A decisão do governo argentino de deixar de pagar no vencimento a maior parte da dívida de curto prazo com credores deve ter como consequência política a moderação do discurso do candidato kirchnerista à presidência, Alberto Fernández, segundo analistas. 


Na quarta-feira (28), o governo do presidente Mauricio Macri decidiu transferir para o vencedor da eleição de 27 de outubro - na qual Fernández é favorito - a conta de US$ 15,5 bilhões, num momento em que as reservas internacionais do Banco Central estão em US$ 57 bilhões. 
 
"As divisas que sairiam do BC ficarão com o governo, com poder de fogo para estabilizar o peso. Isso deve induzir Fernández a cooperar com o plano de estabilização de Macri", disse ao Estado o cientista político Ignacio Labaqui, da Universidade Católica de Buenos Aires (UCA). "Se a perda de reservas continuasse, Fernández receberia um governo com poucos dólares para estabilizar a economia a partir de dezembro."


A vitória de Fernández por 15 ponto de diferença nas primárias do dia 11 provocou uma turbulência nos mercados argentinos, com desvalorização do peso, aumento do risco país e crescimento do vencimento da dívida de curto prazo, motivados pelo temor de um governo avesso aos investidores. No país, por serem de comparecimento obrigatório, as prévias funcionam como um simulado da eleição de outubro.


A medida anunciada por Macri não deve render dividendos políticos. "O cenário eleitoral não deve mudar muito, mas o governo deve ter mais recursos para manter a estabilidade cambiária", acrescentou Labaqui. "A estabilidade do câmbio tem muito peso com os eleitores. Pode haver saques de reservas em dólares por parte da população, pelo nervosismo, a exemplo do que ocorreu antes das primárias. 


Mercados


Para Facundo Galván, também da UCA, a instabilidade deve marcar a disputa eleitoral até o final, mesmo com o favoritismo de Fernández. "Desde as primárias, já aconteceram muitas coisas. O tempo da política se acelerou e diversos fatos que polarizaram o discurso ocorreram", disse Galván.


Crítico do acordo com o FMI, Fernández defendia uma renegociação com o órgão desde sua vitória nas primárias, mas não chegou a defender um calote na dívida. "Fernández está numa situação muito complicada. Tem de criticar o acordo, para agradar a base mais radical, e moderar-se, para reestruturar a dívida", avalia Michael Shifter, do Diálogo Interamericano.


O mercado financeiro teme que Fernández adote as mesmas políticas de sua candidata a vice, Cristina Kirchner, que em seus dois mandatos congelou preços, subsidiou tarifas, controlou o câmbio e aumentou barreiras alfandegárias. O país está em recessão, com um terço da população abaixo da linha de pobreza. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.