David Miranda ocupa o lugar de Jean Wyllys como deputado federal pelo PSOL em Brasília

Primeiro vereador assumidamente homossexual do Rio de Janeiro, David Miranda atuou por dois anos na cidade, onde conseguiu aprovar leis como a garantia do uso do nome social nos órgãos públicos pela população LGBT. Há dois meses, ocupa o lugar de Jean Wyllys como deputado federal pelo PSOL em Brasília.

Quando o senhor soube da decisão de Jean Wyllys de desistir do mandato?

Eu fiquei sabendo pelo Twitter no mesmo dia em que ele concedeu a entrevista na qual fala da decisão. O Jean é um grande companheiro de trincheiras e me deixou muito triste vê-lo sair por causa das ameaças que estava sofrendo.

Como foi o processo de transição?

Fui escolhido porque era o primeiro suplente de Jean Wyllys nas eleições do ano passado. Todo o processo teve uma sensação de desamparo muito grande da democracia, porque Jean era um parlamentar que fez um trabalho brilhantíssimo durante oito anos e precursor das pautas LGBT e dos direitos humanos no geral. Ele era muito combativo dentro do Congresso.

Como tem sido seu trabalho desde então?

Tomei posse no dia 1º de janeiro, como todos os deputados federais. Têm sido semanas longas, mas muito eficazes ao lado da bancada do PSOL, formada por parlamentares que sempre admirei muito. O trabalho é árduo, principalmente para entender os esquemas da Casa, das configurações da mesa diretora do PSOL, além dos acordos que existem dentro e fora dos corredores, que são complicados.

Quais são os principais objetivos para os próximos quatro anos?

O principal objetivo continua sendo as minorias, principalmente as pessoas LGBT. Vamos sempre escutá-los para saber seus anseios e o que precisa ou não ser falado aqui no parlamento. E promover leis que busquem a igualdade dentro da sociedade para combater o preconceito.

Quais são suas expectativas quanto à oposição?

A realidade é que estamos vivendo um show de horrores na Câmara nesse momento. São muitos parlamentares que não entendem muito como a coisa funciona. Não sabem nada, nem as leis que se pode ou não propor. Isso já configura um parlamento muito fraco – apesar do governo ter a maioria de representantes, eles são desorganizados. Já o campo progressista, por outro lado, tem um bom entendimento de tudo e estamos bem articulados. Além disso, queremos usar o descontentamento de parte da população com o atual governo a nosso favor.

Como isso será feito?

Temos um governo pautado por políticas homofóbicas, LGBTfóbicas, machistas, racistas e totalmente contra as minorias, bem como envolvido com episódios de corrupção e escândalos entre seus membros. Vamos dialogar com essa população descontente a fim de tomar a democracia de volta. É necessário que a população acorde e levante para poder saber as pessoas que estão lutando do lado dela.

O Superior Tribunal Federal (STF) está julgando a criminalização da homofobia. Qual é a sua posição quanto ao tema?

A homofobia é algo muito grave e que precisa ser combatida imediatamente. No entanto, não acredito que a criminalização seja a melhor saída no futuro. Acredito, sim, na ressocialização das pessoas que são contra nós, principalmente por meio da igualdade de gênero e de direitos.

Você e Marielle Franco eram muito próximos tanto na Câmara de Vereadores do Rio quanto na vida pessoal. O senhor vai continuar lutando pelas pautas dela?

Com certeza. Hoje, há outros representantes do PSOL que já apresentaram os projetos dela no município e no Estado do Rio Janeiro. Sem contar que todos nós somos sementes de Marielle. Ela foi uma criadora do PSOL, ela construiu a organização das mulheres dentro do partido e foi a primeira a incentivar que mais mulheres negras e trans estejam na política. Essas sementes vão continuar germinando no país.

Por que Jean e Marielle incomodaram tanto?

O PSOL bate de frente. Somos um partido completamente combativo: vamos às ruas e levamos movimentos a números extraordinários a cada ano. Conseguimos dialogar com a população. Esses caras não aceitam pessoas como nós: eu, Marielle, Jean, que são LGBTs, negros, favelados. Chegamos ao poder para falar pelos nossos que estão nas periferias, aqueles que são os primeiros que as balas encontram o corpo.

O senhor já foi ameaçado?

Sim. Já recebi inúmeras ameaças de morte por mensagens, ligações, postagens públicas. Mas é uma coisa que acontece naturalmente a todos nós que lutamos contra esse sistema.

O que as pessoas podem esperar do senhor como deputado?

Eu sou uma ferramenta para ser usada na democracia do Brasil. O nosso mandato é das pessoas, com atitudes coerentes e transparentes, para que possam se sentir representadas como num espelho. Elas podem ter certeza que seremos a voz de todos. Por isso é que estamos aqui