Ao pensar o mundo de hoje, alguém disse sobre a condição dos solteiros: “Mulheres buscam homens que não existem. E homens buscam mulheres que não existem mais”. Esse impasse é discutido no documentário espanhol “Singled Out”, que propõe uma viagem ao coração de uma mulher solteira na era do amor moderno. As documentaristas descobriram testemunhos reais que revelaram preconceitos escondidos. 
 
Em Singled (Out) , Mariona Guiu e Ariadna Relea contam a história de cinco mulheres em quatro cidades do mundo. Manu tem 40 anos e é de Barcelona; Jules, que vive em Melbourne e tem 30; Melek, de Istambul, tem 28; e duas habitantes de Xangai, Yang, de 35, e Shu, de 34. Todas unidas por um padrão dado por Ariana. “Isso acontece sobretudo com mulheres de cidades, não importa o país, que tiveram acesso a uma educação superior e que são independentes. E é algo que está acontecendo e que cresce.” A questão da solteirice se apresenta como se a estabilidade de um casal fosse passaporte para o êxito social.

Renata Guedes, fundadora da agência Single Trips, especializada em solteiros viajantes, abriu a empresa quando terminou um relacionamento duradouro. Ela se sentiu só, sem amizades, sem energia e com baixa autoestima. Percebeu que poderia fazer algo para as pessoas, que, como ela, não tinham perspectiva para curtir a vida sozinha. Assim, ela decidiu que não seria alguém que desistiria de viver um sonho por estar solteira e foi buscar em grupos de viagem a companhia que faltava. 

A empresa nasceu em 2015, com o propósito de “não deixe de ser feliz por não ter companhia”. “Os principais desafios dos solteiros para viajarem sozinhos é superar o “estereótipo negativo” que a sociedade criou. Muitos ainda acreditam que precisam viajar com alguém conhecido e, assim, ficam meses esperando uma companhia, o que é perda de tempo na vida”, comenta.  

Desconhecido

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Renata Guedes fundou agência de viagem para solteiros após terminar um relacionamento

(foto: Single Trips/Divulgação )

“Viajar sozinho lhe dá uma independência que lhe permite viajar mais vezes. Além disso, muitas agências tradicionais criam roteiros pensados mais para famílias e casais. Dessa maneira, ao viajar solteiro, em locais assim é difícil encontrar uma programação que lhe agrade. E, no caso das mulheres, um dos desafios é o medo do desconhecido. Sendo assim, precisam lidar com a emoção de superar esse receio e permitir se abrir para novas experiências que trarão momentos inesquecíveis.  O resultado é a transformação”, acrescenta Renata Guedes.
 
Decidi que não seria alguém que desistiria de viver um sonho por estar solteira e fui buscar em grupos de viagem a companhia que faltava. Muitas pessoas se sentem sozinhas, seja porque estão solteiras, divorciadas ou são viúvas, e tudo que encontram são viagens destinadas a casais e famílias

Renata Guedes, fundadora da agência Single Trips, especializada em solteiros viajantes

 

Além das questões sentimentais, o solteiro tem um custo de vida mais caro. Por isso, Renata Guedes enfatiza que a melhor maneira de ter custo-benefício em viagens é fazer parte de um grupo. “Por mais que esteja solteiro ou não tenha a princípio alguém para lhe acompanhar, a melhor solução é viajar com quem esteja na mesma situação. A Single Trips foi criada para atender quem quer viajar, mas não tem companhia. Assim, ao viajar com a equipe, a pessoa terá melhor custo-benefício na hospedagem e reservas nas melhores atrações sem ter que enfrentar filas. Sem dizer outros benefícios como a sensação de estar mais seguro e a diversão.” 

Ela diz que existem ainda muitas pessoas que se sentem sozinhas, seja porque estão solteiras, divorciadas ou são viúvas, e tudo que encontram são viagens destinadas a casais e famílias. “Não precisa depender de uma companhia para viajar. E não medimos esforços para conseguir experiências diferenciadas. Vou pessoalmente nos destinos e escolho cada atração, cada hotel, cada restaurante, porque acredito que como é um sonho dos singles (solteiros), tem que ser sempre o melhor e não pode faltar nada. 
 
Ao viajar, explica a turismóloga, os solteiros acabam descobrindo novas particularidades sobre si mesmos, seja uma característica mais aventureira, apreço por um prato típico ou uma curiosidade sobre a história de cada local. “Independentemente de qual for a motivação, o importante é se permitir viver essa experiência e sentir na pele cada emoção, ver com os próprios olhos. O que percebo não é o aumento de pessoas solteiras e sozinhas, e sim que essas pessoas têm percebido a autorresponsabilidade com a própria felicidade. Com o isolamento social na pandemia, as pessoas passaram a refletir sobre suas prioridades e que é preciso ir atrás dos sonhos e não esperar por alguém.” 

"Ninguém me quis"

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Para a psiquiatra Ana Paula Brasil, permanecer solteiro pode ser uma estratégia para evitar um envolvimento afetivo mais profundo, pelo medo de se machucar.

(foto: Larissa Martins/Divulgação)


A psiquiatra Ana Paula Brasil destaca que a ideia de que ser solteiro é um problema costuma aparecer depois dos 30 anos, como se a pessoa que está sem um par amoroso fosse incapaz ou tivesse algum tipo de problema e, por isso, ninguém a quis. “O peso que as mulheres sofrem é ainda maior que o público masculino, possivelmente fomentado por uma sociedade machista. O autoconhecimento e o desenvolvimento da autoestima podem ajudar a reduzir os estigmas impostos à população feminina.” 
 
Para Ana Paula Brasil, permanecer solteiro pode ser uma estratégia encontrada pelo indivíduo para evitar um envolvimento afetivo mais profundo, pelo medo de se machucar. “Da mesma forma, estar com alguém não significa falta de liberdade. Talvez a forma como muitos estabelecem as relações deva ser repensada, no sentido de que estar com alguém não significa estar preso.”
 
Muito se fala que é impossível ser feliz sozinho, escreveu o maestro Tom Jobim. Para a psiquiatra, depende do que seria esse ser sozinho. “Se formos pensar no sentido mais amplo, em que o ser sozinho significa evitar ou privar-se do relacionamento com outras pessoas, talvez seja difícil. Somos seres sociais. Necessitamos um do outro em certo nível. Mas se o ‘ser sozinho’ significa a ausência de um par amoroso, então acredito ser plenamente possível sermos felizes sem alguém.” 
 
E ao focar no homem solteiro e todos os adjetivos pejorativos derramados sobre eles, Ana Paula  explica que “no caso masculino, observamos que há uma certa prerrogativa de liberdade, como se fosse uma fase a ser vivida. E por que não dizer, socialmente aceita, como que necessária para que o homem aprenda a ser senhor de si e adquira independência”. Na contramão da história, percebemos que, uma vez que seria uma fase, há também uma cobrança social pelo prazo para terminar, de forma que um homem não poderia encarar a opção de ser solteiro como algo viável ou até respeitável, já que “homens responsáveis”, devem constituir família e terem uma vida estruturada, atrelada a esse conceito de “familismo”.”
 
No caso das mulheres, que levaram décadas para se tornarem independentes e terem autonomia, ainda é preciso se rebelar contra certas estruturas. “A solteirice feminina é vista como uma falta de opção ou certo egoísmo, em que as mulheres solteiras estariam buscando uma compensação para a falta de um par amoroso no trabalho ou no shopping. O fato é que ainda há estigmas e ideias preconcebidas e talvez, mesmo que essas mulheres busquem um parceiro (a) fixo(a), isso não significa que a vida delas dependa disso.”
 
Quanto ao processo de envelhecimento, a psiquiatra diz que a ideia de ser idoso vem mudando com os anos. “Anteriormente, quando se pensava na terceira idade, se você não tivesse constituído família ao longo da vida, possivelmente estaria condenado ao abandono. A ideia de ser solteiro estava vinculada à solidão, como se não houvesse espaço para amar e ser amado, ou mesmo para o estabelecimento de outros tipos de relações. O fato é que, se ao longo da vida soubermos cultivar relações, possivelmente na velhice teremos a quem recorrer, independentemente do estado civil. Ser idoso não significa termos uma vida ruim e solitária, mas possivelmente refletirá a vida que escolhemos viver desde a juventude.” 

A vida é mais cara para o solteiro?

O educador financeiro Philipe Amorim, CEO e fundador do Grupo Platinum, conta que muitas pessoas avaliam que é mais caro ser solteiro. “Obviamente, o solteiro tende a ter algumas despesas de forma recorrente e mais elevadas, comparando-se com uma pessoa casada ou que tem uma companhia, como mais gastos de lazer, saídas à noite (baladas) ou alimentação externa, além de o solteiro assumir despesas sozinho, como moradia, alimentação etc. Porém, a vida de casado pode levar a despesas que não existiam antes, como o custo da criação de um filho. Dessa forma, não avalio que o problema esteja em ser solteiro ou casado, tudo é questão de organização financeira e não de relacionamento a dois.”

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Philipe Amorim, educador financeiro

(foto: André Usagi/Divulgação )


Não avalio que o problema esteja em ser solteiro ou casado, tudo é questão de organização financeira e não de relacionamento a dois.

Philipe Amorim, educador financeiro

Para Philipe Amorim, os gastos do solteiro são submetidos apenas às próprias decisões. Isso pode fazer com que se tenha maior controle. “Mas não depende só disso, é preciso haver disciplina, planejamento e organização financeira. A grande vantagem da vida de solteiro é poder decidir sozinho os gastos, sem ter que consultar ninguém e sem precisar cobrir as necessidades financeiras de outra pessoa. É mais fácil se planejar e priorizar o que realmente importa. Os gastos são concentrados em si mesmo, e o fato de não ter responsabilidade financeira perante terceiros passa a ser uma vantagem.”
 
Mas a sociedade parece ser pensada para um casal, no mínimo. Então, o custo de vida para o solteiro pode ser mais caro. “Sim, em muitas situações o custo individual para diversos programas, principalmente relacionados a lazer, é mais caro. O jeito é se planejar e viver um padrão de vida compatível e proporcional ao orçamento. Não adianta achar que, por ser solteiro, não tem que se planejar, que pode fazer o que quiser. E, por outro lado, é importante lembrar que em muitas ocasiões, programas de lazer podem ser entre amigos e os custos proporcionais ao do casal”, alerta o educador financeiro.
 
Quanto aos custos sociais, Philipe Amorim diz que no caso de seguros de vida, por exemplo, “eles não precificam o custo do risco do cliente devido ao seu estado civil, são analisados histórico pessoal de saúde, histórico familiar de saúde, hábitos como ser fumante ou não, praticar atividades radicais, IMC, profissão etc. Mas existem, sim, outros custos que podem impactar a vida do solteiro, como seguro veicular e demais custos como viagem, alimentação, ingressos em eventos. Mas seja com muito ou pouco dinheiro, acompanhado ou só, a vida sempre será melhor quanto mais as escolhas colaborarem com os objetivos e com a realidade financeira de cada um. Planejamento financeiro é essencial para todos”.