Pesquisas mostram ainda que uma em cada cinco acha a relação entediante, expondo um drama que resiste ao passar dos anos e às mudanças

“Eu vivi uma vida inteira sem conseguir me entregar por medo de os parceiros que já tive me censurarem pelas estrias, pela flacidez e pelas celulites que tenho”, conta Tatiane*, de Montes Claros. Essa autossabotagem é uma forma de repressão sexual feminina, que, atualmente, tem feito com que pelo menos metade das mulheres se sinta insatisfeita sexualmente.

O sexo ligado à culpa, os desejos reprimidos e os tabus que ainda sobrevivem na sociedade são fatores psicológicos e culturais que podem desencadear o problema. Essa repressão, explica a psicóloga, psicanalista e sexóloga Sônia Eustáquia Fonseca, é um mecanismo por meio do qual a pessoa expulsa de sua consciência sentimentos e desejos que acredita serem inadmissíveis.

Sônia diz que, mesmo após importantes conquistas, como a saída da mulher de casa para o mercado de trabalho e a pílula anticoncepcional, a sexualidade ainda é vista como uma coisa ligada somente aos órgãos genitais, e não como algo inerente ao ser humano. “A mulher se enxerga emancipada, percebe que conseguiu todo esse empoderamento, mas, de alguma maneira, o inconsciente faz com que ela tire o sexo da cabeça. Algumas chegam a se odiar”, relata.

Pesquisa realizada pelo site Healthista, em parceria com a empresa de produtos para estimular a libido feminina Lady Prelox mostrou que uma em cada cinco mulheres classifica a relação com o parceiro como “entediante”, 34% delas traem os companheiros, e quase 50% confessam fantasiar com outras pessoas durante o sexo com seus namorados ou maridos.

Nos consultórios, as queixas mais comuns passam por insatisfação sexual, falta de orgasmo, ausência de desejo e outras disfunções, bem como a falta de dedicação dos homens nas “preliminares”. “É impressionante. Nós podemos considerar que 50% das mulheres ainda não conseguem o orgasmo com frequência”, diz a psicóloga.

De acordo com pesquisa do Projeto da Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), um terço das mulheres não consegue chegar ao clímax da relação. Enquanto isso, ao menos 35% não têm sequer o desejo de realizar o ato.

Uma outra pesquisa, Mosaico 2.0, coordenada pela psiquiatra Carmita Abdo, do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do IPq, mostrou que 55,6% delas têm dificuldade para atingir o orgasmo, 59,7% têm dor na relação sexual e 67,6% apresentam dificuldade de ter interesse por sexo e excitação sexual.

Elas também relataram que essas dificuldades sexuais trazem consequências negativas em relação ao amor-próprio e à autoestima (25,9%) e no relacionamento com o parceiro (21,8%). O estudo ouviu 3.000 participantes, de 18 a 70 anos, em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador, Belém, Porto Alegre e Distrito Federal.

Quebrando tabus. A coach de relacionamentos Glauciane Lourenço Freitas diz que, em seus 26 anos como terapeuta e 19 anos como palestrante, percebeu que “diversas pessoas são tolhidas a vida inteira por terem uma criação autoritária e fechada em relação ao sexo”. “Vivemos em um país de predominância religiosa, onde o sexo é tratado como meio de reprodução, como algo sujo, pornográfico e impróprio”, diz.

Para resolver esse problema, Glauciane acredita que a mudança deve passar pela educação. “As escolas deveriam introduzir aulas com o tema afetivo sexual aos alunos, os pais também deveriam receber aulas, para que tenham uma didática mais eficiente ao tratar do assunto com seus filhos”, afirma.

A coach diz que seu trabalho é desconstruir essa imagem do sexo, jogar por terra os paradigmas, dogmas, tabus e mostrar a cada mulher o sexo como algo divino. “Quantas vezes uma mulher já contou ao seu parceiro uma fantasia sexual dela? Quantas vezes sugeriu uma posição sexual diferente? Muitas se escandalizam com tais perguntas, aí vejo o quanto é necessário se despir de alguns pudores”, frisa.

Conforme Glauciane, mais de 2 milhões de mulheres já participaram de suas palestras e cursos em mais de 450 cidades do Brasil e em sete países, o que rendeu a ela a fama de “furacão da autoestima”. Depois de participar das palestras, Tatiane*, de Montes Claros, diz se sentir muito mais confiante. “Hoje vou ao clube e, mesmo com 100 kg, uso biquíni e me acho. Faço strip-tease, transo com a luz acesa, e meu marido pira”, comemora. “Você consegue melhorar sua vida sexual a partir do momento em que trabalha o principal órgão sexual, que é a sua cabeça, a sua aceitação, e passa a se ver como um mulherão de verdade”, disse Ana Lúcia Gontijo, 42, de Curvelo. Glauciane adiantou que no próximo ano vai lançar uma plataforma online com cursos para casais.

Na terapia, problema é tratado sem censuras

Em alguns casos, como se trata de algo inconsciente, a mulher não entende de imediato o que está acontecendo, o que se passa em sua cabeça, o que foi reprimido e como vai tirar isso da mente, segundo a sexóloga Sônia Eustáquia. Por isso, diz ela, precisa de ajuda profissional – às vezes urgente – para não colocar em risco o relacionamento.

“A repressão sexual feminina não tem só uma via de combate. O que indicamos é que a pessoa tenha um espaço para falar de sua sexualidade sem censura, sem medo, e esse espaço geralmente vai ser o consultório de um sexólogo, às vezes, grupos de roda de conversa”, afirma.

Segundo ela, não adianta só a “desrepressão”. “É preciso que a pessoa tenha também todo o suporte de saúde mental e física. Trabalhar isso em psicoterapia, que poderia orientar para leituras ou mesmo outros grupos e rodas de conversa que versassem sobre isso. Hoje a informação chega muito rápido a nossas mãos, mas chega errada também. Por isso, no trabalho individualizado e sistemático, como é na terapia, a mulher pode se beneficiar muito e melhorar todos os aspectos da sua vida bio, psico, social, cultural e sexual”, diz Sônia.