Pesquisas recentes mostram a presença do material na água que chega a residências, em alimentos industriais e em animais que consumimos regularmente, como peixes
Os impactos no meio ambiente do uso excessivo do plástico são visíveis a olho nu. Já os danos desse produto, quando resíduos microscópicos chegam ao corpo humano, intrigam médicos e cientistas. Pesquisas recentes mostram a presença do material na água que chega a residências, em alimentos industriais e em animais que consumimos regularmente, como os peixes. Sem respostas claras sobre a consequência dessa exposição, os especialistas recomendam cautela.
Pesquisadores da Universidade de Viena analisaram amostras de fezes de moradores de oito países — Itália, Japão, Holanda, Polônia, Rússia, Finlândia, Reino Unido e Áustria — e detectaram microplásticos em todo o material. A equipe identificou até nove variantes, em tamanhos que variaram de 50 a 500 micrômetros (a milésima parte do milímetro). Os tipos mais encontrados foram o polietileno e o tereftalato de polietileno (PET).
“É o primeiro estudo desse tipo a comprovar o que suspeitávamos havia muito tempo: os plásticos acabam atingindo o intestino humano”, afirma ao Correio Philipp Schwabl, principal autor do estudo, apresentado, em outubro, no Congresso Europeu de Gastroenterologia, realizado em Viena. Confirmada a presença do material, ganha força outra dúvida: Como os indivíduos estão ingerindo as sobras de plástico?
Uma série de cientistas tem se dedicado a responder a essa questão, como Ji-Su Kim, do Departamento de Ciência Marinha da Universidade Nacional Incheon, na Coreia. Ele e a equipe analisaram 39 marcas de sal marinho procedentes de 21 países. Apenas três não apresentaram vestígios de microplástico: uma da China, uma de Taiwan e outra da França. “Nossa descoberta significa que os plásticos que descarregamos no ambiente retornam proporcionalmente. Ainda não conhecemos bem os riscos disso. No entanto, considerando a nossa estimativa, a ingestão de sal parece ser um pequeno contribuinte para a ingestão geral de microplásticos”, frisa o autor da pesquisa, publicada, em outubro, na revista Environmental Science and Technology.
Na água
A água também pode ser um dos recursos que causam o consumo indireto dos plásticos. Pesquisadores americanos analisaram 159 amostras retiradas de torneiras de diferentes países e identificaram resíduos em 81% delas, além de peculiaridades conforme características econômicas das populações. “Uma das descobertas surpreendentes foi que, juntas, as nações desenvolvidas tinham densidade de microplásticos por litro de água encanada igual à de cada uma das nações em desenvolvimento”, conta Mary Kosuth, pesquisadora da Universidade de Minnesota e autora do estudo, divulgado em abril.
Segundo a cientista, faltaram elementos para explicar a diferença. “Precisamos analisar outros fatores, como a densidade populacional, a fonte, os métodos de filtragem, o uso de plástico e a coleta e reciclagem, para entender como eles contribuem para esse resultado”, frisa.
Para a especialista, a melhor coisa a se fazer para controlar o problema de contaminação é reduzir o consumo de itens plásticos descartáveis de uso único, como canudos e copos descartáveis. “Não temos pensado na consequência quando os jogamos fora. Se você for para casa e encontrar o ralo entupido, a torneira funcionando e a pia transbordando, não vai pegar o esfregão. Provavelmente, vai desligar a torneira. Precisamos resolver esse problema na fonte. Também devemos dar uma boa olhada nas alternativas de polímeros verdadeiramente biodegradáveis”, defende.
Nas embalagens
O risco de contaminação de alimentos com o plástico também vem das embalagens. Uma pesquisa conduzida pela organização jornalística Orb Media mostra a presença do material em 93% da água fornecida via garrafa. Foram analisadas 11 marcas mundiais, vindas de nove países de cinco continentes. Houve contaminação do líquido por vários tipos de plástico, como náilon e PET. Os resultados, publicados em março, levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a anunciar uma investigação sobre os potenciais riscos dessa exposição.
No Brasil, uma equipe da Universidade de Campinas (Unicamp) mostrou como os bebês podem estar correndo perigo também pela forma como os alimentos fornecidos são embalados. Os pesquisadores avaliaram 200 mamadeiras de seis marcas e descobriram que existe contaminação de substâncias tóxicas de silicone e de plástico nas bebidas armazenadas nesses recipientes.
Segundo Wellington da Silva Oliveira, um dos autores do estudo, divulgado em outubro, mesmo sem conter o bisfenol A, de uso proibido devido aos efeitos comprovadamente nocivos, esses objetos demandam cuidado. “Vimos outros pontos interessantes, como a presença de chumbo em um dos bicos analisados. Mesmo em concentração baixa, é algo preocupante”, ressalta.
O cientista adianta que mais materiais feitos de plásticos e usados no cotidiano serão estudados. “Queremos analisar utensílios de silicone e copos, além de mais materiais infantis, como colheres. Acredito que essa questão precisa ser aprofundada no Brasil, pois é algo semelhante aos pesticidas. No caso dos plásticos, porém, eles são encontrados em maior quantidade”, frisa.
Palavra de especialista
Já é hora de evitar
“Pesquisas têm mostrado o quanto esse material está presente na água e nos oceanos e que eles estão chegando ao corpo humano. Mas não sabemos direito o que isso pode desencadear. Algumas pesquisas feitas com animais sinalizam a diminuição da absorção de ferro, que pode gerar alterações hepáticas. O consumo de plástico poderia interferir na flora e na mucosa intestinal. Acredito que, com o tempo, entenderemos melhor os efeitos desse material no corpo, mas, ainda assim, o cuidado já é algo necessário. A redução do uso do plástico é importante para evitar esses possíveis danos à saúde e também ao meio ambiente.”
Cláudia Ottaiano, oncologista clínica do Centro de Oncologia do Hospital Santa Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica