Suprema Corte concede nova liminar a um consumidor da droga. A decisão obriga o Congresso a modificar a legislação sobre o tema

México

O México deu um passo fundamental para legalizar o uso recreativo da maconha. Nesta quarta-feira, a Suprema Corte de Justiça deu razão aos três autores de uma ação que alegavam a inconstitucionalidade da atual legislação antidrogas. A decisão se refere especificamente a vários artigos da Lei Geral da Saúde que proíbem a produção, transporte e consumo da cânabis. A decisão do tribunal, a quinta nesse sentido, elimina a proibição para os autores e abre as portas a uma mudança na lei que finalmente autorize o consumo recreativo da maconha no país.

Uma das autoras da ação é a chef de cozinha Josefina Cruz, gerente de um conhecido restaurante na Cidade do México. Cruz não fuma, mas diz que amigos seus sim, e que a proibição não faz sentido hoje em dia. A chef relata: “Faz dois anos mais ou menos eu estava com minha sobrinha num parque e pegaram um garoto que estava fumando maconha. Chegaram policiais, tentaram extorqui-lo, ele disse que não, bateram nele... De repente eram nove carros de patrulha, 20 agentes, detendo um garoto que, segundo os policiais, estava fumando um. E parecia o grande narcotraficante... Gravamos a cena no celular e publicamos no Facebook... Eu dizia aos policiais, ‘Ouça, por que quando me roubam não aparecem oito carros de patrulha? São usados recursos muito valiosos nisso da proibição, o que não faz sentido. A proibição, além disso, abre as portas para a extorsão e a corrupção”.

Com a decisão judicial desta quarta-feira, o México segue a pista do Canadá e de vários Estados dos EUA que já permitem a venda e o consumo recreativo da maconha. No caso do México, especialistas, acadêmicos e políticos de diferentes tendências há bastante tempo reivindicam uma mudança legislativa. Primeiro, para se adequar a uma demanda crescente da sociedade. Segundo, e mais importante, para tratar de conter a sangria decorrente, ao menos em parte, da guerra ao narcotráfico, uma política imperante há décadas na região.

A bola agora está com o Congresso. O órgão legislativo tem a tarefa de acelerar a regularização da maconha, porque a decisão da corte obriga o Senado e a Câmara de Deputados a modificarem a lei – ou seja, a transformar em regra a exceção aberta para os autores da ação. Desde setembro, ambas as Casas do Congresso estão sob o controle do partido esquerdista Morena, do presidente-eleito Andrés Manuel López Obrador. Há alguns meses, tanto López Obrador como seus futuros ministros já se pronunciaram favoravelmente à regularização da produção e consumo de maconha para fins recreativos. O advogado dos autores da ação, Andrés Aguinaco, vê na decisão da Corte “um claro chamado a Martí Batres, presidente do Senado, e Porfirio Muñoz, seu par na Câmara de Deputados, para que regulem o consumo”.

Víctor Gutiérrez, advogado da organização México Unido Contra a Delinquência, que impulsionou a batalha pela legalização da maconha, afirma que “provavelmente o Congresso modificará a lei antes que a Corte lhe obrigue”. Não se trata de um processo muito longo, mas o labirinto administrativo da Justiça mexicana poderia retardar o assunto em vários meses. De todo modo, a decisão obriga a que qualquer juiz do país se pronuncie a partir de agora de acordo com a resolução da Suprema Corte. Ou seja, qualquer pessoa que denunciar a inconstitucionalidade dos artigos contra a maconha presentes na lei sanitária terá razão.

É um passo importante no caminho da legalização, porque é a quinta decisão no mesmo sentido da Primeira Sala da Suprema Corte em que os magistrados consideraram inconstitucional os artigos da lei de saúde que proíbem consumir e produzir maconha. Quando ocorre de a Corte emitir cinco decisões iguais, cria-se uma jurisprudência, e os juízes de todo o país são obrigados a respeitá-la. Além disso, a Corte deve informar ao Congresso sobre a necessidade de alterar a lei.

A sentença judicial marca a culminação de um caminho trilhado há cinco anos pela Sociedade Mexicana do Autoconsumo Responsável e Tolerante (SMART), que chegou pela primeira vez aos tribunais em 2013 e obteve a primeira sentença favorável em 2015. Curiosamente, nenhum dos quatro integrantes do SMART que levaram seu caso à Suprema Corte fuma maconha. Em uma entrevista à Reuters em 2005, Francisco Torre Landa, um desses quatro, dizia se tratar de “um litígio estratégico” para “solapar, erodir a origem da política proibicionistaem matéria de drogas”.