Marcos, filho da militante desaparecida Rosario del Carmen Ramos, foi sequestrado pela ditadura dias antes de completar cinco meses
Entre 1976 e 1983, as Avós de Praça de Maio estimam que a ditadura argentina tenha roubado cerca de 500 bebês e os entregado a famílias favoráveis ao regime militar para que os criassem sem conhecer seus verdadeiros parentes. Com sua busca incansável e o apoio de organismos estatais, judiciais e da sociedade, as Avós conseguiram restituir a identidade de 128 desses netos. O mais recente foi anunciado sexta-feira, dia 3, na sede da organização de direitos humanos, em Buenos Aires. Trata-se de Marcos Eduardo Ramos, filho da militante desaparecida Rosário del Carmen Ramos. Marcos foi sequestrado em novembro de 1976, pouco antes de completar cinco meses, em San Miguel de Tucumán, capital da província de Tucumán, no norte da Argentina.
Marcos nasceu em 9 de junho de 1976 e em novembro daquele ano sua mãe, ele e seu irmão Ismael foram sequestrados durante uma operação ilegal das forças de segurança. Os meninos foram levados para uma casa na localidade de Tafi Viejo. Ismael conseguiu escapar, mas o bebê ficou em poder de seus captores. Desde então, Ismael não tinha voltado a ver ser irmão.
“Obrigado às Mães e às Avós, que fizeram algo tão impressionante. Desculpem, estou muito emocionado", disse Ismael em entrevista coletiva ao lado da presidenta das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto. O outro irmão de Marcos, Camilo, tomou então a palavra na outra ponta da mesa. “Para mim, é a restituição do amor não vivido há 42 anos”, afirmou Camilo. Ele contou que os três já se reuniram e se abraçaram, em um reencontro que ainda não é capaz de descrever.
“Somos pouquinhas Avós”
A restituição “é saber que a vela da esperança ainda está acesa e a luta continua”, acrescentou Camilo, em referência à busca dos netos que ainda não foram encontrados. “Como veem, somos pouquinhas Avós aqui, somos quatro. As demais já não estão, ou estão doentes. Mas, com nossa equipe incansável de jovens que nos ajudam a seguir caminhando, enquanto tivermos vida, continuaremos procurando as centenas de netos que ainda faltam”, afirmou De Carlotto, rodeada por vários netos recuperados.
Marcos foi localizado graças a uma denúncia feita em 2013 no fundo permanente de recompensas do Ministério de Justiça e Direitos humanos da Argentina. Na denúncia, foram fornecidas informações sobre um homem que poderia ser filho de desaparecidos e foi apropriado por uma pessoa acusada de crimes contra a humanidade na província de Tucumán. Os dados foram entregues à unidade especializada em casos de apropriação de crianças durante o terrorismo de Estado, e um tribunal ordenou a realização de um exame de DNA no Banco Nacional de Dados Genéticos, ao qual Marcos compareceu voluntariamente. O resultado permitiu conhecer sua verdadeira identidade.
Marcos é o segundo neto restituído na província de Tucumán, onde foram descobertas valas comuns nas quais foram identificados mais de cem desaparecidos. “O caso de Marcos deveria contribuir para acabar com o negacionismo, a justificação e o esquecimento que persistem em parte da sociedade”, assinalaram as Avós no comunicado lido por De Carlotto. “Nossos netos e netas podem estar em qualquer lugar. Qualquer informação, por mais insignificante que possa parecer, pode ser a peça que falta para encontrar algum deles”, ressaltou.