SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - De mochila e uniforme escolar, três adolescentes brancos -a menina de laço rosa na cabeça- entram sem dificuldade em condomínios de São Paulo. Não levantam suspeita, mas não são moradores dali. São infratores que furtam os apartamentos.
 
Imagens das câmeras de monitoramento de um prédio de classe média alta na Vila Andrade, zona sul da capital paulista, mostram a garota e um garoto entrando pela portaria seguindo um casal de moradores, no dia 7 de junho. O outro adolescente entra sozinho, após falar no interfone.

Eles tentam furtar o apartamento de um aposentado, que estava fora naquele momento, arrombando a porta da área de serviço. Mas, por estar em reforma, a casa não tinha bens materiais além dos móveis, que acabaram não sendo levados.


O grupo então arrombam outra porta do mesmo andar. O dono, um administrador de empresas, estava trabalhando. Quem estava lá era a trabalhadora responsável pela limpeza da casa, só que no quarto dos fundos. Ela se assustou com o barulho, mas quando chegou na cozinha viu que haviam levado seu celular e uma tesoura. Também cortaram o fio do interfone.

O caso foi registrado como furto qualificado, com autor desconhecido.

No dia seguinte, 8 de junho, eles entraram em outro condomínio, em Barueri, na Grande São Paulo. Mas acabaram reconhecidos por um policial civil enquanto estavam sentados no corredor que dá acesso aos elevadores.

Isso porque o agente se lembrou de fotos que recebeu com as características de adolescentes suspeitos de furtar o prédio na zona sul paulistana. Foi o laço rosa no cabelo da menina, o mesmo usado um dia antes, que chamou a sua atenção.

O policial perguntou aos três o que faziam ali e onde moravam, mas ficou sem resposta. Nenhum apartamento havia sido invadido, mas, com eles, foram achados uma chave de fenda, uma tesoura e uma faca.

Os três são estudantes e moram na Bela Vista, região central da capital. A garota tem 14 anos e os outros dois, 16 e 17 anos.
Na delegacia, eles confessaram que tinham a intenção de furtar os apartamentos e que um dia antes haviam de fato praticado o furto.

Os adolescentes também contaram que conseguiram uniformes de uma escola particular adventista e conceituada para dar credibilidade e acesso aos prédios. Além disso, faziam pesquisas na internet sobre o condomínio e, na portaria, informavam que eram parentes de moradores, o que garantia o acesso livre para circulação.

O delegado do 2º DP de Barueri registrou o caso como ato infracional de violação de domicílio e liberou os adolescentes após assinatura de termo pelos representantes legais.

O pai de um dos adolescentes disse à Folha que não entende porque o filho se envolveu em furtos. A família, humilde, não deixa faltar o essencial. Ele atribuiu às más companhias dos amigos a atitude.

Segundo o advogado especializado em direito penal Acacio Miranda da Silva Filho, o delegado não deveria apreender os jovens, que não estavam efetuando um furto no momento em que foram levados para a delegacia.

Mas, com o envio do termo de apreensão ao Juizado da Infância e da Adolescência, um juiz pode analisar o histórico dos outros furtos cometidos pelos adolescentes e determinar a penalidade, inclusive a mais gravde, de internação.

Há casos em que o adolescente não é imediatamente liberado, mesmo com a presença dos pais. Para isso, o delegado leva em consideração a gravidade do ato e o seu histórico.

Como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é subjetivo nesse ponto, por vezes, abre-se margem para o racismo e o classismo, diz o advogado.

"É a mesma seletividade que existe no sistema penal [com adultos]. Existe também com os adolescentes uma maior propensão a internar negros e pobres. Além de mais preconceito com determinados tipos de infração, como o tráfico de drogas, ou com menores que estão em situação de rua. É hipocrisia pensar que não existe isso", afirma Acacio Miranda.

A Folha tentou contato com os condomínios para saber porque os adolescentes conseguiram entrar no prédio tão facilmente, mas não obteve resposta até esta publicação.