RFI - Mais de uma dezena de veículos e mobiliário urbano foram queimados em Nanterre, a oeste da capital francesa, onde também foram erguidas barricadas. Para evitar incidentes como a invasão e saque de uma escola na noite de quarta-feira (28), autoridades locais se organizaram para fazer vigílias em prédios públicos e alertar a polícia se fosse preciso, constatou a reportagem da RFI. 

Violências e degradações também foram registradas em outros municípios da periferia da capital, onde ônibus, carros, viaturas de polícias e lixeiras foram incendiados, bem como os prédios de duas prefeituras, cinco escolas e quatro delegacias.

No resto do país, outras grandes cidades francesas também foram palco de violências e vandalismo, como Lyon, no centro-leste, Lille, no norte, Toulouse, no sudeste, e Nice, no sul.

Segundo o Ministério do Interior, 150 suspeitos foram abordados e 150 policiais ficaram feridos.

A mãe de Nahel convocou uma passeata silenciosa para esta tarde em Nanterre.

Já o policial que disparou contra o adolescente passou uma segunda noite detido para interrogatório e ratificou sua versão de legítima defesa. Ele será investigado por homicídio doloso. 

Nesta quinta-feira, o procurador da República de Nanterre, Pascal Prache, indicou que o policial seguirá em detenção preventiva e que até o momento o Ministério Público considera que não havia necessidade para o uso de arma no momento da abordagem de Nahel.

O Ministério do Interior informou que 40 mil policiais serão mobilizados em toda a França para a próxima noite, cinco mil apenas em Paris. 

Morte do adolescente - A morte do jovem Nahel ocorreu na manhã de terça-feira (27). Inicialmente, fontes da polícia disseram que o guarda atirou quando o motorista do veículo tentou atropelar dois policiais em Nanterre. No entanto, um vídeo publicado nas redes sociais, cuja autenticidade foi comprovada pela AFP, mostra o momento em que o agente aponta uma arma para o motorista e atira à queima-roupa quando ele acelera o veículo.

Na gravação, é possível ouvir a frase: "Você vai levar um tiro na cabeça", mas não fica claro quem a pronuncia.

A fuga do jovem terminou metros à frente, quando o carro bateu contra um poste. A vítima morreu pouco depois de ser atingida no tórax.

O agente de 38 anos, suspeito de ser o autor do disparo, está sob custódia da polícia como parte da investigação de homicídio doloso por parte de um funcionário público, anunciou o Ministério Público.

Reações - "Nada justifica a morte de um jovem", disse o presidente francês, Emmanuel Macron.

O porta-voz do governo francês, Olivier Véran, pediu "calma" em um contexto de "emoção muito forte".

"As imagens sugerem que as regras de uma ação legal não foram respeitadas", declarou a primeira-ministra Elisabeth Borne.

"A pena de morte não existe mais na França. Nenhum policial tem o direito de matar, exceto em caso de legítima defesa", tuitou o político de esquerda Jean-Luc Mélenchon.

"Estou sofrendo pela minha França. Uma situação inaceitável", tuitou o atacante Kylian Mbappé, do Paris Saint-Germain (PSG), que em 2020 também reagiu ao espancamento de policiais a um produtor musical negro, Michel Zecler, em Paris.

Essas declarações foram criticadas por um dos principais sindicatos policiais, Alliance, e por dirigentes da extrema direita.

Alliance considerou "inconcebível que o presidente da República, assim como alguns dirigentes políticos, artistas e outros desconsiderem a separação de poderes e a independência da Justiça condenando nossos colegas antes do resultado das investigações".

A ex-candidata presidencial Marine Le Pen, líder do Reunião Nacional (RN, extrema direita), denunciou uma reação "irresponsável" por parte de Macron.

Passeata em homenagem - A primeira noite de distúrbios na região de Paris, concentrados principalmente em Nanterre, terminou com mais de 40 carros incendiados, 31 pessoas detidas e 24 policiais levemente feridos.

"Nossa cidade acordou em choque, abalada, marcada e preocupada com esta onda de violência", disse o prefeito de Nanterre, Patrick Jarry, que também pediu calma e "justiça para Nahel".

A mãe do adolescente convocou, em uma mensagem na rede social TikTok, uma passeata em homenagem ao filho, na tarde de quinta-feira, perto do local da morte. "Será uma manifestação de revolta pela morte do meu filho".

As forças de segurança na França são acusadas com frequência de abusos ou uso excessivo da força, como durante a caótica final da Liga dos Campeões em 2022 ou nos protestos recentes contra a reforma da Previdência.

Porém, a tragédia mais recente provoca uma onda de indignação. A França registrou 13 mortes em 2022 durante incidentes similares. Antes da morte de Nahel, em meados de junho, um guineense foi morto a tiros por um policial perto de Angoulême (centro).

Em maio, vários países expressaram às Nações Unidas sua preocupação com a violência policial e a discriminação racial na França, durante uma avaliação periódica à qual se submetem a cada quatro anos os países da ONU.