RIO DE JANEIRO, RJ, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - As elevadas distâncias e a vulnerabilidade da fauna local foram determinantes para a Petrobras receber uma negativa para perfurar a foz do rio Amazonas em busca de petróleo, tema alvo de embate político que culminou com a saída do senador amapaense Randolfe Rodrigues da Rede, partido da ministra Marina Silva (Meio Ambiente).

Embora a Petrobras tenha se proposto a mobilizar helicópteros e embarcações de apoio em casos de emergência para tentar aprovar o projeto, o tempo de resposta para eventuais desastres foi um dos argumentos usados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para a negativa.

A base de operações de onde sairiam navios em caso de vazamentos fica em Belém, no Pará, a 830 quilômetros do local do poço, em frente ao Oiapoque (AP). Segundo o parecer técnico que embasou a decisão do Ibama, seriam necessárias 43 horas para uma embarcação sair de lá e chegar ao local perfurado.
"Mesmo nas melhores condições meteoceanográficas, o plano apresenta tempos de deslocamento de equipamentos e pessoal excessivos, tornando improvável o atendimento adequado a uma ocorrência com vazamento de óleo", concordou, em seu despacho, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.

Em até dez horas, segundo cálculos da equipe do Ibama, o óleo atingiria águas fora do território brasileiro. O bloco fica na região do Amapá, próximo à Guiana Francesa.

"Em outras palavras, o plano apresentado é inferior às práticas adotadas pela própria companhia em outras regiões do litoral –o que seria um contrassenso em uma nova fronteira com ativos ambientais de alta vulnerabilidade", afirmou no despacho.

Para o teste que pretende fazer na região, a Petrobras mobilizou seis embarcações de apoio, além de quatro helicópteros, um avião e o navio-sonda que iria perfurar o poço. São cerca de R$ 3 milhões gastos por dia.

Após ter a licença negada, a companhia estatal informou que desmobilizaria os equipamentos, mas o MME (Ministério de Minas e Energia) pediu nesta sexta-feira (19) que a empresa insista na empreitada e não retire os equipamentos do local.
A empresa diz que analisa a possibilidade de pedir reconsideração da decisão e que a perfuração é apenas a fase inicial do processo, sem necessidade, portanto de uma avaliação ambiental de toda a região –como pede o Ibama.

O Relatório de Impacto Ambiental protocolado pela britânica BP, antiga operadora do bloco, e usado pelo Ibama na análise do projeto considera que os impactos previstos e os possíveis riscos da operação não apresentam restrições à concessão da licença ambiental.

O relatório elenca 13 impactos ambientais ou socioeconômicos negativos e quatro positivos, a maioria deles ligada a oportunidades de geração de emprego e renda com a atividade. Entre os negativos, oito são considerados de baixa magnitude.
Dois são considerados de média magnitude e outros dois, de alta: a possibilidade de soterramento, asfixia e contaminação de organismos por cascalho ou fluido e o incremento em 3.000% no movimento do aeroporto de Oiapoque (AP).

O grande número de impactos de baixa magnitude reflete o caráter temporário da atividade de perfuração de poço, que geralmente dura poucos meses, ao contrário da produção do petróleo, que se estende por anos.

Ainda assim, a expectativa de elevação no tráfego de embarcações para levar insumos e mantimentos à sonda de perfuração afeta a vida marinha local, com riscos de colisão ou vazamentos de combustíveis.

O relatório identifica na área de influência do empreendimento algumas espécies ameaçadas pela exploração, como o camarão rosa, o pito, a lagosta vermelha e o caranguejo-uçá. Identifica ainda 23 espécies de mamíferos marinhos, entre baleias, botos e golfinhos e duas espécies de peixes-boi.

Destas, seis estão ameaçadas de extinção no Brasil: boto cinza, boto vermelho, cachalote, peixe-boi marinho, peixe-boi amazônico e ariranha. "A diversidade de aves aquáticas na região chama atenção, são pelo menos 114 espécies", diz o relatório.

Outra preocupação do Ibama é em relação ao aumento no número de voos na região, que criariam uma nova rota rumo a nordeste, enquanto hoje o fluxo é rumo ao sul.

"Não se trata, portanto, de uma intensificação do tráfego aéreo sobre determinada área, mas do estabelecimento de uma nova rota, sem prejuízo de entender a intensificação como um impacto ambiental que deveria ser igualmente considerado", diz o parecer que fundamentou a decisão de negar a licença.

A intensificação dos voos tem impacto sobre as comunidades indígenas da região, diz Agostinho na decisão. "Tais impactos estão relacionados à operação de atividades de apoio aéreo e não foram adequadamente previstos e dimensionados no estudo de impacto ambiental, o que configura um impeditivo para sua validação."

O relatório de impacto ambiental elenca ainda os riscos de eventuais acidentes com vazamento de petróleo, tanto da unidade de perfuração quanto das embarcações que apoiarão sua operação.

São 11 tipos de riscos, os mais sensíveis relacionados a organismos do fundo do mar, peixes e a atividade pesqueira artesanal. O texto afirma que os riscos podem ser mitigados com a implantação de um plano de emergência individual, que prevê embarcações dedicadas e uso da base em Belém.

De acordo com o parecer, a diversidade e a vulnerabilidade da fauna local demandam a elaboração de um robusto plano de proteção, principalmente porque se trata de ambiente distinto daqueles onde já existe exploração de petróleo no país.

"A região abriga espécies endêmicas, ameaçadas de extinção e, muito provavelmente, espécies ainda desconhecidas ou não registradas localmente, tendo em vista o vasto ecossistema recifal recém-descoberto sob a pluma da foz do rio Amazonas", diz.