RIO DE JANEIRO


A família do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) amplia seu poderio no Rio de Janeiro com o afastamento de Wilson Witzel (PSC) do governo e com as investigações em curso contra o presidente da Assembleia Legislativa do estado, o petista André Ceciliano.


Alvo de um mandado de busca e apreensão na manhã de sexta-feira (28), o governador em exercício, Cláudio Castro, assume a vaga de Witzel como refém do clã.


Além da dependência financeira do estado, que ainda precisa renovar o ajuste fiscal com a União, Castro necessita de apoio político para governar.


Em um gesto de boa vontade, Castro até avisou a aliados que deixará o PSC, partido de Witzel, e que consultará a família do presidente da República antes de tomar decisões de impacto nacional. O PSC é presidido por Pastor Everaldo, antigo aliado, hoje desafeto de Bolsonaro e que foi preso também na sexta-feira.


Emissários de Castro informaram aos bolsonaristas que o governador pretende ouvi-los sobre a sucessão na Procuradoria-Geral de Justiça do Rio, onde tramitam casos de interesse da família, como o inquérito do suposto esquema de "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa.


As negociações foram iniciadas antes mesmo da abertura de processo de impeachment contra Witzel. A indicação também serviria para tentar agradar a deputados estaduais, que temem as investigações do Ministério Público.


A Constituição fluminense impede a repetição, no caso da Procuradoria, da estratégia adotada pelo presidente, que ignorou os três nomes mais votados pela categoria ao escolher Augusto Aras para chefiar a PGR (Procuradoria-Geral da República).


O governador é obrigado a optar por um nome da lista tríplice eleita internamente.


Ainda assim, atender aos desejos da família presidencial poderá levar à quebra de uma tradição. Há 15 anos o nomeado é o mais votado da lista. Os candidatos também costumam se comprometer, por escrito, a recusar a indicação caso o escolhido não lidere o pleito entre seus pares.


Procurado por aliados à espera de uma orientação, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse que não pretendia se envolver diretamente na sucessão do governo, mas admitiu que preferiria ver Castro à frente da administração estadual.


O primogênito do presidente afirmou à Folha que "poderia ajudar mais uma pessoa que estivesse no lugar de Witzel", que, segundo ele, se mostrou um traidor.


A aliados Castro disse ainda que vai substituir a maioria dos secretários herdados da administração Witzel. A ideia é nomear deputados para áreas de seu interesse.


Não foi apenas a derrocada de Witzel que expandiu a força bolsonarista no domicílio eleitoral do presidente. A família –que já exerce grande poder na prefeitura do aliado Marcelo Crivella (Republicanos)– ganha musculatura quando o presidente da Assembleia é abalado por denúncias.


O petista André Ceciliano e o governador em exercício, Cláudio Castro, sofreram mandados de busca e apreensão na sexta-feira.


Os investigadores suspeitam que os dois tenham se beneficiado de um esquema de desvio dos duodécimos do Legislativo do Rio (valores repassados pelos governos estaduais para o custeio das Assembleias Legislativas, como prevê a Constituição).


Na mira da PGR, Castro precisa de sustentação política para se manter no cargo. Ele afirma que jamais tratou de distribuição de duodécimos com Ceciliano, como disse o ex-secretário de Saúde Edmar Santos em seu acordo de delação premiada.


Se Witzel e o vice Cláudio Castro estivessem impedidos de assumir a administração do estado, Ceciliano ocuparia o cargo de governador. Caso ele também fosse impedido, tomaria posse o presidente do Tribunal de Justiça do estado, o desembargador Claudio de Mello Tavares.


No caso do afastamento de Witzel e de Castro até dezembro de 2020, ou seja, no período correspondente aos dois primeiros anos do mandato que teve início em 2019, seriam realizadas novas eleições diretas.


Se o afastamento ocorresse depois de dezembro, no período correspondente aos dois últimos anos do mandato, a eleição seria realizada de forma indireta pela Assembleia Legislativa, que decidiria quem ficaria à frente do "mandato-tampão".


A eleição para o cargo de governador, direta ou indireta, só aconteceria no caso do afastamento definitivo de Witzel e de seu vice, observa a advogada constitucionalista Vera Chemim.


O afastamento definitivo, conforme a especialista, acontece em duas situações. Primeiro, se o político for condenado por crime de responsabilidade e sofrer um processo de impeachment.


Segundo, se for condenado por crime comum com sentença transitada em julgado. O artigo 92 do Código Penal prevê como um dos efeitos da condenação a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo.


Já a Constituição determina no artigo 15 que a perda ou suspensão dos direitos políticos se dá no caso de condenação criminal transitada em julgado (após esgotadas as possibilidades de recurso).


Na sexta-feira, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes revogou decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, de suspender a tramitação do processo de impeachment de Witzel na Assembleia do Rio.


Com isso, o ex-juiz terá mais três sessões para apresentar sua defesa. A expectativa é que em até duas semanas o parecer da comissão seja colocado para votação em plenário.


Nessa votação, os deputados devem decidir sobre a admissibilidade da denúncia contra Witzel.


Segundo o rito da Assembleia, se os deputados decidirem por maioria absoluta pelo recebimento da denúncia, o governador será afastado até que ocorra o julgamento definitivo.


Ainda que Witzel já tenha sido afastado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), a decisão dos deputados é importante porque abre caminho para o afastamento definitivo.


O julgamento final é realizado por um tribunal misto, composto por deputados estaduais e desembargadores. São eles que decidem se Witzel será ou não afastado definitivamente.