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A maioria dessas pessoas trabalha como catador de material reciclável. A renda varia entre R$ 250 e R$ 400. O dinheiro vai para a compra de comida e itens básicos de higiene. Roupas, sandálias e acessórios ficam por conta de doações. Aos 19 anos, Bruna Rafaelle Duarte descreve um pouco da rotina. Casada e mãe de uma menina de 1 ano, a jovem foi despejada de uma casa, em São Sebastião, por atrasar o aluguel, que custava R$ 350. Há três anos, um barraco de lona e madeira, na 707/907 Norte, virou o abrigo da família. Na região residem, ao menos, outros 20 grupos de pessoas.
Bruna deveria ter terminado o ensino médio, mas parou os estudos no 6º ano do fundamental. “Meu trabalho é de catadora. Todo dia, saio às 7h e volto às 12h, para almoçar. Depois, vou para as ruas novamente e só chego às 18h. O dinheiro que entra é para o alimento e para as coisas da neném, como fralda e leite”, conta. A meta, segundo ela, é arrumar outra função. “Como consigo alugar uma casa sem ter uma renda fixa? Se eu conseguir um trabalho (estável) em qualquer área, está bom”, completa a jovem.
Ainda na região do Plano Piloto, na L3 Norte, atrás do Instituto Federal de Brasília (IFB), uma fileira de barracos chama a atenção de quem passa. Em um dos terrenos, há até uma espécie de “minifazenda”, com cachorros, gatos e galinhas. Próximo à Universidade de Brasília (UnB) há agrupamentos semelhantes, erguidos no canteiro verde. Ali, as famílias construíram até uma árvore de Natal, com bolas coloridas, garrafas pet e materiais recicláveis.
Mais de 160 mil famílias vivem na faixa da pobreza no Distrito Federal. Pessoas que vivem em domicílios improvisados, como Bruna; que moram em cômodos; ou mesmo que ganham até três salários-mínimos (R$ 3.300), mas gastam 30% ou mais da renda para pagar o aluguel. Esses retratos compõem o cenário de deficit habitacional urbano do DF. O termo está relacionado à necessidade de construção de novas moradias em função da precariedade e de condições inadequadas das atuais. Estudo da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) mostra que, até 2025, Brasília pode ter mais de 150 mil domicílios nessa situação.
Falhas
O fato de Brasília ser considerada a cidade do funcionalismo público evidencia o problema da desigualdade social, como explica Ciro Almeida, economista da GWX Investimentos. “No DF, é muito clara a discriminação com aqueles que têm poder de renda menor. A capital sofre pelo fato de a principal matriz econômica dela ser o serviço público. Com isso, muitas pessoas se sentem marginalizadas pela sociedade. Sem renda, esse público atinge o limite e recorre a alternativas para sobreviver. Vão para invasões, por exemplo”, argumenta.
A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF) é a responsável por prestar atendimento e apoio a essas famílias. A pasta não dispõe de dados sobre a quantidade de invasões existentes na capital do país, mas, até 21 de dezembro, 2.019 pessoas se declararam em situação de rua, sendo 154 crianças e 61 adolescentes. O aumento no número de ocupações irregulares pode ser explicado pela falta de políticas para desenvolvimento regional e urbano, com foco no cidadão, segundo o economista Ciro Almeida.
Outro problema é a concentração de renda. A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad), produzida pela Codeplan, divide a capital entre quatro grupos: alta renda, média-alta renda, média-baixa renda e baixa renda. No primeiro conjunto, aparecem Plano Piloto, Jardim Botânico, Lago Norte, Lago Sul, Park Way e Sudoeste/Octogonal, com renda familiar média de R$ 15.635. No último, estão Fercal, Itapoã, Paranoá, Recanto das Emas, SCIA/Estrutural e Varjão (R$ 2.476).
Edivaldo Dias Batista, 48, é natural de Juazeiro (BA) e chegou a Brasília em 1987, com outros dois amigos, para trabalhar como auxiliar de pedreiro. A construção de diversos prédios antigos da capital federal passou pelas mãos do baiano. Mas ele foi demitido e voltou para a cidade-natal no Nordeste. De família pobre e morando de favor na casa dos irmãos, Edivaldo decidiu retornar ao DF, em setembro, para tentar um emprego.
Após desembarcar em Brasília, o auxiliar de pedreiro ficou alocado em uma serralheria, na Vila Planalto, onde trabalhava em troca de um lugar para dormir e um pequeno salário — menos de R$ 200. “Saí de lá dois meses depois. O dono queria que eu começasse a trabalhar praticamente de graça, então decidi seguir minha vida”, conta. Há menos de dois meses, Edivaldo mora em uma ocupação irregular próxima à UnB. No mesmo local, convivem 16 famílias. “Vou ficar até juntar o dinheiro para voltar à Bahia. Mas, aqui, é a cidade dos ricos, e as oportunidades para a pessoa pobre são poucas”, desabafa.
Apoio
O Distrito Federal conta com 46 unidades de acolhimento institucional, segundo a Sedes-DF, com mais de 1,7 mil vagas. A pasta informou que 28 equipes do Serviço de Abordagem Social percorrem as ruas, para identificar os pontos de maior concentração de pessoas em situação de vulnerabilidade. A Secretaria de Proteção à Ordem Urbanística (DF Legal) afirmou que, no ano passado, recolheu, aproximadamente, 1,3 mil estruturas de edificações precárias em lona e em madeira. O órgão distrital monitora, atualmente, 29 pontos.
Coordenador da Proteção Social Especial da Sedes-DF, Jean Rates detalhou os tipos de ocupações irregulares existentes no DF: “É importante entender que temos dois públicos, que podem ser confundidos. As invasões são pequenas comunidades estabelecidas em determinadas regiões, onde as pessoas começam a montar a moradia. Na outra situação, temos as pessoas que vivem na rua de fato. Elas são as que mais precisam de serviço e oferta. Nos dois casos, a Sedes vai até os locais, reconhece a demanda e oferta os serviços”, explica.
Entre algumas das ações voltadas a esses públicos está a concessão de vagas em unidades de acolhimentos. Outra, destina-se às pessoas em situação de rua que pretendem voltar à cidade de origem. Nesse caso, a Sedes-DF arca com os custos das passagens. Em dezembro, houve aporte de R$ 174.336 em recursos, para pagamento de 376 benefícios. A pasta ofereceu, também, 109 auxílios excepcionais, uma ajuda mensal de R$ 600 para famílias arcarem com o aluguel. O modelo vale por até seis meses, para que o acolhido possa se restabelecer, mas pode ser prorrogado.
Colaborou Luana Patriolino
Situações excepcionais
O Auxílio Calamidade ou Auxílio em Situação de Desastre ou Calamidade Pública é concedido em casos de desastre ou calamidade pública declaradas oficialmente pelo Executivo local, como no caso da pandemia da covid-19. O benefício é pago em três parcelas de R$ 408 a cidadãos que não tenham condições de arcar com o enfrentamento de situações adversas ou que fragilizam a manutenção do núcleo familiar. Desde março, o Governo do Distrito Federal (GDF) ofereceu o auxílio a 11.210 pessoas. Para solicitá-lo, é necessário procurar unidades da assistência social, como os Centros de Referência da Assistência Social (Cras) ou Especializados de Assistência Social (Creas). A oferta também pode ocorrer por meio de identificação de pessoas em situação de vulnerabilidade, durante os atendimentos feitos pelas equipes de abordagem.
Palavra de especialista
Resposta sustentável
É notória a obrigação do governo de cuidar das pessoas vulneráveis. Em período eleitoral, inclusive, as propostas relacionadas aos cuidados com os pobres sempre entram na ordem do dia, por causa da importância delas para toda a sociedade. A questão, com o avanço da miséria, demonstra uma situação que a pandemia escancarou: a fragilidade da economia brasileira. Mesmo com o pagamento do auxílio emergencial, a desaceleração econômica se mostrou fatal para os setores produtivos, reduzindo a oferta de postos de trabalho e, por consequência, diminuiu ainda mais a renda de muitos setores da sociedade. É direito do cidadão vulnerável buscar os programas de auxílio disponibilizados pelo governo, como o Bolsa Família ou equivalente — desde que corresponda aos critérios estabelecidos em regulamento. Mas, mais importante que isso, é o tipo de resposta sustentável que o Estado brasileiro dará para a situação, pois a manutenção da miséria é uma situação extremamente torpe por qualquer ponto de vista, seja social ou econômico.
Nauê Bernardo de Azevedo, advogado constitucionalista e cientista político
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A maioria dessas pessoas trabalha como catador de material reciclável. A renda varia entre R$ 250 e R$ 400. O dinheiro vai para a compra de comida e itens básicos de higiene. Roupas, sandálias e acessórios ficam por conta de doações. Aos 19 anos, Bruna Rafaelle Duarte descreve um pouco da rotina. Casada e mãe de uma menina de 1 ano, a jovem foi despejada de uma casa, em São Sebastião, por atrasar o aluguel, que custava R$ 350. Há três anos, um barraco de lona e madeira, na 707/907 Norte, virou o abrigo da família. Na região residem, ao menos, outros 20 grupos de pessoas.
Bruna deveria ter terminado o ensino médio, mas parou os estudos no 6º ano do fundamental. “Meu trabalho é de catadora. Todo dia, saio às 7h e volto às 12h, para almoçar. Depois, vou para as ruas novamente e só chego às 18h. O dinheiro que entra é para o alimento e para as coisas da neném, como fralda e leite”, conta. A meta, segundo ela, é arrumar outra função. “Como consigo alugar uma casa sem ter uma renda fixa? Se eu conseguir um trabalho (estável) em qualquer área, está bom”, completa a jovem.
Ainda na região do Plano Piloto, na L3 Norte, atrás do Instituto Federal de Brasília (IFB), uma fileira de barracos chama a atenção de quem passa. Em um dos terrenos, há até uma espécie de “minifazenda”, com cachorros, gatos e galinhas. Próximo à Universidade de Brasília (UnB) há agrupamentos semelhantes, erguidos no canteiro verde. Ali, as famílias construíram até uma árvore de Natal, com bolas coloridas, garrafas pet e materiais recicláveis.
Mais de 160 mil famílias vivem na faixa da pobreza no Distrito Federal. Pessoas que vivem em domicílios improvisados, como Bruna; que moram em cômodos; ou mesmo que ganham até três salários-mínimos (R$ 3.300), mas gastam 30% ou mais da renda para pagar o aluguel. Esses retratos compõem o cenário de deficit habitacional urbano do DF. O termo está relacionado à necessidade de construção de novas moradias em função da precariedade e de condições inadequadas das atuais. Estudo da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) mostra que, até 2025, Brasília pode ter mais de 150 mil domicílios nessa situação.
Falhas
O fato de Brasília ser considerada a cidade do funcionalismo público evidencia o problema da desigualdade social, como explica Ciro Almeida, economista da GWX Investimentos. “No DF, é muito clara a discriminação com aqueles que têm poder de renda menor. A capital sofre pelo fato de a principal matriz econômica dela ser o serviço público. Com isso, muitas pessoas se sentem marginalizadas pela sociedade. Sem renda, esse público atinge o limite e recorre a alternativas para sobreviver. Vão para invasões, por exemplo”, argumenta.
A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF) é a responsável por prestar atendimento e apoio a essas famílias. A pasta não dispõe de dados sobre a quantidade de invasões existentes na capital do país, mas, até 21 de dezembro, 2.019 pessoas se declararam em situação de rua, sendo 154 crianças e 61 adolescentes. O aumento no número de ocupações irregulares pode ser explicado pela falta de políticas para desenvolvimento regional e urbano, com foco no cidadão, segundo o economista Ciro Almeida.
Outro problema é a concentração de renda. A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad), produzida pela Codeplan, divide a capital entre quatro grupos: alta renda, média-alta renda, média-baixa renda e baixa renda. No primeiro conjunto, aparecem Plano Piloto, Jardim Botânico, Lago Norte, Lago Sul, Park Way e Sudoeste/Octogonal, com renda familiar média de R$ 15.635. No último, estão Fercal, Itapoã, Paranoá, Recanto das Emas, SCIA/Estrutural e Varjão (R$ 2.476).
Edivaldo Dias Batista, 48, é natural de Juazeiro (BA) e chegou a Brasília em 1987, com outros dois amigos, para trabalhar como auxiliar de pedreiro. A construção de diversos prédios antigos da capital federal passou pelas mãos do baiano. Mas ele foi demitido e voltou para a cidade-natal no Nordeste. De família pobre e morando de favor na casa dos irmãos, Edivaldo decidiu retornar ao DF, em setembro, para tentar um emprego.
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Apoio
O Distrito Federal conta com 46 unidades de acolhimento institucional, segundo a Sedes-DF, com mais de 1,7 mil vagas. A pasta informou que 28 equipes do Serviço de Abordagem Social percorrem as ruas, para identificar os pontos de maior concentração de pessoas em situação de vulnerabilidade. A Secretaria de Proteção à Ordem Urbanística (DF Legal) afirmou que, no ano passado, recolheu, aproximadamente, 1,3 mil estruturas de edificações precárias em lona e em madeira. O órgão distrital monitora, atualmente, 29 pontos.
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Entre algumas das ações voltadas a esses públicos está a concessão de vagas em unidades de acolhimentos. Outra, destina-se às pessoas em situação de rua que pretendem voltar à cidade de origem. Nesse caso, a Sedes-DF arca com os custos das passagens. Em dezembro, houve aporte de R$ 174.336 em recursos, para pagamento de 376 benefícios. A pasta ofereceu, também, 109 auxílios excepcionais, uma ajuda mensal de R$ 600 para famílias arcarem com o aluguel. O modelo vale por até seis meses, para que o acolhido possa se restabelecer, mas pode ser prorrogado.
Colaborou Luana Patriolino
Situações excepcionais
O Auxílio Calamidade ou Auxílio em Situação de Desastre ou Calamidade Pública é concedido em casos de desastre ou calamidade pública declaradas oficialmente pelo Executivo local, como no caso da pandemia da covid-19. O benefício é pago em três parcelas de R$ 408 a cidadãos que não tenham condições de arcar com o enfrentamento de situações adversas ou que fragilizam a manutenção do núcleo familiar. Desde março, o Governo do Distrito Federal (GDF) ofereceu o auxílio a 11.210 pessoas. Para solicitá-lo, é necessário procurar unidades da assistência social, como os Centros de Referência da Assistência Social (Cras) ou Especializados de Assistência Social (Creas). A oferta também pode ocorrer por meio de identificação de pessoas em situação de vulnerabilidade, durante os atendimentos feitos pelas equipes de abordagem.
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É notória a obrigação do governo de cuidar das pessoas vulneráveis. Em período eleitoral, inclusive, as propostas relacionadas aos cuidados com os pobres sempre entram na ordem do dia, por causa da importância delas para toda a sociedade. A questão, com o avanço da miséria, demonstra uma situação que a pandemia escancarou: a fragilidade da economia brasileira. Mesmo com o pagamento do auxílio emergencial, a desaceleração econômica se mostrou fatal para os setores produtivos, reduzindo a oferta de postos de trabalho e, por consequência, diminuiu ainda mais a renda de muitos setores da sociedade. É direito do cidadão vulnerável buscar os programas de auxílio disponibilizados pelo governo, como o Bolsa Família ou equivalente — desde que corresponda aos critérios estabelecidos em regulamento. Mas, mais importante que isso, é o tipo de resposta sustentável que o Estado brasileiro dará para a situação, pois a manutenção da miséria é uma situação extremamente torpe por qualquer ponto de vista, seja social ou econômico.
Nauê Bernardo de Azevedo, advogado constitucionalista e cientista político