A vida está uma correria louca e tudo precisa ser feito rapidamente antes que o dia acabe, embora ele ainda esteja crescendo no meio da tarde. O relógio está prestes a marcar 16h quando dois amigos chegam esbaforidos a um dos velórios de um cemitério parque da cidade de Belo Horizonte. A meta era passar a última hora do velório ao lado do corpo do finado amigo, que fazia parte de um trio formado nos tempos da universidade. Mas por que os dois só chegaram em cima da hora se eram unidos por uma amizade que já registrava pouco mais de 40 anos de bom humor harmonia, cumplicidade e solidariedade, isso para citar apenas algumas características marcantes da relação entre eles?
Aconteceu que desde 2016 ficaram explícitas as divergências deles em relação a posicionamentos políticos partidários que tinham se originado 2 anos antes. O micromundo deles acabou se dividindo em dois polos totalmente crédulos e herméticos, o que fez com que da discussão de qualquer aspecto político se tornasse um grande embate. Foi nesse vai da valsa marcado pela intolerância, incapacidade de ouvir e crescente aumento do desrespeito que, no início de julho, eles resolveram dar um tempo na relação de tantos anos, na expectativa de que buscariam uma retomada do convívio após o segundo turno das eleições de outubro. Assim cada polo tomou o seu rumo e todos os contatos ficaram suspensos. O que nenhum deles pensou foi na finitude da vida. Como cada polo foi para o seu lado, quase que os dois amigos nem ficariam sabendo que o amigo do outro polo veio a óbito devido a um infarto agudo do miocárdio no dia seguinte ao primeiro turno das eleições. Ainda bem que um dos filhos do morto resolveu informá-los sobre acontecido logo após a hora do almoço…
Agora o polo formado pelos dois amigos que sobraram está cheio de reflexões, buscando melhor conhecer e compreender as causas do processo que os levou a dar um tempo na longa relação com o amigo que partiu. Só que, surpreendidos que foram, eles não querem cair no mero conformismo do “bola para frente” ou “vida que segue”. Em suas observações e análises eles estão vivenciando um verdadeiro “bola pra trás” na tentativa de identificar onde e como as falhas ocorreram e as perdas que elas geraram. Eles já sabem que perderam um amigo que jamais será substituído e imaginam que ele provavelmente partiu para o outro plano talvez um pouco magoado, sofrido com os rumos tomados pela amizade em função da intolerância mútua.
Faz parte da sabedoria contar até dez, dar um passo atrás para depois dar dois à frente. É uma questão de inteligência estratégica principalmente para quem não quer viver só e somente só, na solidão que pode deprimir e até matar, inclusive por suicídio. Como sempre, tudo depende também do nosso querer, da nossa ação e da nossa capacidade de admitir erros.