Em menos de dois meses, violência armada matou mais de 1.800 pessoas no país.
Último caso aconteceu em escola de Parkland, na Flórida, e matou mais do que Columbine
O tiroteio desta quarta-feira em uma escola de ensino médio em Parkland, na Flórida, que matou pelo menos 17 pessoas, é o exemplo mais recente de uma série de números horripilantes. As estatísticas são um duro golpe de realismo por trás da epidemia de violência armada que sacode os Estados Unidos sem trégua.
Desde o começo de 2018, 1.816 pessoas morreram nos EUA devido à violência armada, de acordo com os dados mais recentes da organização Gun Violence Archive. Isso equivale a uma média de 40 mortes por dia.
Em apenas seis semanas, 3.125 pessoas foram feridas por tiros. Houve 30 tiroteios em massa, que recebem essa classificação quando há pelo menos quatro mortos. A organização não inclui pessoas mortas por suicídio em suas estatísticas. Dentro desses parâmetros, a entidade estima que 15.590 pessoas morreram por armas de fogo em 2017 no território da maior potência mundial. No Brasil, um dos países mais violentos do mundo, 44.861 pessoas morreram vítimas de armas de fogo em 2014, últimos dados disponíveis, ou 123 por dia.
A avalanche de mortes por violência armada faz dos Estados Unidos uma anomalia no mundo desenvolvido. Não há um número exato de quantas armas de fogo estão nas mãos de civis no país, mas a estimativa é de que existam cerca de nove armas para cada 10 cidadãos. É a maior proporção do planeta. Segundo cálculos do Serviço de Pesquisa do Congresso, com base em um estudo de 2012, havia cerca de 310 milhões de armas em 2009. O país tem 321 milhões de habitantes.
A Constituição norte-americana ampara o uso das armas de fogo, que muitos consideram parte do DNA nacional. Seus defensores receiam qualquer mudança que dificulte sua comercialização, num sentimento que combina o medo do intervencionismo governamental e a crença de que as armas são necessárias para a defesa pessoal. O presidente Donald Trump e os republicanos apoiam essa posição. Cada matança acentua a discrepância em relação ao grupo que opina o contrário: que para conter a epidemia de violência é preciso limitar o acesso a pistolas e rifles.
O ritual se repete após cada massacre dos últimos anos. Inicialmente, impulsionado sobretudo por políticos democratas e organizações sociais, reabre-se o debate sobre um maior controle das armas de fogo. Mas rapidamente o debate perde força por causa da falta de consenso entre os legisladores, pois existe uma forte rejeição ao controle por parte de muitos políticos conservadores e do poderoso lobby da Associação Nacional do Rifle(NRA, na sigla em inglês).
A última mudança legal significativa em nível nacional foi em 2007, quando se ampliou a proibição da venda a pessoas com transtornos mentais e a delinquentes. As maiores restrições dos últimos anos foram impostas individualmente por alguns Estados.
Em um primeiro momento, a morte de 20 crianças e seis adultos numa escola de Connecticut, em 2012, parecia ser um ponto de inflexão. O então presidente Barack Obama, do Partido Democrata, propôs ampliar o controle de antecedentes policiais, proibir os rifles de assalto e limitar o volume de munição que podia ser vendida a cada pessoa. Mas não obteve os votos suficientes no Congresso.
Também a morte de 49 pessoas numa discoteca de Orlando, em 2016 – até então o pior massacre armado nos EUA – serviu para mudar o panorama. Naquela ocasião, quem empunhava um rifle semiautomático era um simpatizante jihadista. Ressurgiu o debate sobre a proibição da venda desses fuzis, que havia sido revogada em 2004, mas, superada a comoção, o impulso reformista se atenuou.
E tampouco a morte de 58 pessoas em outubro passado em Las Vegas, na pior chacina da história do país, alterou suficientemente as consciências dos legisladores nacionais. Um homem abriu fogo da janela de seu hotel contra o público de um festival de música country. Tinha 20 armas e modificara algumas delas para que os rifles semiautomáticos disparassem com a potência de um automático. Nos dias posteriores à matança, a cúpula republicana do Congresso e inclusive a NRA apoiaram que fosse dificultada a venda do artefato utilizado para modificar os rifles, mas o debate perdeu fôlego desde então.