ANIMAÇÃO
 
Coincidências podem ser, às vezes, extremamente positivas para uma obra de arte. Esse é o caso da animação brasileira O Pergaminho Vermelho, prevista para ser lançada no meio do ano passado, mas que chegou neste mês à plataforma Disney+. Acontece que o longa, dirigido por Nelson Botter Jr., traz como protagonista uma menina skatista, logo em um dos momentos de maior popularidade para o esporte no Brasil, após a conquista de três medalhas de prata na Olimpíada de Tóquio, com Rayssa Leal, Kelvin Hoefler e Pedro Barros.

O projeto, contudo, se iniciou há 10 anos, originalmente pensado por Nelson Botter e Fernando Alonso para ser uma série de TV. Após acréscimo de Leo Lousada na equipe, foram anos de captação e produção para transformar a ideia em um longa-metragem, que rodou por vários festivais no ano passado. “Foi uma coincidência incrível. Podemos até falar que o timing foi perfeito. Mas não dá para dizer que foi um feliz adiamento, porque as condições que adiaram a estreia do filme são completamente trágicas”, comenta o diretor Nelson Botter Jr. ao Viver. Com o intuito de segurar o filme devido à pandemia, os realizadores foram vendo que a perspectiva de melhora não surgia e decidiram, junto à distribuidora Vitrine Filmes, procurar um canal de streaming que quisesse fazer o lançamento.

 
Outro acaso impressionante é que a protagonista Nina é uma garota de 13 anos, assim como Rayssa, a medalhista olímpica mais jovem do Brasil que conquistou o público com seu carisma. “A nossa protagonista sempre foi a Nina. E ela sempre foi assim meio molecona, sempre andou de skate e tinha uma personalidade e voz bem definidas”, explica Nelson. Segundo ele, a equipe queria fugir do padrão das princesas e retratar garotas reais. “Queríamos trazer o tipo de menina que víamos no dia a dia, e que quer ganhar voz e espaço. Meninas em geral são retratadas nas obras de animação, principalmente, de uma maneira que não condiz muito com a realidade atual”.

 
Por outro lado, a história de O Pergaminho Vermelho está longe de ser presa ao real. Com influências em contos clássicos de fantasia como Alice no País das Maravilhas, a narrativa  segue a jornada do herói com traços de aventura e comédia. Ainda que trabalhando em cima de arquétipos e estruturas universais, o longa acrescenta elementos do folclore nacional e sul-americano para que a identidade brasileira seja reconhecida independente de onde o filme for visto. Desse universo surgem personagens como o bicho-preguiça Wupa e versões repaginadas e lúdicas do Saci e do Curupira.

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Apesar das semelhanças com Rayssa Leal, a protagonista Nina foi pensada desde o começo do projeto

(Foto: Arquivo pessoal)
 
 

STREAMING


A brasilidade do filme marca também a chegada deste como o primeiro longa de animação nacional a ser lançado pela Disney. Para o diretor, a parceria foi um prêmio para a equipe, formada por mais de  120 profissionais. “É um selo de qualidade que deixa a gente muito honrado e orgulhoso. Ver esse trabalho figurando ao lado de animações clássicas e sendo reconhecido por uma vitrine tão grande quando a Disney é uma alegria imensa”, celebra.
 
O marco, contudo, é preocupante ao ressaltar que a quantidade de obras nacionais veiculadas nas plataformas de streaming ainda é extremamente baixa. Em vigor desde 2011, a Lei da TV Paga foi instituída para quebrar o oligopólio dos canais fechados e incentivar a produção nacional através de um espaço de cota para produtos (séries, filmes, programas) brasileiros. Antes irrisória, a presença do audiovisual brasileiro apresentou crescimentos impressionantes, expandindo esse debate também aos serviços de streaming.

 
Ainda sem regulamentação, as plataformas de streaming têm sido os canais de conteúdo audiovisual que mais crescem nos últimos anos. Por isso, leis de incentivo, já aplicadas na Europa, à produção nacional podem ser ferramentas de continuar desenvolvendo a indústria cinematográfica de cada país. Segundo Nelson, as associações de produtoras independentes já têm lutado por leis parecidas para os streamings. “Isso é estimular a produção daquele local onde essa plataforma está se beneficiando. Seja a plataforma que for, acho muito importante que a cultura do país esteja refletida ali, e não apenas em dois ou três filmes”, afirma Botter. “Sem essa lei para as plataformas, o futuro para o audiovisual brasileiro pode ser meio temeroso”, finaliza.
 
Confira o trailer de O Pergaminho Vermelho: https://www.youtube.com/watch?v=dvu8pLPz0hQ&t=1s