das propostas, mas esse nome foi considerado uma provocação. A Liga e o M5S se negaram a substituí-lo e anunciaram que não havia outro remédio senão convocar eleições. Durante quatro dias, a Itália assistiu a uma situação de caos institucional insólita. Outra pessoa (o tecnocrata Carlo Cottarelli) foi chamado para formar um Governo, e ele já tinha a sua lista de ministros preparada. Ao mesmo tempo, foram convocadas manifestações contra Mattarella, acusado de estar a serviço de um golpe de Estado do establishment. O M5S tentou submetê-lo a um impeachment, e Salvini e Di Maio quase rompem sua frágil relação.
Luigi Di Maio e Matteo Salvini – que reservaram para si as vice-presidências do Governo e os ministérios de Bem-Estar e Interior, respectivamente – passaram toda a tarde trancados num gabinete do palácio de Montecitorio tentando aparar a última aresta. O líder da Liga já tinha convencido seu partido a aceitar novas eleições depois do verão europeu. Mas Di Maio arriscou tudo desesperadamente na noite de quarta-feira, propondo a realocação de Paolo Savona para outro ministério e buscando outro nome para substituí-lo. Uma proposta difícil de rebater sem demonstrar que, na verdade, não havia interesse em formar Governo, e que a culpa não era de Mattarella. Salvini não teve escolha senão aceitar.
A lista de ministros vazada pela imprensa italiana não parece que possa inquietar muito os mercados nem a Europa. O novo ministro da Economia, Giovanni Tria, é reitor da Faculdade de Economia Política da Universidade de Roma Tor Vergata e presidente da Escola Nacional de Administração. Trata-se de um economista afeito ao diálogo e sem as inclinações eurocéticas de Savona, mas com uma visão nuançada sobre a atual ideia de Europa. De fato, em seus artigos no Il Sole 24 Ore, já tinha feito algumas críticas ao superávit comercial alemão e aos inconvenientes da moeda única. Será acompanhado nas Relações Exteriores por Enzo Moavero-Milanesi, que já ocupou esse cargo durante três anos nos governos de Mario Monti e Enrico Letta.
Enquanto isso, Carlo Cotarelli, o economista a quem Mattarella encarregou de formar um Governo na segunda-feira passada, despachou informalmente com o presidente para falar da sua renúncia, e espera a confirmação oficial. Seu Governo seria rejeitado na Câmara e no Senado, onde todos os partidos haviam anunciado voto contrário a ele. De modo que Cottarelli também respirou aliviado ao evitar um processo puramente tecnocrático, sem a legitimidade das urnas nem do Parlamento.
A enorme crise institucional que a Itália viveu na última semana, sacudida com dureza pelos mercados e a incerteza política, convenceu quase todos de que a solução política era a melhor opção. Sergio Mattarella, alarmado com a reação dos mercados e a falta de apoio ao Governo técnico que havia proposto, não teve problemas em receber Di Maio na quarta-feira, assim ganhando tempo e dando uma última chance ao autoproclamado Governo da Mudança. A coalizão soberanista/populista preocupa em Bruxelas e tentará executar um programa difuso para o qual, aparentemente, não há recursos. Mas todas as outras opções que se abriam em curto prazo eram piores.