Previsões apontam para um ano complicado, com múltiplas frentes abertas, que vão desde a guerra comercial até o Brexit, passando pela redução da liquidez dos bancos centrais

Madri

Ao dar uma olhada rápida nos títulos dos relatórios especiais que bancos de investimento, gestoras de fundos e brokers elaboraram para explicar como acreditam que será 2019 do ponto de vista econômico, percebe-se que serão 12 meses mais complexos do que os 12 meses que estamos a ponto de deixar para trás. Há quem se valha de ditados populares para abrir os documentos: “Não é a queda que mata. É a aterrissagem”; alguns recorrem a títulos de canções (“Riders on the storm”, cavaleiros na tempestade); enquanto outros vão direto ao ponto: “Turbulências à vista”. De fato, há um consenso generalizado de que 2019 será outro ano de crescimento mundial, ainda que a um ritmo inferior ao dos últimos exercícios.

Apesar da queda do ritmo da atividade, até certo ponto lógica depois de uma fase de expansão tão longa, nenhum dos especialistas consultados vislumbra uma recessão de curto e médio prazo. “Por mais que em junho de 2019 o ciclo atual nos EUA se torne o mais longo da história, é preciso levar em conta que a recuperação da economia foi muito mais moderada do que nos ciclos de crescimento passados. Além disso, tanto na Europa como no Japão o ciclo não é tão maduro e está há caminho pela frente. A experiência vivida em países como Canadá e Austrália demonstra que os ciclos econômicos não morrem pelo simples fato de serem muito longos”, argumentam no Banco March.

Os países emerrgentes e as economias em desenvolvimento serão destaque em 2019. Entre as grandes economias emergentes – os BRICS, no jargão do mercado– , a Índia continuará em expansão pelo terceiro ano consecutivo: seu PIB crescerá mais, 7,4%, enquanto o Brasil verá sua economia avançar, segundo estimativas, 2,37%, pelas políticas do próximo presidente, Jair Bolsonaro. A expansão da economia da África do Sul dobrará e a da Rússia aumentará ligeiramente.

Depois de dois anos de crescimento mundial sincronizado, parece que voltará a ocorrer uma divergência no nível de desenvolvimento de vários países. Os analistas consultados acreditam que os EUA serão, mais uma vez, a locomotiva que vai puxar a economia mundial. Em 2018, o crescimento norte-americano esbarrará nos 3% graças aos estímulos fiscais, um fator que também será determinante para que a alta do PIB em 2019 fique em torno de 2,5%, ainda que ao longo do ano este vento de popa perca efeito em um ambiente monetário cada vez mais restritivo. “O ritmo de desaceleração nos EUA deveria ser menos pronunciado do que em outras regiões”, afirmam na UBP. “O investimento e a demanda interna se apoiarão na reforma fiscal e em juros que, mesmo subindo, continuam baixos. Além disso, alguns planos de infraestrutura apresentados no início da presidência de Donald Trump podem ser reavaliados e incentivar, se necessário, o crescimento da demanda do setor público”, acrescentam.

O outro grande polo de atividade, a China, deve confirmar o processo de “aterrissagem suave” no qual se encontra sua economia há alguns anos, com um crescimento do PIB previsto em 2019 próximo a 6%, meio ponto percentual abaixo do esperado para 2018. De qualquer forma, a evolução do gigante asiático estará muito condicionada pelo grau que podem alcançar as tensões comerciais. “Na medida em que o Governo chinês tem a determinação de estimular a economia local graças a incentivos fiscais e monetários, acreditamos que o crescimento do país se desacelerará no próximo ano, mas de uma maneira suave”, explicam na gestora de investimentos e fundos Natixis.

Em meio aos dois colossos mundiais e sua disputa pela hegemonia mundial está a Europa. O ritmo de crescimento da zona do euro pode cair abaixo dos 2% alcançados nos últimos exercícios devido à menor atividade do resto do mundo e a fragilidades políticas e econômicas internas. “A economia da zona do euro decepcionou durante a maior parte de 2018 devido a diferentes fatores conjunturais que a prejudicaram. Acreditamos que a desaceleração se acentue em 2019 até 1,4% porque o consumo interno deve cair, devido à menor geração de emprego. Também prevemos que o investimento empresarial se modere pela perda da tração mundial e o incremento das incertezas”, advertem na gestora de fundos Axa Investment Managers.

Dentro da zona do euro, a Espanha continuará com um ano como um dos alunos privilegiados, ainda que o ritmo de crescimento também se ressinta. A última previsão do FMI para a Espanha, por exemplo, situa o aumento do PIB em 2019 em 2,2% diante de 2,7% previsto para 2018, em um contexto de menor apoio do setor externo e do turismo. “A demanda interna continuará agindo como um dos principais suportes do crescimento na Espanha. Os grandes números macro do país se mantêm sólidos, mas ainda há ajustes internos pendentes, sobretudo em relação aos desequilíbrios fiscais do setor público”, segundo o Banco March.

Esse diagnóstico positivo para a Espanha não está isento de possíveis complicações do lado político. “Em curto prazo nos preocupa a incerteza política na Catalunha, que continua sem solução e que está afetando os investimentos previstos”, afirmam no banco suíço Julius Baer. Outro fator de incerteza tem a ver com a fragilidade do Governo central. “Há um grande ruído político”, afirmam analistas do banco Andbank. “Apesar dos esforços do Executivo para manter uma legislatura parlamentar completa e propor os planos de eleições gerais até meados de 2020, não descartamos que isso ocorra em 2019. Tudo dependerá do resultado das eleições autonômicas”, acrescentam.

Em uma época tão volátil, há sobre a mesa, como vem ocorrendo nos últimos cinco anos, uma série de traços que estão por trás da desaceleração esperada e que, além disso, caso se acentuem, poderiam tornar o cenário central para a economia mundial desenhado pelos especialistas ainda pior. O principal fator de incerteza continua sendo a guerra comercial entre EUA e China. “O aumento das tarifas pode ter implicações não só sobre o ciclo econômico, mas também sobre a estrutura produtiva atual, que se baseia no livre comércio. Essa mudança tornaria o impacto da guerra comercial sobre a economia ainda maior”, opinam no Natixis.

Razões para conter a tensão

Embora o fantasma de uma escalada da disputa tarifária continue muito presente, a última cúpula do G-20 na Argentina fez com que alguns especialistas estejam agora mais otimistas do que há alguns meses a respeito da evolução da atividade comercial em 2019. “O argumento a favor de um acordo é que a China estará desejosa de alcançar um pacto que lhe dê um respiro. Com suas últimas sanções, Washington mostrou que pode fechar grandes empresas chinesas em um instante, ameaçando todo o plano de semicondutores de Pequim e colocando em perigo a Huawei, a empresa nacional de telecomunicações chinesa. Por outro lado, Donald Trump precisa de uma vitória digna de um grande estadista, como o homem que domou a China, que o coloque em boa posição para as eleições presidenciais de 2020”, comenta o Andbank no seu relatório de estratégia.

Se a tensão em torno da guerra comercial pode diminuir, o contrário acontece com o Brexit. A saída do Reino Unido da União Europeia se materializará em 29 de março de 2019 às 23h (hora de Londres). O Governo de Theresa May e Bruxelas chegaram a um acordo de saída, mas sua aprovação está emperrada no parlamento britânico. O que antes parecia improvável, um Brexit duro, ganha cada vez mais corpo à medida que a contagem regressiva se aproxima do fim. “Se for feita uma saída sem acordo, os danos para a economia britânica seriam consideráveis: o crescimento poderia cair 5%, em média, e até 8% se outros parceiros comerciais como os EUA demorarem a assinar novos acordos”, avisa a UBP. E é claro que a onda de choque não se limitaria à ilha. “Cabe esperar que na última hora seja alcançado um acordo de transição, que essencialmente dê lugar a poucas mudanças reais”, sugere León Cornelissen, economista-chefe da Robeco.

Outro foco de incerteza vem dos bancos centrais. A redução das taxas de juros e medidas monetárias heterodoxas, como a compra maciça de dívida pública, inundaram o sistema de liquidez e tiraram o mundo da recessão causada pela crise financeira. Essa era de estímulos em grande escala, no entanto, chega ao fim. “Pela primeira vez em quase uma década, o balanço agregado dos bancos centrais será reduzido. Teremos de nos acostumar a viver sem o apoio do quantitative easing (flexibilização quantitativa). Além disso, essa normalização monetária chega no momento em que a economia mundial crescerá abaixo de seu potencial depois de uma longa sequência de altas”, descrevem os especialistas da Unigestion.

O Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), apesar das pressões de Trump, aumentou quatro vezes as taxas nos EUA em 2018, colocando-as em uma faixa entre 2,25% e 2,5%. O órgão presidido por Jerome Powell –que paralelamente está há mais de um ano amortizando a dívida que tinha em seu balanço– cogita elevar as taxas de juros mais duas vezes no ano que vem. Por seu lado, o Banco Central Europeu (BCE) acabou com o programa de estímulos –mais de 2,6 trilhões de euros–, embora não se espere que aumente o preço do dinheiro, na melhor das hipóteses, até o último trimestre de 2019. “É provável que o BCE tenha deixado para tarde demais a normalização das taxas de juros e que com o tempo considere que perdeu uma grande oportunidade ao não tê-la feito em 2018. A região poderia se ver presa em um ambiente de baixas taxas de juros e escassa munição monetária para enfrentar a próxima recessão”, adverte Keith Wade, economista-chefe da Schroders.

De olho na inflação

Os grandes bancos centrais desenharam um roteiro que contempla uma retirada muito gradual da liquidez para não causar um curto-circuito em uma economia que se acostumou às facilidades do dinheiro barato. Por enquanto, esse plano está sendo cumprido graças ao fato de que o longo ciclo de crescimento se desenvolveu sem despertar grandes tensões inflacionárias. As previsões para 2019 apontam para um ligeiro aumento dos preços nas principais economias, impulsionado por revisões para cima dos salários, mas não muito além dos 2%, limiar que faz soar os alarmes nos bancos centrais (e acelerar os aumentos das taxas de juros). A queda dos preços da energia –o preço do barril de brent, petróleo de referência na Europa, caiu quase 40%– também contribui para reduzir a pressão sobre o IPC.

“É verdade que o aumento dos salários começa a se acelerar devido à queda do desemprego nas principais economias”, admitem os especialistas da Pimco, a maior investidora em dívida pública do mundo. “No entanto, o aumento da produtividade pode moderar as pressões sobre os custos do trabalho. Além disso, o aumento da concorrência e da transparência no mercado de bens devido ao efeito Amazon provavelmente manterá os preços controlados”, acrescentam os especialistas da Pimco.

2018 foi o ano do dólar, que subiu 5,7% em relação ao euro desde janeiro. As bruscas oscilações da moeda norte-americana costumam desestabilizar a economia mundial e os mercados financeiros. A solidez do dólar, como se viu no primeiro semestre deste ano, pode exercer fortes pressões sobre aquelas economias, especialmente as emergentes, que necessitam de financiamento em dólar a taxas baixas. Por outro lado, uma fragilidade pronunciada dessa moeda exerce pressão sobre os países mais exportadores, como Alemanha e Japão, e agita o espectro da inflação, uma vez que os preços das matérias-primas tendem a subir durante essa fase. A situação ótima para a economia mundial, portanto, consiste em períodos de estabilidade para o dólar, exatamente o que a maioria dos especialistas prevê para 2019, graças principalmente à divergência nas políticas monetárias. “Dado que o Fed já avançou com as medidas de aperto, e o BCE e o Banco do Japão terão de se equiparar gradualmente, é muito possível que o dólar se mantenha estável”, indicam especialistas do Credit Suisse.

Um dos efeitos colaterais das injeções de liquidez realizadas para deixar a Grande Recessão para trás é o aumento considerável dos níveis de endividamento, tanto no sistema público quanto no âmbito privado. “Governos e empresas estão agora mais vulneráveis a condições financeiras mais duras”, reconheceu a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, alguns meses atrás. A dívida total acumulada no mundo é 60% superior à que havia em 2007, bem antes do início da crise financeira, e totaliza 182 trilhões de dólares.

Em todo caso, como lembram os especialistas do Bankinter, as recessões são precedidas ou provocadas quando, além de um nível desproporcionado de dívida em relação ao tamanho da economia, também ocorrem simultaneamente outros fatores, como o alto custo do financiamento, que encarece bastante o pagamento dos empréstimos, bem como a existência de fortes desequilíbrios econômicos na forma de déficit fiscal ou de déficit de conta corrente excessivo. “A coincidência destes três sinais não se dá hoje, por isso não acreditamos que a proximidade de uma recessão possa ser defendida de um ponto de vista objetivamente fundamentado”, conclui a equipe do Bankinter.