Quintana Roo não é possuidor apenas de paisagens permeadas pelos multicoloridos turquesas do Caribe mexicano. Abriga ainda impressionantes tesouros históricos. Situado no extremo sudeste do país e a nordeste da Península de Yucatán, o Estado é intercalado ora por vibrantes cidades, ora por comunidades onde ainda hoje vivem descendentes dos maias, possivelmente a mais antiga das civilizações pré-colombianas. E é neste encantador pedacinho do México e ao redor dele que se multiplicam sítios arqueológicos, testemunhas vivas das cidades-estados onde viveram os maias. Caso de Tulum e Cobá.
Se planeja viajar pelo calendário do tempo e ir conhecer um deles, algumas dicas: vá com roupas leves e confortáveis, além de sapatos baixos. Não esqueça o protetor solar, o boné e a água. Na bagagem, adicione paciência. Como em todos pontos turísticos do planeta, os sítios arqueológicos mexicanos atraem uma infinidade de turistas. Feito isso, é hora de embarcar em uma aventura cultural inesquecível.
Distante 65 km de Playa del Carmen e 137 km da Zona Hoteleira de Cancún, Tulum está localizada na costa de Quintana Roo. Tem fácil acesso – é possível chegar lá de carro, ônibus ou contratando-se um tour de um dia (muitos resorts e agências locais oferecem o pacote). Icônica, a cidade tem como postal as ruínas maias localizadas à beira-mar, onde um mirante proporciona uma visão mágica do Mar do Caribe.
Antes de mergulhar na imensidão de suas águas translúcidas, a história começa a desfilar diante do olhar: os maias viveram no final do período clássico em florestas tropicais, hoje localizadas nas regiões da Guatemala, Honduras e da Península de Yucatán. Ao pisar no solo sagrado da ancestralidade, construções e pinturas murais de Tulum começam a se revezar. De cara, uma muralha chama a atenção. Foi erguida para proteger a antiga cidade maia em suas faces Norte, Sul e Oeste. A Leste, é limitada por uma praia abraçada pelas invejáveis águas caribenhas.
Tulum foi fundada no século 6 d.C. e, posteriormente, abandonada. Com a chegada dos espanhóis no século 16 d.C., ficou ainda mais decadente. Foi uma importante cidade-estado, onde o estado teocrático tomava as decisões políticas e religiosas. Como em muitas cidades maias, apenas a classe social mais alta (entenda-se o rei, os nobres da família real, os sacerdotes, os chefes militares e os astrólogos e demais detentores de conhecimento) viviam em seu interior.
As outras duas classes sociais que integravam a sociedade maia não podiam morar na cidade. Viviam em suas imediações, fora da muralha. Eram os dirigentes de cerimônias e cobradores de impostos, além da base da pirâmide (a maioria da população), composta pelos camponeses, artesãos e trabalhadores. Estes últimos não tinham privilégios e eram obrigados a pagar impostos.
Civilização desenvolvida, os maias se destacaram em astronomia e matemática com a criação das casas decimais e do valor de zero. Com sua aritmética conseguiam fazer cálculos e conhecer o movimento do Sol, da Lua e dos planetas e astros. Foram também os inventores do complexo e eficiente Calendário Maia, que registrava exatamente os 365 dias do ano.
Possuíam avançadas técnicas de irrigação e sua economia era baseada na agricultura, principalmente no cultivo do milho, do feijão, da batata e do cacau, além da caça e pesca. Faziam queimadas para limpar o terreno, deixando-o pronto para um novo plantio. Essa prática, porém, destruía o solo, tornando-o infértil. Então, eles eram obrigados a abandonar o lugar e começar tudo de novo em outro. Os maias comercializavam as mercadorias que produziam com povos vizinhos.
Guerra e crenças
Também guerreavam a fim de capturar prisioneiros para sacrificá-los. Politeístas, acreditavam em deuses ligados à natureza que regiam o destino dos homens. Em função dessa crença, sacrificavam animais e seres humanos aos deuses – em algumas das antigas cidades é possível conhecer o altar onde eram feitos os sacrifícios. Construíram imponentes palácios, templos e pirâmides. Tulum é só mais um exemplo da arrojada arquitetura maia.
Embora mais baixas e em ruínas, suas construções são ricas em detalhes, denunciando o modo de vida e o vanguardismo da antiga civilização pré-colombiana. Seu principal postal, além do hipnotizante azul do mar, é o El Castillo. Edificação mais alta de Tulum, o castelo impera sobre a paisagem. Possui um templo com três entradas decoradas com colunas e duas máscaras zoomórficas nos cantos.
A norte fica o Templo do Deus Descendente, com uma imagem da divindade. Perto dele, o Templo dos Afrescos exibe murais retratando seres sobrenaturais que habitavam o mundo inferior dos maias (acreditavam também na existência de um mundo superior). Os murais são considerados como um dos mais importantes vestígios da pintura mural maia pré-hispânica.
Tulum abriga ainda as ruínas dos palácios conhecidos como a Casa das Colunas e a Casa do Halach Uinik, além da Casa del Cenote. Esta última documenta a importância que os maias davam ao culto aquático e sagrado ligado aos cenotes, como as piscinas naturais ali são chamadas, onde também eram feitos oferendas e sacrifícios aos deuses.
Nas proximidades do Templo do Deus Vento é possível observar uma base erguida em homenagem a Kukulcan, o deus dos ventos. Há muitas outras edificações em Tulum, que é um tesouro pulsante para os amantes de história. Mas, se você pensa que a magia dessa viagem ao passado maia termina aqui, está enganado. Experimente conhecer Cobá.
Encoberta pela mata
Antes de desvendar a história, é preciso saber como chegar até ela. Cobá conta com amplo estacionamento. Logo na entrada, você encontra a bilheteria, lojas e barraquinhas de artesanato, banheiros e guias (caso queira contratar), além de um quiosque para alugar bicicletas e triciclos que transportam duas pessoas. Você pode optar por fazer o trajeto que conduz às atrações do sítio a pé. Mais, saiba que terá de caminhar 2 km na ida, mais outros 2 km na volta. E o calor é forte.
Independentemente de sua opção, saiba que Cobá tem indícios de ocupação desde o século 1 a.C. Cresceu econômica e politicamente a partir do século 4 d.C. Viveu o seu apogeu até o século 11 d.C., quando foi uma das principais cidades da civilização maia. Com a chegada dos espanhóis ao México, já havia sido abandonada e estava decadente.
Ficou encoberta pela mata durante muitos anos, somente sendo redescoberta em meados do século 19 – ainda agora a maior parte da antiga cidade de aproximadamente 70 km2 permanece inexplorada no meio das árvores. De seus tempos de esplendor, hoje, guarda as ruínas de uma intrigante rede de estradas, grandes monumentos de pedra, textos hieroglíficos, um campo de jogo da pelota, um observatório astronômico e a Pirâmide de Nohoch Mul, considerada o seu ponto alto.
Segunda pirâmide maia mais alta na Península de Yucatán, tem 42 m de altura e é cercada por uma floresta tropical. É possível subir até seu topo. No trajeto, uma corda ajuda a escalar seus degraus íngremes e irregulares. Lá, no alto, ao lado de um pequeno templo fechado, é possível fazer uma prece em silêncio, agradecendo ao deus da natureza pelos quilômetros e mais quilômetros de floresta que se vê. Vista imperdível!
Cobá se desenvolveu perto de cinco lagos, que foram fundamentais para a sua subsistência. A cidade contava com vias de pedra elevadas, conhecidas na língua maia como sacbe (caminho branco), de comprimento e largura variáveis. A mais longa delas com 100 km seguia até a cidade de Yaxuná, perto de Chichén Itzá.
Também em Cobá os habitantes que não pertenciam à classe alta viviam nos arredores do núcleo da cidade, em casas muito semelhantes às dos maias modernos. O complexo chegou a ser integrado por diversas aldeias que se distribuíam ao redor dos lagos. Essas comunidades sobreviviam graças à agricultura, pesca e caça. Entre 300 e 600 d.C., Cobá se desenvolveu e centralizou o poder econômico e político, controlando várias cidades próximas.
Erguidas entre 600 d.C. e 800 d.C., as suas vias de comunicação interna e para outras cidades e regiões totalizavam mais de 50 estradas. O ápice da construção aconteceu entre 800 e 1000 d.C., com a ampliação da rede rodoviária e construção de novas edificações. Contudo, Cobá começou a perder sua hegemonia entre 1000 e 1450 d. C., quando recebeu influências de outros povos mexicanas, que imprimiram novos estilos arquitetônicos à maioria de suas construções e de seus monumentos.
Entre a vida e a morte
Ascensão e queda à parte, Cobá abriga um campo onde era disputado o jogo da pelota, uma disputa na qual o vencido era ritualmente sacrificado. Sua origem remonta a 1.400 a.C., mas pode ter surgido bem antes. Vestimentas, pinturas, bolas e campos descobertos por arqueólogos revelam que o jogo já era disputado pelos olmecas, zapotecos, maias, astecas, toltecas e outras civilizações que habitavam a Mesoamérica pré-colombiana, região do continente americano que abrangia faixas territoriais do México, Guatemala, Belize, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica.
Disputado ao longo de mais de três mil anos pelos povos pré-hispânicos, o jogo tinha conotações religiosas e rituais. “Evidências indicam que, ao término da partida, o capitão da equipe era ritualmente sacrificado”, diz Michael Coe, professor emérito de antropologia da Universidade de Yale (EUA).
Autor do livro The Maya (Ed. Thames & Hudson, em inglês), ele explica que pinturas e esculturas encontradas em antigos campos mexicanos, como no de El Tajín, em Veracruz, retratam esses sacrifícios. “Talvez o governante de uma cidade, ao ser capturado pelo de outra, fosse obrigado a disputar o jogo, no qual sua vida só seria poupada se ele vencesse o time adversário”.
A exemplo dos rituais de sacrifício, as regras e os detalhes do jogo variavam de acordo com o período histórico, o lugar e a civilização. Em linhas gerais, porém, era disputado entre duas equipes, de um a sete jogadores. Os times se enfrentavam em um campo em forma de I ou T, medindo aproximadamente 37 m por 9 m, com paredes laterais inclinadas.
No do centro do campo existiam dois marcadores redondos ou quadrados, um em frente ao outro, com um buraco central de cerca de 20 cm de diâmetro. Acredita-se que as extremidades do campo abrigavam estruturas temporárias, onde o público assistia à competição. Iniciada a partida, as equipes tinham de acertar a bola de borracha maciça (às vezes, também de lava de vulcão) de 10 cm de diâmetro dentro do círculo do marcador.
Semelhante ao nosso basquete, o jogo proibia o uso das mãos. Nele, para manter a bola em movimento e arremessá-la para a cesta, os jogadores só podiam empregar a costa, as nádegas, os antebraços e os ombros. Como a bola era pesada e veloz, as equipes usavam uma proteção na cintura. Quanto aos critérios que determinavam a vitória, ainda hoje são desconhecidos, pois os marcadores de pedra nas laterais do meio do campo só apareceriam depois de 800 d.C., como o resultado da influência tolteca.
Honra e sacrifício
O jogo da pelota foi considerado o rito religioso mais importante entre as comunidades indígenas, sobretudo os astecas e maias”, afirma em um texto acadêmico a professora-doutora Maria Ângela Barbato Carneiro, da PUC/SP. Ela explica que os marcadores ficavam presos ao lado da figura de um ídolo. Por isso, o campo era um local de sacrifício e de ressurreição.
O jogador que acertasse a bola no marcador era premiado com o convite para frequentar a casa dos dirigentes, obtendo riqueza e prestígio. A sua equipe tinha o direito de se apossar de todos os objetos que conseguisse da plateia. Quanto ao capitão do time derrotado, era honrado com a morte.
Difícil compreender a lógica do jogo de bola mesoamericano. Afinal, quem disputa uma partida para ser sacrificado? A sociedade contemporânea considera isso inaceitável. Para a civilização pré-hispânica, porém, a morte por sacrifício era a perpetuação da vida. Em um texto publicado na revista Arqueologia Mexicana (Ed. Raíces, número 63), o autor Michel Graulich, diretor de estudos religiosos na Escola de Altos Estudos de Paris, explica a concepção de vida e de morte para a sociedade maia, na qual todos aqueles que deviam, pagavam com o sacrifício ou com o próprio sangue.
“O sacrifício humano também era praticado como oferenda aos deuses, na tentativa de amenizar a fúria de fenômenos cósmicos, como secas e inundações, mantendo o equilíbrio do universo”, conta Graulich. O México ainda hoje preserva mais de 1,5 mil campos. Eles são testemunhas do importante papel que o jogo da pelota desempenhou na história da América Central. Cobá é apenas um deles. E, acredite, vale muito a pena conhecer!
Aventura com sabor
Próximo a Cobá, fica Pac Chen, uma idílica aldeia onde vivem descendentes dos maias. É possível conhecer esse lugar onde convivem a antiga e a nova da cultura maia. Para isso, basta contratar uma excursão de um dia. É legal saber que uma parte dos lucros do tour é revertida para o desenvolvimento sustentável das comunidades maias da região.
A aventura, que começa com um ritual feito por um homem santo, é seguida por tirolesa e rapel em um cenote. Para quem preferir, há possibilidade de passear de canoa em uma lagoa cercada por árvores da floresta, ao som de pássaros.
Depois da adrenalina, nada melhor do que experimentar o sabor da gastronomia da antiga civilização maia. O cardápio inclui frango preparado com ingredientes maia, sopa de legumes, arroz, feijão, batatas, empanadas e tortilhas artesanais. Bom apetite!
Texto por: Fabíola Musarra
Foto destaque por iStock / SL_Photography
Fonte;qualviagem