Depois de quase uma década desde o último grande ciclo de investimentos no mundo, o etanol voltou a ganhar destaque na agenda mundial de fontes renováveis de energia e pode ganhar novo impulso. A demanda pelo combustível tende a crescer a partir de 2020, quando a China adicionará 10% de álcool à gasolina. O governo chinês quer reforçar sua luta contra a poluição e, ao mesmo tempo, escoar parte de seu gigantesco estoque de excedentes de milho para a produção do combustível.
Além disso, os Estados Unidos decidiram ampliar o uso do etanol na gasolina de 10% para 15%. Já o Canadá estuda criar um programa semelhante ao brasileiro Renova Bio, que estimula a matriz energética renovável.
A aproximação entre o Brasil e os EUA prometida pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, também favorece o etanol. Uma década atrás, o combustível era um dos principais pontos de interesse comum entre os dois países, praticamente os únicos produtores. Havia um projeto dividido pelas duas nações de transformar o álcool numa commodity, um produto com cotação internacional baseada em oferta e demanda, como acontece com os derivados de petróleo. Os dois países também firmaram convênios para ampliar o universo de fornecedores, financiando pesquisa e produção na África e no Caribe.
Demanda ambiental
Os planos, porém, não deram certo. As multinacionais reduziram o apetite pelas usinas de açúcar e álcool, e o ciclo de investimentos no Brasil, realizados no período de 2003 a 2010, de cerca de US$ 15 bilhões, não se repetiu. Essa frustração foi causada pela descoberta de petróleo na camada pré-sal, pela revisão de prioridades na política externa americana e pelo congelamento de preços da gasolina no governo Dilma Rousseff, que fez o álcool combustível perder competitividade.
O etanol não virou uma mercadoria internacional porque só há dois grandes produtores, que também são os dois únicos grandes consumidores: Brasil e EUA. Mas isso pode mudar com a entrada de China e outros países nesse mercado. Para o Itamaraty, ainda não está claro o impacto que o aumento da mistura de etanol na gasolina pela China e sua ainda crescente frota terá nas exportações brasileiras para aquele país. No campo da aliança diplomática, no entanto, efeitos positivos da decisão chinesa são esperados: a bioenergia está ganhando espaço nos fóruns internacionais, e o Brasil é um dos países mais citados.
Segundo a Agência Internacional de Energia, o Brasil é o país com matriz energética menos poluente do mundo e com a maior participação de renováveis entre os grandes consumidores globais. A previsão é que fontes renováveis saltem de 43% para 45% do consumo de energia do país até 2023, com destaque para as áreas de transporte e indústria.
“O fato de os países pensarem em aumentar a mistura nos combustíveis, como parte da agenda de redução de emissões de gases de efeito estufa, abre uma perspectiva em termos de demanda”, diz a presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Elizabeth Farina, que ressalta a necessidade de o Brasil investir também em outros tipos de biocombustíveis. “Faz tempo que o setor não investe em expansão de capacidade. O etanol representa 80% da produção de biocombustíveis”.
Elizabeth Farina lembra que alguns países foram desestimulados a prosseguir com investimentos em biocombustíveis por causa da controvérsia internacional sobre o uso de soja, milho e cana-de-açúcar com essa finalidade, e não para alimentar a população. Há dez anos, alguns especialistas chegaram a afirmar que o Brasil e os Estados Unidos, ao aumentarem o cultivo de produtos para os biocombustíveis, estavam contribuindo para a inflação mundial do preço dos alimentos.
A celeuma foi superada, e um grupo de 20 países, que inclui Brasil, EUA, China, Reino Unido e França, deve apresentar na Conferência da ONU para o Meio Ambiente, a COP-24, iniciada ontem na Polônia, um documento em defesa da expansão dos investimentos em bioenergia, voltada para a produção de combustíveis.
Fonte: O Globo – 3/12