Quando começaram a circular notícias sobre o coronavírus, em janeiro de 2020, muitos brasileiros estavam viajando de férias ou já percorriam o mundo havia meses ou até anos. Com poucas informações e um medo crescente, tiveram de decidir pelo retorno ao Brasil ou pela permanência na estrada.
 
Em meio a voos de repatriação, alguns avaliaram, ao compararem os dados de onde estavam com os do país natal, que valia a pena continuarem suas viagens. O casal Priscilla Bittencourt, 34, e Henrique Almeida, 36, estava na Índia em dezembro de 2019 quando surgiram os primeiros casos na China. Como achavam que seria algo pontual, seguiram o roteiro. Foram à Tailândia no fim de fevereiro e chegaram ao Camboja no início de março -a OMS declarou que a situação era uma pandemia no dia 11 daquele mês.

A primeira parada no Camboja foi em Siem Reap (a 318 km da capital Phnom Pehn), um dos principais pontos turísticos nacionais devido a seu complexo de templos. "Foi uma visita diferente, porque costuma ser muito cheio, com muitos turistas chineses. Tinha preço promocional, e já era possível sentir os efeitos da pandemia", relembra Henrique. O baque veio quando chegaram à capital. "As pessoas estavam usando máscara e ficavam encarando, com olhar desconfiado, porque éramos estrangeiros."

Como estavam na estrada desde maio de 2018, os empreendedores já planejavam visitar a família e os amigos no Brasil em agosto do ano passado e compraram passagens de ida e volta -no fim, a empresa aérea cancelou os tíquetes. Surgiu também a oportunidade de regressarem em um voo organizado pela embaixada brasileira na Tailândia. Entretanto, apostando que a crise sanitária diminuiria no segundo semestre e que eles poderiam retomar a viagem pelo Sudeste Asiático, o casal optou por ficar.

Lá, encontraram outros brasileiros, com quem ficaram até junho isolados em uma ilha. Depois, passaram seis meses no continente e desde dezembro estão viajando por ilhas cambojanas. Agora, após um ano no país, os dois foram para os Estados Unidos.

Na estrada desde fevereiro de 2019, os viajantes Larissa Chilanti, 30, e Charles Marsillac, 32, também estavam na Ásia quando o coronavírus tomou o noticiário. Enquanto a professora de ioga cogitou continuar na Índia, o designer e editor de vídeos preferiu cruzar as fronteiras antes de tudo piorar.

"Fiquei preocupado, achava que poderia ser um país mais problemático, pela falta de higiene e cuidados básicos." Entre os destinos avaliados, optaram pela Tailândia, devido ao sistema de saúde do país.


Eles acompanhavam as notícias do Brasil e, ao comparar com os baixos índices de mortes e casos na Tailândia, tinham dúvidas sobre regressar. Mesmo assim, seguiam em contato com a embaixada brasileira sobre voos de repatriação. As primeiras informações eram as de que o retorno custaria R$ 10 mil por pessoa, o que representava grande parte da poupança deles. Quando surgiu a possibilidade de um voo gratuito, o casal já havia desistido de voltar. O visto tailandês, originalmente de três meses, foi estendido para seis. Posteriormente, o prazo aumentou, mas Larissa e Charles já tinham se organizado para mudar de país e foram para a Turquia. De lá, como as opções eram poucas, seguiram para a Inglaterra.

Em Londres, tentaram se manter como cuidadores de casa e de animais cujos donos estão fora da cidade. Em janeiro, as fronteiras britânicas foram fechadas na tentativa de conter a propagação do vírus, o que frustrou os planos de viagens dos moradores. O casal ficou sem opções para seguir no país e voltou ao Brasil em fevereiro. "A gente foi muito privilegiado de continuar viajando nesse período", diz Larissa.

Rafael Dallacqua, 34, voltou ao país em maio de 2020, após dois anos de viagem. Ele estava na Arábia Saudita havia um mês quando foi um lockdown foi decretado, no início de março.
Segundo o anúncio inicial, os aeroportos ficariam fechados por 15 dias. O economista, então, decidiu esperar esse prazo para cruzar por terra para os Emirados Árabes Unidos, mas as fronteiras permaneceram fechadas após as duas semanas. "Se eu soubesse que a situação seria desse jeito, nem teria esperado, teria tentado sair às pressas, comprado uma passagem para qualquer outro país que não tivesse decretado lockdown ou voltado para o Brasil."


Após regressar em um voo com brasileiros que estavam no Oriente Médio, ele ainda tinha esperanças de que a situação melhoraria em alguns meses e que poderia retomar a viagem pelo mundo. O cenário seguiu o mesmo, e ele desistiu, já que é "uma viagem com menos contato com as pessoas e várias restrições".

A pandemia também pegou de surpresa a jornalista Marina Pedroso, 28, que começava sua viagem pela África quando a crise sanitária estourou. Ela chegou à África do Sul em dezembro de 2019 e, após visitar Moçambique, fez na Tanzânia um safári e uma expedição ao monte Kilimanjaro que durou três semanas.

Nos passeios, acabou se desconectando, já que seu celular ficou fora de serviço todo esse tempo. O baque veio quando conseguiu sinal. "Austrália pegando fogo, praga de gafanhoto na África, nevasca na Europa e esse tal de vírus." No hostel, fez amizade com uma chinesa, e a convivência com ela mostrou a gravidade da pandemia. "O voo dela para voltar tinha sido cancelado, e nenhum outro país estava querendo dar visto. Ela estava presa na Tanzânia -e nem tinha estado na China nos últimos meses."


No fim de fevereiro do ano passado, Marina foi para o Quênia, e cerca de 20 dias depois houve o aviso do primeiro caso de coronavírus no país. Como estava envolvida em um projeto social e aguardava doações do Brasil, ela não conseguiu cruzar a fronteira antes da imposição de um lockdown. Por sorte, um indiano que conhecera estava retido em seu país natal e emprestou seu apartamento no litoral.

Enquanto as passagens aéreas para o Brasil custavam cerca de R$ 20 mil, o visto queniano, de 20 dias, foi sendo prorrogado. No total, ficou nove meses no país. Ao comparar os números da Covid da África e do Brasil, avaliou que foi mais seguro ficar por lá. Sem perspectivas de repatriação, foi para a Etiópia. Um dia após comprar a passagem, o primeiro-ministro Abiy Ahmed ordenou um bombardeio sobre a província do Tigré, na fronteira com a Eritreia. Um mês depois, Marina seguiu para o Egito, onde está desde dezembro.

A brasileira já entendeu que, para continuar na estrada, precisa adaptar seus planos -ou desapegar deles por completo. "Não tem como ficar viajando, tem que saber as políticas de cada país, o nível de abertura."

Apesar de continuar a viagem, Marina também enfrentou luto, indiretamente ligado à Covid-19. Ela iria se encontrar com uma amiga que fizera na estrada, a também brasileira Rachel Varoto, que não apareceu. Quando se falaram, descobriu que a conhecida não estava bem. Dias depois, soube da morte de Raquel.

Ela estava com malária, mas os médicos achavam que era Covid e ficaram receosos de atender a viajante.

"Tive o privilégio de passar dois meses perto do mar. Ao mesmo tempo, não quer dizer que seja fácil, quem continua viajando não está desrespeitando as medidas. Há protocolos a seguir, teste PCR, quarentenas."