RETOMADA DO TALIBÃ


A comunidade internacional deve negociar com os talibãs para evitar uma catástrofe humanitária no Afeganistão, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, nesta segunda-feira (13), dia em que um primeiro voo comercial pousou em Cabul, um dos primeiros sinais de normalização no país.


Milhões de afegãos são afetados por uma seca profunda e as consequências da pandemia de covid-19. Segundo a ONU, por falta de apoio, quase toda a população afegã (97%) pode ficar abaixo do limite da pobreza no ano que vem contra 72% atualmente.


Guterres considerou nesta segunda "muito importante" que as Nações Unidas falem com os talibãs para facilitar a entrega e a distribuição de ajuda humanitária.


"É impossível prestar ajuda humanitária no Afeganistão sem falar com as autoridades de fato do país", disse Guterres em coletiva de imprensa à margem de uma reunião ministerial em Genebra que permitirá arrecadar mais de 600 milhões de dólares em ajuda para as organizações humanitárias do país. 


A França anunciou o desembolso de 100 milhões de euros (cerca de 120 milhões de dólares) para este fim, enquanto Washington aportará 64 milhões de euros (75 milhões de dólares).


"Se quisermos fazer avançar os direitos humanos do povo afegão, a melhor forma é avançar com a ajuda humanitária, dialogar com os talibãs e usar esta ajuda humanitária para impulsionar a aplicação destes direitos", disse Guterres.


"Faço um chamado à comunidade internacional para que encontre a forma de permitir uma injeção de dinheiro na economia afegã, para permitir que a economia respire e evitar um colapso que teria consequências devastadoras para o povo afegão e poderia desencadear um êxodo maciço, com as consequências que se pode imaginar para a estabilidade dos países da região", acrescentou.


- Primeiro voo comercial -


Nesta segunda, um avião da companhia paquistanesa PIA (Pakistan International Airlines) se tornou o primeiro voo comercial internacional a aterrissar e decolar do aeroporto de Cabul após a volta dos talibãs ao poder, em 15 de agosto.


O aeroporto ficou quase inoperante desde que as forças americanas concluíram sua caótica retirada em 30 de agosto, após uma frenética operação de evacuação de mais de 120.000 pessoas.


Cerca de 70 pessoas estavam a bordo do voo rumo a Islamabad, a maioria afegãos familiares de funcionários de organizações internacionais como o Banco Mundial, segundo fontes aeroportuárias.


"Estou sendo evacuada. Meu destino final é o Tadjiquistão. Só voltarei se a situação permitir às mulheres trabalharem e circularem livremente", disse uma funcionária do Banco Mundial, de 35 anos, que pediu para manter sua identidade sob sigilo.


Um universitário de 22 anos disse que viajaria por um mês ao Paquistão. "Estou triste e feliz. Triste pelo país, mas feliz de partir por certo tempo", destacou.


A retomada dos voos comerciais é um primeiro sinal de normalização econômica do país e um teste para os talibãs que, em reiteradas ocasiões, prometeram que deixarão os afegãos com documentação em dia sair livremente.


- "Muito emocionados" -


Na semana anterior, dois voos fretados da Qatar Airways decolaram para transportar cidadãos estrangeiros e afegãos que não puderam se beneficiar da gigantesca ponte aérea.


Além disso, uma companhia aérea afegã tinha reiniciado os voos domésticos em 3 de setembro.


As salas de espera, passarelas de embarque e outras infraestruturas técnicas do aeroporto sofreram sérios danos nos dias que se seguiram à volta dos talibãs, quando milhares de pessoas fugiram desesperados para o local.


Muitos afegãos temem represálias por terem ajudado as potências estrangeiras nos 20 anos de ocupação dos Estados Unidos e seus aliados, embora os talibãs prometam uma anistia geral, inclusive às forças de segurança contra as quais lutaram.


Os fundamentalistas prometeram um regime mais tolerante do que o imposto entre 1996 e 2001, mas têm enviado sinais contraditórios, como o de proibir manifestações não autorizadas ou atirar para o alto para dispersar protestos.


- "Decepção" de Bachelet -


A Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, mostrou-se "decepcionada" pela falta de diversidade do governo talibã e "preocupada" com o tratamento dado às mulheres e à dissidência.


O governo "não inclui nenhuma mulher e poucos membros não pashtuns", destacou Bachelet na abertura da 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra.


O Irã também criticou o governo provisório dos talibãs por não ser representativo de toda a população do país.


Por outro lado, o cofundador do movimento talibã e agora vice-primeiro-ministro do Afeganistão, publicou uma mensagem de áudio nesta segunda-feira para desmentir boatos de que teria morrido.


Abdul Ghani Baradar, que foi nomeado na semana passada como o número dois do mulá Mohammad Hassan Akhund, culpou a "falsa propaganda" pelos rumores sobre sua morte na mensagem de áudio divulgada pelos talibãs.