Ninguém pode questionar a coragem de Munir Baatur, um dos mais notáveis defensores da causa LGBTI na Tunísia. Aos 48 anos, este advogado não só se tornou o primeiro candidato abertamente gay à presidência de uma nação árabe, mas também deu o passo em um país com uma lei em vigor que pune as práticas homossexuais com até três anos de prisão. Apesar disso, as organizações de defesa dos direitos da comunidade LGBTI são legais desde a revolução de 2011, e Baatur é o líder da Shams, uma das mais conhecidas.

 

Mas Baatur não quer fazer de sua homossexualidade uma bandeira. Isso é o que ele garante. “Minha orientação sexual não é um assunto relevante. Não perguntam sobre isso aos outros candidatos. Não me incomoda que a mídia mencione isso, mas eu me vejo como o simples candidato de um partido”, diz, em referência ao Partido Liberal Tunisiano, a legenda quase desconhecida que ele preside. Criado em 2011, entre suas prioridades estão a defesa dos direitos das minorias e uma separação estrita entre religião e política na esfera pública.

 

Ao ser questionado sobre seu programa para as eleições presidenciais de novembro, Baatur situa no centro da agenda política a busca de fórmulas inovadoras para relançar a economia, como a regularização da economia informal, cujo peso varia entre 15% e 40% do PIB nacional. E também não esquece as medidas relacionadas à comunidade gay: “Em primeiro lugar, a abolição do artigo 230, que criminaliza a homossexualidade. E que se inclua a agravante da violência contra os homossexuais e o direito dos transexuais de mudar seu estado civil legalmente, sem a necessidade de se operarem”. O ativista afirma ter mais de 10.000 assinaturas para cadastrar a candidatura quando o período de inscrição for aberto.

Sua participação nas eleições estava no ar até a semana passada. O Parlamento aprovou em junho uma série de emendas à lei eleitoral que incluía como condição para os candidatos a apresentação de um registro criminal imaculado. Baatur passou três meses na prisão, condenado por ser gay. No entanto, o presidente Beji Caid Essebsi se recusou a assinar a lei, que também proíbe os partidos de realizar atividades beneficentes, o que provocou uma crise constitucional. Faltando menos de três meses para eleições legislativas e quatro meses para as presidenciais, ainda não está totalmente claro quais requisitos os candidatos devem cumprir para se apresentar.

Depois da queda da asfixiante ditadura de Ben Ali, nas praças públicas da Tunísia começaram a ser discutidas muitas questões que antes eram tabu, incluindo a homossexualidade. Isso foi possível, acima de tudo, graças ao ativismo de várias organizações LGBTI, mas a aplicação das leis não foi relaxada. “A situação é catastrófica. A tendência é que as prisões se multipliquem. No ano passado, houve 130”, denuncia Baatur, um homem corpulento.

Embora os tunisianos, e especialmente suas autoridades, gostem de projetar uma imagem de um país aberto e tolerante, na questão dos direitos das minorias sexuais a mentalidade permanece ancorada em uma visão muito conservadora. Segundo uma pesquisa recente da BBC em vários países árabes, apenas 7% dos tunisianos veem a homossexualidade como "aceitável", um porcentual significativamente inferior ao de outros países considerados menos progressistas, como Argélia (26%), Marrocos (21%) e Sudão (17%).

Apesar desses dados, Baatur vai pedir ao futuro Parlamento que descriminalize a homossexualidade, e compara a situação com a existente na década de 1950, quando a poligamia foi banida: “A sociedade tunisiana se adaptará à mudança, como aconteceu na época, quando uma maioria era conservadora e estava contra aquela mudança radical”. Outra forma possível de abolir o artigo 230, incluído no código penal pelos colonizadores franceses, seria mediante uma decisão do Tribunal Constitucional que o declarasse contrário à Carta Magna. No entanto, cinco anos após a sua aprovação, o Supremo Tribunal ainda não foi criado porque os partidos políticos não entraram em acordo sobre a identidade de seus magistrados.

Nem Baatur nem sua organização despertam muitas simpatias entre uma parte da comunidade LGBTI da Tunísia, a tal ponto que várias ONGs que defendem seus direitos assinaram um manifesto em que se posicionam contra sua candidatura. Entre outras coisas, elas o acusam de “numerosas violações da vida privada, como a publicação de informações pessoais de indivíduos LGBTQI + sem o seu consentimento, com o único propósito de atrair a atenção da mídia”. Diante de tal panorama de divisões e rixas, as expectativas eleitorais de Baatur não são muito promissoras.