Na zona rural de Berilo, cidadezinha no Vale do Jequitinhonha, uma comunidade de artesãs que depende do algodão para produzir suas peças na tecelagem manual amarga o deserto de vendas durante a pandemia. A falta de algodão no mercado tem piorado um contexto que já era de desalento. “Antes era desanimador, mas agora piorou muito”, reclama Selma Gomes. Integrante da Associação de Produtores e Artesãs de Roça Grande, ela teve a renda comprometida devido à falta de feiras e eventos, principais ocasiões de venda de seus produtos artesanais. O receio é que as poucas artesãs que ainda praticam a arte aprendida com antepassados desistam de vez.


Não se trata de um problema restrito às colchas e redes feitas por Selma e suas colegas de ofício. O segmento têxtil e de vestuário passa por momento difícil, fruto do impacto da pandemia no setor. Nessa verdadeira colcha de retalhos entra a falta de insumos, como o algodão, provocada pela retração da indústria, que ficou com receio de produzir e não vender durante o avançar do coronavírus. Com menor produção e a influência da subida da moeda norte-americana, alguns produtos tiveram aumento acima da média, o que causou desequilíbrio no setor. A queda no consumo motivada pelo isolamento social e pela falta de eventos, como festas e casamentos, ajuda a alinhavar essa costura. O resultado: cerca de 30% das confecções brasileiras baixaram as portas para sempre.

Colheita

A safra 2019/2020 de algodão ainda não foi finalizada, mas a expectativa é de redução da ordem de 9,3% em todo o Estado de Minas Gerais. Só as exportações caíram 49% durante a pandemia, segundo dados da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa). A estimativa é que o ano feche com queda de 19,5% na produção têxtil, conforme a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

Outra fibra natural que anda sumida é a viscose. Junto do algodão, o tecido acabou sendo preferido nos tempos de pandemia, e as exportações cresceram. Clientes de todo o mundo perceberam que roupas nesses materiais deixavam a rotina de trabalho remoto mais confortável, pois as roupas são mais leves para ficar em casa, e a demanda cresceu, conforme explica Rogério Vasconcellos, vice-presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário do Estado de Minas Gerais (Sindivest-MG). Isso sem falar no interesse de empresários em privilegiar compradores estrangeiros. “Ficou mais atrativo exportar do que abastecer o mercado interno”, complementa.

Com o receio de fazer grandes produções sem a certeza de vender, as indústrias brasileiras retrocederam na sua capacidade de produção, causando uma posterior baixa nos estoques do varejo. Como o realinhamento da produção têxtil é uma operação complexa, que leva meses, os empresários do ramo calculam que a normalidade só será alcançada pelo setor nos próximos meses. “O índice de queda na produção assustou muito e chegou a 70%”, contabiliza Vasconcellos.

Fornecedores 

Para não ser tão impactado pelas oscilações do mercado, o lojista acaba tendo que se equilibrar para não cair do salto. Foi assim com a empresária Sheila Mayrink, que possui três lojas de moda íntima na capital. Quando percebeu a falta geral de itens como renda e colchetes, acompanhada do aumento de 20% nos insumos, ela preferiu antecipar suas compras até mesmo para dar conta das encomendas de Black Friday e Natal. “Vários fornecedores não estão dando conta da produção, e há falta de mão de obra também. Isso tem gerado um frenesi de antecipação de compras”, revela a proprietária da loja Sheila Momentos.

Presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem no Estado de Minas Gerais (SIFT-MG), Rogerio Mascarenhas explica que a retomada da atividade industrial chinesa deve ajudar a colocar os ânimos da moda e vestuário em seu devido lugar. “À medida que a produção for retomando os patamares normais, a demanda vai se ajustar com a oferta”, prevê.

Barro Preto 

Termômetro importante quando o assunto é mercado de vestuário, o Barro Preto, bairro da região Centro-Sul da capital mineira considerado polo do setor, anda um tanto fora de moda. No emaranhado de imóveis antes ocupados por lojas que vendiam roupas de todo tipo antes da pandemia, a região agora vivencia uma renovação que certamente vai redesenhar a oferta do varejo e atacado. A crise pegou os empresários de calças curtas: provocou o fechamento de aproximadamente 40% das lojas e derrubou o faturamento em 60%, segundo avalia Marco Polo, diretor da Associação Comercial do Barro Preto (Ascobap). 

Também diretor do Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuário e Armarinhos de Belo Horizonte (Sincateva-BH), ele explica que a calamidade causada pela pandemia desdobrou-se em demissões e prejuízo, mas também provocou reflexões sobre necessidades de mudanças. Se na moda festa a queda nas vendas chegou a 90%, o setor atacadista tende a crescer, conforme sua percepção. O motivo? “Quem tinha tecido em estoque foi favorecido na pronta-entrega, pois as encomendas de compras de tecido serão entregues somente no ano que vem”, diz. Nesse jogo de quem perde e quem ganha, ele não tem dúvidas de que o comércio de confecção vai se reinventar no pós-Covid. “As pessoas estão repensando o consumo, é muita mudança. Estamos no meio de um turbilhão”, avalia.

Antes que o turbilhão o engolisse, o empresário Richard Cambraia decidiu implementar uma mudança brusca no seu negócio de 30 anos no Barro Preto. A loja de moda festa Vida Nua chegou a vender mil vestidos longos por mês, mas o vírus derreteu as vendas, que caíram 90%. Ou ele tomava uma atitude ou ficaria com um estoque de vestidos encalhados, sem nada a festejar. 

“Diminuí o espaço de vestidos e comecei a vender ‘modinha’”, diz. “Modinha” é o termo que os lojistas usam para se referir a roupas mais casuais – e baratas. Quando ele entendeu que os clientes estavam optando mais por comprar roupas leves e confortáveis para passar o isolamento social em casa, foi a deixa para adaptar seu empreendimento.


Com tanto tempo de Barro Preto, Cambraia acaba tendo uma visão mais branda sobre o fechamento de tantas lojas na região. “Várias fecharam porque os aluguéis não abaixaram, mas agora está chegando uma turma nova, até pessoas que tinham lojas no interior e estão vindo para capital”, diz. 
Após renovar sua loja, ele mesmo já colhe lucros e comemora um fluxo de retomada, ainda que tímido. “Há pessoas que veem oportunidades mesmo na crise. Quem vai vencer não é o mais forte e nem o mais rápido, é quem se adaptar melhor”, filosofa.

Juruaia 

Considerada a capital da lingerie, a pequena Juruaia, no sudoeste mineiro, é ponto fora da curva da crise generalizada que afeta o mercado têxtil e vestuário. Enquanto a quebradeira, o encalhe e as demissões estressaram a maioria dos empresários e lojistas do setor, na cidade de apenas 10 mil habitantes a pandemia causou um incrível efeito contrário. Há 20 anos Juruaia não vendia tanta roupa íntima como agora.
“Em setembro batemos nosso recorde histórico de pedidos”, diz José Antônio da Silva, presidente da Associação Comercial e Industrial do município (Aciju). O aumento de vendas registrado em setembro foi de 140% na comparação com o mesmo mês do ano anterior.

São tantas vendas de cuecas, calcinhas, sutiãs e pijamas que 2020 nem acabou e as fábricas de Juruaia já bateram o total de vendas do ano passado. Não só bateram, como passaram em 27%, e a Aciju ousadamente estima que esse índice de aumento nos negócios chegue a 50%. Várias marcas estão com toda a produção do resto do ano já vendida. “Estamos na contramão de outros centros industriais”, celebra o representante local.