O dia 26 de março de 2025, uma quarta-feira, deixa para a história uma decisão do STF de forte valor simbólico para os brasileiros. Por unanimidade, os cinco ministros da Primeira Turma do Supremo tornaram réus seis militares, cinco do Exército e um da Marinha, por tentativa de golpe de Estado. Não há precedentes no país de representantes das carreiras fardadas levados a julgamento sob acusação de atentar contra a democracia.

A ação penal aberta pelo tribunal leva para o banco dos réus o ex-presidente Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército e outros cinco militares integrantes de seu governo: Paulo Sérgio Nogueira, general da reserva, ex-comandante do Exército, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, general da reserva, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil; Almir Garnier, almirante da reserva, ex-comandante da Marinha; Augusto Heleno, general da reserva, ex- ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Mauro Cesar Barbosa Cid, tenente-coronel da ativa, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Braga Neto e Mauro Cid cumprem prisão temporária. Na lista de réus também estão dois civis, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, delegado da Polícia Federal e ex-ministro da Justiça, e Alexandre Ramagem, também delegado da PF, deputado federal (PL-RJ) e ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Ao iniciar a ação penal, o STF fez valer a contundência da Constituição de 1988 ao estabelecer as bases da democracia: traduzidas em discurso no dia da promulgação: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.”

Os seis réus afrontaram a Carta Magna, segundo a denúncia aceita pelo Supremo. O texto produzido pela Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, nasceu do desejo da sociedade brasileira de sepultar a ditadura e consolidar o poder civil no país. A democracia instalada em 1988 se consolida no contraste com os governos militares implantados pelo golpe de 1964.

Ao invés das prisões arbitrárias, das torturas, das execuções sumárias e dos corpos desaparecidos, os acusados serão julgados dentro do devido processo legal, com direito ao contraditório e à ampla defesa. A Constituição substituiu a barbárie cometida em nome do Estado por normas forjadas pelo mundo civilizado. Essa é uma conquista da sociedade, o grande legado deixado pela geração que lutou pela redemocratização do país.

Decisão do Supremo sinaliza o fim da impunidade dos fardados

Pela força das denúncias, todas as previsões apontam para a condenação dos responsáveis pela tentativa de golpe na última transição de governo. Caso esse prognóstico se confirme, será quebrada a longa tradição de impunidade dos integrantes das Forças Armadas na história do Brasil.

Desde a derrubada do Imperador D. Pedro II para a instauração da República, em 1889, os militares tomaram o poder e derrubaram presidentes em diferentes momentos. Conspiradores e autoritários, pela força das armas, atuaram para tutelar o país.

Na última investida, afastaram o presidente João Goulart e governaram por 21 anos. Derrotados por uma ampla frente democrática, saíram desmoralizados em 1985. Nesse período, sob o comando das Forças Armadas, 434 adversários do regime foram mortos e, desses, 210 estão até hoje desaparecidos.

Nesse caso, mesmo tardiamente, ainda há possibilidade de punições. Em recente decisão, o Supremo decidiu que pode julgar os casos relacionados a desaparecimentos de vítimas. Entre civis e militares, a Comissão Nacional da Verdade apontou 377 responsáveis pelos crimes da ditadura. Pelo encaminhamento dos processos, Bolsonaro e os outros cinco réus serão julgados primeiro.

PGR pede arquivamento de investigação de Bolsonaro no caso das vacinas

Na quinta-feira, 27, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu ao STF o arquivamento da investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por suposta fraude do cartão de vacinação na época da pandemia. Gonet entendeu que não foram produzidas provas além da delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. O relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, decidirá se aceita o pedido do PGR.

Na Ásia, Lula aproximou o Brasil do Japão e do Vietnã, e mandou recados para Bolsonaro e Trump

O presidente Lula encerra neste fim de semana a viagem feita para o Japão e para o Vietnã com uma comitiva de mais de 100 convidados, entre ministros, políticos e empresários. Na agenda da jornada pela Ásia, o petista negociou acordos com os governos de Tóquio e Hanói; em entrevistas, exaltou a aproximação do Brasil com os dois países e, também, mandou recados para o ex-presidente Jair Bolsonaro e para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

No Japão, em uma agenda extensa, o principal objetivo de Lula foi mover esforços para reverter a queda no volume de comércio entre os dois países, que caiu de R$ 17 bilhões para R$ 11 bilhões nos últimos tempos. O presidente brasileiro também atuou para tentar viabilizar um acordo do Japão com o Mercosul. Em Hanói, Lula anunciou nesta sexta-feira, 28, que o Vietnã vai comprar carne brasileira pela primeira vez.

Nas entrevistas, o petista enalteceu a presença dos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, e de seus antecessores, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Lula disse que a presença dos políticos na viagem representa a normalidade democrática no Brasil.

Sobre a decisão do STF de tornar Bolsonaro réu, o presidente defendeu a presunção de inocência, mas disse que é “visível” que seu antecessor tentou dar um golpe no país. Afirmou, ainda, que não adianta Bolsonaro “ficar fazendo bravata”, que está sendo perseguido. “Só ele sabe o que ele fez, e ele sabe que não foi correto”, acrescentou.

Ao falar sobre os Estados Unidos, Lula disse que Donald Trump não é “xerife do mundo” e que, diante das tarifações do governo americano, o Brasil tem dois caminhos: entrar contra as medidas na OMC (Organização Mundial do Comércio) contra a taxação de 25% do aço e, se não obtiver êxito, aplicar a reciprocidade.