OBESIDADE


Conhecido por reduzir a absorção de gordura no intestino, o orlistate é utilizado no tratamento da obesidade. O medicamento, porém, oferece perda de peso modesta. Por isso, segundo especialistas, é mais útil se combinado a mudanças no estilo de vida e outras terapias. Médicos também apontam como benefícios a melhora da glicemia e do colesterol.

Já um antigo aliado nos tratamentos para a perda de peso, o medicamento voltou a despertar interesse. Plataformas de monitoramento registraram aumento na busca de informações sobre o remédio. Questionamentos como a necessidade ou não de prescrição médica e valores são algumas das dúvidas.

Embora não seja necessária receita para comprar o fármaco, especialistas indicam utilizar o orlistate apenas com indicação de um profissional especializado. Seu preço para um tratamento mensal pode variar de cerca de R$ 90 a R$ 150.


Segundo Cintia Cercato, endocrinologista e presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), o remédio inibe a atuação das lipases, enzimas que participam do processo de digestão da gordura.


"Quando a gente come a gordura, ela precisa ser quebrada em pedacinhos menores para ser absorvida. Ela é quebrada por essas lipases intestinais", afirma Cercato.
Ainda segundo a endocrinologista, quando o remédio inibe a atuação dessas enzimas, a gordura não é quebrada em moléculas menores, o que dificulta sua absorção e faz com que parte dela seja eliminada junto com as fezes.


De acordo com especialistas, o medicamento é capaz de reduzir em 30% a absorção de gordura, o que pode levar a perda de peso, mas de forma reduzida.
Cercato diz que o resultado modesto acontece em decorrência do mecanismo de atuação do remédio, já que, ao contrário de outras drogas usadas no tratamento da obesidade, o orlistate não atua na regulação do apetite.

"A obesidade é uma doença complexa que se caracteriza por alterações na regulação desse balanço energético de fome, de saciedade. O fato de essa medicação não atuar nesses mecanismos faz com que o seu resultado seja modesto", pontua.

A profissional aponta que, como todo medicamento para tratar a obesidade, o orlistate é indicado para pacientes que sejam classificados como obesos, com IMC (índice de massa corpórea) maior ou igual a 30, ou com sobrepeso (IMC de 25 a 29,9), e que tenham alguma comorbidade relacionada à doença. Além disso, o uso de remédios para tratar a obesidade deve ser associado a mudanças no estilo de vida, reeducação alimentar e realização de exercícios físicos, base para esse tipo de tratamento.


Cercato alerta que o orlistate pode interferir na absorção de vitaminas lipossolúveis importantes para o organismo, como as vitaminas A e D. Além disso, pode alterar o efeito de alguns medicamentos, como anticoagulantes, e piorar os sintomas de pacientes com problemas intestinais. Por isso, embora não seja necessária a prescrição, a médica reforça que o remédio precisa ser administrado com a orientaçã de um especialista.

O endocrinologista Márcio Mancini, vice-presidente do departamento de obesidade da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e chefe do grupo de obesidade do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), afirma que o medicamento foi feito para ser associado a uma dieta alimentar adequada. "Como o orlistate diminui a absorção de um terço da gordura da dieta, se o indivíduo comer uma feijoada e tomar o remédio, a quantidade de gordura que vai chegar ao final do intestino vai ser muito grande. O indivíduo perde o controle e tem que correr para o banheiro", exemplifica.

Mancini afirma que o remédio precisa ser ingerido com as principais refeições do dia. Por isso, o paciente deve ter um hábito alimentar organizado. "Esse é um medicamento que é para ser tomado na refeição em que ele vai fazer efeito. Ele é tomado no café da manhã, no almoço e no jantar."


O especialista também ressalta que o orlistate é indicado para tratar a obesidade, e não para a simples redução de medidas. "Para usar o medicamento, o paciente tem que ter no mínimo excesso de peso", diz.

Segundo o médico, estudos mostram que, além da redução modesta de peso, o medicamento tem impacto na glicose e no colesterol. "Há um estudo interessante, chamado Xendos, que administrou o orlistate em pacientes com glicose normal e em um grupo que tinha glicose um pouco alterada e acompanhou esses pacientes por 4 anos. Quem tomou o remédio desenvolveu menos diabetes, mostrando um benefício em relação à glicose", diz. "Outro estudo com pacientes com colesterol alto mostrou redução de 17,6% do colesterol ruim."

Vanessa Prado, coloproctologista e médica do Centro de Especialidades do Aparelho Digestivo do Hospital Nove de Julho, afirma que o medicamento não faz dano ao organismo e também é utilizado para tratar a constipação. A médica afirma que ele pode, entretanto, causar incontinência fecal, efeito que pode ser controlado por meio da dosagem.


"Como ele impede a absorção de gordura, o cocô fica extremamente amolecido e cheio dela. Muitas vezes o paciente não consegue segurar por serem fezes mais lisas", pontua Prado.

Segundo ela, a medicação pode ser utilizada de 6 a 9 meses para compor um tratamento inicial voltado à constipação, mas o ideal é apostar na formação de um bolo fecal rico em fibras e no uso de procinéticos, medicamentos que ajudam no movimento intestinal, para melhorar a evacuação.

A endocrinologista Cercato reforça que o orlistate é um bom auxiliar no tratamento da obesidade, mas que não pode ser visto como uma solução única. "A obesidade é uma doença extremamente complexa que tem muitos mecanismos envolvidos. O tratamento de uma doença complexa também é complexo, não é simples." 


(Ana Gabriela Oliveira Lima/ Folhapress)