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“O Tiradentes: Uma Biografia de Joaquim José da Silva Xavier”, de Lucas Figueiredo, é retrato vigoroso do rebelde mineiro

Sobre Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), o Tiradentes, repousam várias histórias e afirmações: líder da Inconfidência Mineira, herói, mártir, louco e até traidor.

Diante disso, era difícil saber quem, de fato, foi o homem que mobilizou esforços para lutar contra o jugo da Coroa portuguesa no século XVIII, e pagou sozinho um preço alto por isso, enquanto outros conjuradores foram poupados da sentença de morte. Depois de cinco anos dedicados a um projeto que desse contornos verossímeis a esse importante personagem da história brasileira, o jornalista e escritor mineiro Lucas Figueiredo lança “O Tiradentes, uma Biografia de José Joaquim da Silva Xavier” (Companhia das Letras).

Figueiredo deixa claro que o papel de líder foi atribuído a Tiradentes para fazer dele o bode expiatório da Inconfidência Mineira. Submetido a torturas e à doutrinação religiosa durante os três anos de prisão, ele acabou assumindo para si a culpa pela insurgência. Pesou sobre ele o fato de não ter se poupado de expor suas opiniões em público, diferentemente do que fizeram os outros rebeldes, como Claudio Manoel da Costa (1729-1789).

Costa, inclusive, o acusou de louco e fanático. “Tiradentes não fazia parte do grupo de formulação política, mas, sim, do grupo da ação. Foi o principal recrutador da conjuração, conseguindo muitas adesões para as trincheiras rebeldes, sobretudo colegas de regimento”, diz Figueiredo.

Apesar de não fazer parte do grupo que pensava o movimento, Tiradentes seguia a cartilha deste, mantendo consigo uma cópia da Constituição dos Estados Unidos, que serviu de inspiração para os insurgentes de Vila Rica (atual Ouro Preto), cuja população na época era maior do que a de Nova York (graças à corrida do ouro).

Grande conhecedor das estradas que ligavam Minas ao Rio, Tiradentes, conta Figueiredo, tinha visão estratégica. “Ele também cuidava da logística militar e fazia a ligação entre os rebeldes de Minas e do Rio. Caso a conjuração tivesse sido levada adiante, é bem provável que houvesse uma guerra, pois a Coroa Portuguesa não aceitaria perder seu território mais rico sem lutar. Portanto, Tiradentes teve uma posição central no movimento, pois era o homem da guerra”.

Para reconstituir a vida de Tiradentes, Figueiredo revisitou documentos encontrados no Brasil, em Portugal, Estados Unidos e França. O que compara a um “trabalho de arqueologia”. “Em relação a algumas passagens de sua vida, há pouca ou nenhuma informação. Por exemplo: os únicos traços físicos que sabemos de Tiradentes, comprovados por documentos, são que ele tinha a pele clara e que, por volta dos 40 anos, já tinha os cabelos brancos. Portanto, a figura mais conhecida de Tiradentes, de barbas longas e com semblante parecido com o de Jesus Cristo, é uma fantasia”, diz o autor.

Carreira. Antes de aderir ao movimento separatista, Tiradentes teve carreira militar. No regimento de Cavalaria de Minas, serviu por 14 anos, e, à mando da Coroa, combateu bandidos e sonegadores, sendo reconhecido como “oficial exemplar”. Mas, à medida que viu a corrupção na administração colonial e percebeu que a repressão que ela encarnava era injusta, voltou-se contra a monarquia portuguesa e mudou de lado. “Quando essa transformação pessoal acaba, ele se torna o arauto de um projeto revolucionário radical para a época”, relata Figueiredo.

Além do trabalho como militar e da atuação como dentista prático – o que lhe rendeu o apelido – Tiradentes foi mascate, fazendeiro, minerador, protético e médico prático. “Ele ainda tentou ser homem de negócios. Tiradentes tinha muitos projetos na área de infraestrutura no Rio de Janeiro, como canalização de água potável na periferia da cidade para venda no chafariz da Carioca; transporte de passageiros e cargas na baía de Guanabara e estabelecimento de armazéns no porto do Valongo e moinhos”, diz o autor.

“Sua figura é o reflexo de uma nação”

Esquecido durante meio século, o alferes foi reabilitado pelo movimento republicano no século XIX e ganhou natureza política polimórfica, sendo usado como símbolo tanto pela Polícia Militar de Minas quanto por grupos da esquerda armada durante a ditadura militar. “É sempre assim: toda vez que nos vemos em uma sinuca de bico, sejamos de direita, de centro ou de esquerda, recorremos a Tiradentes para tentar explicar o Brasil e os brasileiros. De certa forma, sua figura complexa é o reflexo de uma nação difícil de ser explicada”, afirma o biógrafo. (Com agência)