Uma comunidade que tem a rotina temporariamente afetada quando um astro da música resolve usar seus becos e vielas como locação para seu novo videoclipe. Se alguém associou essa descrição à gravação de “They Don’t Care About Us” por Michael Jackson no Morro Santa Marta, num longínquo 1996, não está de todo errado. Tampouco quem se lembrou do “Vai Malandra”, de Anitta, rodado em dezembro de 2017 no Morro do Vidigal, também na capital fluminense.

Bem, é fato: os dois episódios acorreram, sim, à mente de Rodrigo Sant’Anna durante o processo de concepção de “Tô de Graça – Da TV para o Palco”, espetáculo que o traz agora à capital mineira, para dois dias de apresentações no Sesiminas. Porém, como referências. O que de fato norteia a empreitada é a ideia de, por meio do humor, também provocar reflexão.

No caso, sobre como uma população que enfrenta toda sorte de carências volta a ser encoberta pelo manto da invisibilidade assim que os refletores das filmagens são recolhidos. “A gente costuma ver (essa situação) pela ótica do astro que está gravando, mas a hora que está rodando afeta a comunidade, altera o cotidiano das pessoas, que também têm seus sonhos. Então, na peça, abordo isso, sobre como essa proximidade com um grande ídolo interfere no dia a dia. Na peça, acaba que a família da Graça é convidada (a participar da gravação), mas depois descobre que não pelo motivo que pensava”, diz, sem revelar qual seria esse.

Na entrevista ao Magazine, Rodrigo Sant’Anna conta que o espetáculo estreou no Rio, passou por São Paulo e, na sequência, percorreu outras cidades. A parada na capital mineira é comemorada com ênfase por ele: “Gosto dessa cidade desde que estourei com a Valéria (personagem do ‘Zorra Total’). Na primeira vez que fui aí com ela, levou 3.000 pessoas ao teatro. Foi inesquecível, e, desde então, estabeleci uma relação com o público mineiro inclusive de conversar pelo Instagram, que hoje é uma ferramenta extremamente importante para o artista”, analisa ele. 

Conduzindo a entrevista sempre em tom mais sério e reflexivo – fugindo, portanto, do que o senso comum espera de alguém que costumeiramente navega mais pelas águas da comédia –, Sant’Anna pondera que, por se tratar de uma montagem derivada de um programa de TV, os fãs da atração já de pronto se sentem instigados a conferir. “O que de cara é muito bacana. Mas outro lado muito legal é o público que chega e, ao fim, fala: ‘Não conhecia o programa, não sabia’”, diz ele, acrescentando que, em agosto, o Multishow estreia a terceira temporada de “Tô de Graça”. E, sim, ele acredita que o programa tem fôlego para mais. “Veja o caso de ‘A Grande Família’ – e, por favor, estou falando sem a pretensão de estabelecer um comparativo... Mas é que família é sempre um prato cheio”, entende.

Para essa parcela de público que desconhecia a figura de Graça e é atraída ao teatro pela popularidade de Sant’Anna, vale um parêntese: a personagem é uma dona de casa que cata latas e corta um dobrado para sustentar Moacir, ex-marido eternamente desempregado, e seus filhos – na verdade, tem 13, mas nem todos moram com ela. Na montagem teatral que chega à cidade, Sant’Anna divide o palco com três integrantes da turma de “rebentos”: Maico (Andry Gercker), Briti (Isabelle Marques) e Marraia (Evelyn Castro).

Vivências

Aos 38 anos, o carioca Rodrigo Sant’Anna foi criado no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, zona Norte do Rio de Janeiro. Vivências de sua infância, vale dizer, acabam servindo de fonte de inspiração para a elaboração de seus personagens.

No caso da peça, Rodrigo Sant’Anna conta nunca ter presenciado, na infância, alguma situação similar à de ver, em suas cercanias, uma gravação impactante como a mostrada na peça. Porém, como profissional, hoje, confessa certo receio de involuntariamente afetar de maneira não positiva o entorno, quando está a gravar uma externa, por exemplo. “Sempre sou muito bem recebido, mas fico sempre pensando no outro. Se vejo uma mulher se aproximando do local delimitado com uma bolsa pesada, cheia de compras, a noto tendo que parar, a vontade que dá é sair de cena e falar: ‘Senhora, pelo amor de Deus, deixa que eu carrego esse peso. Ou fico imaginando uma pessoa querendo passar com o carro...”.

Ao comentário de que essa preocupação reverbera não menos que um sentimento de empatia, ele contemporiza: “Às vezes, o nosso egoísmo faz com que não consigamos enxergar o outro – por isso somos tão impacientes na fila do banco, no trânsito. Faz parte de um conjunto de coisas básicas que estamos perdendo. É sempre a ‘minha gravação’, ‘o meu compromisso’, ‘as minhas prioridades’ que vêm à frente do outro. Mas, veja, não me considero uma pessoa tão evoluída assim. É realmente só uma tentativa – e, muitas vezes, frustrada”, pondera, modesto. 

Instigado a falar sobre o casamento recente, com o roteirista baiano Júnior Figueiredo, Sant’Anna opta pela discrição. “Não tive a intenção de levantar bandeiras, assumi porque era importante para mim”, resume ele, que, a todo vapor, adianta que vai seguir com a peça até o fim do ano, mas já com a agenda de 2020 sendo preenchida. “Ano que vem estou desenvolvendo mais dois projetos no Multishow e um para o GShow”, lembra o ator, que incorporou à sua equipe vários membros da família, como o pai, Francisco José. “Somos todos um grupo coeso”, festeja.

“Tô de Graça: Da TV para o Palco”. Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Sábado, às 20h e às 22h (sessão extra), e domingo, às 19h. 75 min. Ingressos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia).