Divulgado o Anuário de Segurança Pública – 2021, que, a exemplo de anos anteriores, nos traz interessantes informações estatísticas específicas, obtidas, apenasmente, dentro do vasto espectro das ocorrências criminais.
Sob a óptica da Policiologia, isso ocorre, possivelmente, em razão de os autores entenderem que a expressão “segurança pública” guarda sinonímia com “contenção criminal”, cuja percepção resulta em um trabalho abrangente no título e extremamente restrito no conteúd
Nesse cenário, entende-se oportuno (conveniente e necessário) manifestar e/ou ratificar nossa compreensão sobre essa temática.
Policiologicamente, “segurança” não é um produto ou uma ação, mas, sim, um ambiente onde, sob o aspecto objetivo, todas as vulnerabilidades no tecido que reveste o corpo nacional/social estão controladas e as ameaças ao organismo nacional/social estão mitigadas, além de, sob o aspecto subjetivo, haver a crença de que isso está ocorrendo, concomitantemente.
Dessa forma, é possível afirmar-se que o ambiente de segurança é uma utopia, em razão de o inopinado e o imponderável que cercam vulnerabilidades e ameaças, deduzindo-se que vivemos em um ambiente de insegurança. Aqui e em qualquer parte do mundo, porque, qualquer lugar, em que se esteja, terá sua matriz de insegurança. Trabalha-se, portanto, não para aumentar a segurança, mas, sim, para reduzir a insegurança, que tem um nível, próprio de cada lugar.
Esse nível de insegurança refere-se, especificamente, à matriz de insegurança ou, genericamente, às ameaças-tronco (exclusão social, criminalidade, desastres, desídias sociais, comoções sociais).
Referido nível de insegurança tem uma vertente objetiva, o grau de insegurança (definido pelo tratamento estatístico das ocorrências) e tem, ainda, uma vertente subjetiva, o clima de insegurança (definido pelo tratamento estatístico da crença no controle de vulnerabilidades e na mitigação de ameaças).
Assim, conhecido esse nível de insegurança e definido o patamar tolerável de insegurança, é possível saber se, em determinado local, a insegurança está aquém ou além do tolerável, além de permitir comparações entre bairros, cidades, regiões, Estados e países.
Numa primeira síntese, ainda que o Anuário se refira ao grau de insegurança criminal, tão somente, e não à Segurança Pública (fração do utópico ambiente de segurança cuja responsabilidade de instalação, se o houvesse, seria de entidades estatais), diríamos, em relação a sua edição, que “é melhor acender uma vela que maldizer a escuridão”.
Pode ser visto, minimamente, sob certas perspectivas: de organizações criminosas, ilegais e ilegítimas, que podem identificar novos nichos de atuação, identificando vulnerabilidades, que podem se transformar em oportunidades; dos profissionais da indústria da insegurança, atividade legal e legítima, que pesquisa e produz recursos materiais utilizados na minimização do nível de insegurança;
pela óptica de articulistas e de pesquisadores levianos, afetados pelo “quanto pior, melhor!”, obcecados em defender suas casamatas, onde instalam sua artilharia de pessimismo, de dúvidas, de inverdades, de descréditos, de desconfianças (de onde saem somente para fazer “palestras”).
Talvez essa postura egocêntrica se preste à locupletação de alguns, mas, certamente, estará contribuindo para aumentar a sensação de insegurança, a síndrome de violência urbana, a síndrome de próxima vítima, a ilusão de isotopia (sensação de estar no local onde eclode uma vulnerabilidade, uma ameaça ou de que, no local onde se encontra, irá eclodir fato idêntico).
E, ao final, o que poderia ser uma perspectiva dos profissionais da Defesa Social, mais particularmente dos profissionais da Salvaguarda Social (segurança pública?), ou seja, exceto os que trabalham nas Polícias Normativas, aqueles que trabalham na Polícia Ostensiva, na Polícia Judiciária, na Polícia de Socorrimento Público, na Polícia Científica e na Polícia Penal: o anuário é um ponto de partida para que autênticos pesquisadores – aqueles que pretendem oferecer efetiva contribuição para a redução da insegurança – aproveitando as informações sobre o grau de insegurança (aspecto objetivo), ali contidos, comecem a desenvolver trabalhos sobre o clima de insegurança (aspecto subjetivo), visando a se conhecer, de fato, o nível de insegurança nos locais em que essa for estudada.
Num segundo momento, isto é, após conhecido o nível, vale dizer, a verdadeira situação, o retrato fiel da insegurança, o que de fato ocorre em certo lugar, é ora de se partir para a pesquisa das razões que determinaram citado nível. Não basta conhecer “o que”, mas, fundamentalmente, o “por quê?” está acontecendo, ou seja, quais são os fatores causais, quais são as origens desse inquietante fenômeno social.
Certamente, de um lado, serão identificadas aleivosias dirigidas às Polícias brasileiras, tipo “a violência está aumentando em razão da incompetência das Polícias”. De outro, endosso a teorias policiológicas de que “a violência é menos um problema policial que um grave e complexo problema sociopolítico”. Entende-se que isso ocorre, minimamente, por duas razões: a primeira, as distopias estatais (ausência ou funcionamento anômalo de órgãos estatais, com ênfase nos que trabalham na inclusão social e, nesses, os de assistência social), daí, a provável migração da marginalização (marginalizados) para a marginalidade (marginais); a segunda, a meio-cidadania, onde indivíduos conhecem e exigem direitos, mas não cumprem os deveres, com destaque para a não obediência às regras sociais e o desrespeito aos valores sociais.
As Polícias partem da premissa de que não atuam nas causas, nem nos efeitos da violência, em geral, e da violência da criminalidade, em particular. Trabalham, sim na Causalidade, vértice para onde fluem as causas e refluem os efeitos da violência.
Finalmente, em que pese referido Anuário estar mais para estatístico do que para analítico, não deixa de ser um indicativo que nos alerta para o fato de que não temos em nosso país um documento que explore, por completo, o fenômeno da violência, bipartida em violência da exclusão social e violência da criminalidade, que, reitera-se, é a matriz de insegurança no Brasil.
Teme-se que a obra em questão, lidos seus números da forma apresentada, possa contribuir para elevação da sensação de insegurança no povo brasileiro. Por outro lado, é um primeiro passo para se conhecê-la plenamente e, daí, buscar soluções para aplacá-la.
(*) Coronel Veterano da PMMG
Foi Comandante da Região Metropolitana de BH