Da Agência Russa Sputnik News - O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) terá de rever os seus posicionamentos sobre o meio ambiente e o papel do Brasil no cenário de responsabilidade internacional quanto às mudanças climáticas, sob pena de prejudicar a economia nacional, segundo um especialista ouvido pela Sputnik Brasil.
O tema voltou à pauta em razão de uma declaração conjunta divulgada pelos governos de Brasil, África do Sul, Índia e China, conhecido como bloco BASIC, no qual o quarteto de países defendem o aumento das metas globais no combate à mudança do clima.
O documento do BASIC aborda temas que estarão em pauta na próxima Conferência do Clima (COP 24), marcada para ocorrer no próximo mês, na Polônia. Juntos, os 4 países somam 3 bilhões de habitantes, o que representa uma enorme parcela da população mundial.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o engenheiro ambiental David Zee, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pontuou que o BASIC reúne países com preocupações comuns, já que estão em desenvolvimento e ocupam a faixa tropical na qual o calor das mudanças climáticas terão um efeito maior.
"O importante é que todos esses países dependem muito do clima para alimentar a sua população, para distribuir a água, todos esses fatores primordiais para a qualidade de vida. E são países extremamente populosos, daí a importância dessa questão para a reflexão e decisão perante a COP24", destacou o especialista.
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A consequência das mudanças climáticas já em andamento no mundo, prosseguiu Zee, impactam a economia, desde o aspecto da produção de alimentos e produtos para consumo e exportação, até pela maior ocorrência de desastres ambientais, como furacões, incêndios, inundações e ressacas.
Para o professor da UERJ, se faz necessário que o BASIC apresente uma posição bastante ativa e protagonista na próxima COP24, uma vez que compõem o grupo os países que serão os "bois de piranha" – os primeiros a sofrerem as consequências – dos impactos de alterações climáticas por todo o globo. E isso deve estar no radar de Bolsonaro.
"O Brasil com certeza não vai estar alheio a isso. Eu diria que o presidente [Jair] Bolsonaro vai rever as suas posições, uma vez que ele vai ter bons conselheiros para orientá-lo, para explicar para ele que inclusive as mudanças climáticas vão afetar a nossa economia. A economia do Brasil é eminentemente agropecuária, então ela precisa do clima para uma produção agrícola pujante para poder alimentar a pecuária e daí fazer frente às exportações brasileiras. Com certeza ele [Bolsonaro] não está alheio a essas questões", afirmou.
Direitos x deveres
No documento divulgado pelos países do BASIC, o financiamento aparece como uma das prioridades a serem tratadas na próxima COP24. Autoridades do Brasil, África do Sul, Índia e China ressaltaram que os países em desenvolvimento precisam de ajuda financeira para cumprir metas climáticas – pelo Acordo de Paris, firmado em 2015, os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar US$ 100 bilhões para isso anualmente, a partir de 2020.
Na opinião de Zee, o aspecto financeiro da prevenção e mitigação das mudanças climáticas no mundo passa por uma cobrança mais firme de nações como o Brasil, o que significa o envio de uma delegação protagonista para o próximo encontro na Polônia.
"A todo direito corresponde um dever. Então [é preciso] saber os nossos deveres perante a responsabilidade do planeta e com isso também poder reivindicar direitos, qual seja o financiamento das ações preventivas e mitigação para conter essas mudanças climáticas, que o Brasil possa efetivamente participar com recursos e isso depende dos países desenvolvidos que têm também a sua responsabilidade", disse o engenheiro ambiental.
"Na medida em que eles exigem que países como o Brasil tenham cuidado e parcimônia no seu desenvolvimento, e desenvolva mecanismos e estratégias inovadoras para o desenvolvimento do país, é preciso que haja investimento, pesquisa e desenvolvimento de tecnologias, sem falar na questão da transferência dessa tecnologia e de parte desses recursos para financiar esses projetos que o mundo depende para sobreviver no futuro", acrescentou.
Pelo lado dos deveres brasileiros, o professor da UERJ alertou que Bolsonaro – crítico do Acordo do Paris durante a campanha presidencial, seguindo a cartilha do presidente estadunidense Donald Trump, no qual se espelha – precisará rever qualquer posição que se aproxime da ameaça de deixar o Acordo de Paris, feita durante a corrida ao Palácio do Planalto.
Pelo documento firmado há 3 anos, o mundo busca "manter o aumento da temperatura média global a bem abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais". Segundo as regras e metas apresentadas pelos países para a redução das emissões de gases de efeito estufa, o Brasil se comprometeu em reduzir 37% das emissões até 2025, com indicativo de reduzir 43% até 2030.
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Como o país ainda atravessa uma séria crise econômica, é preciso contar com a ajuda de parceiros brasileiros para que o Brasil possa se manter dentro de tais perspectivas ambientais e climáticas.
"O governo brasileiro precisa [...] pedir ajuda aos países desenvolvidos ou aos países parceiros do Brasil que dependem dessa linha de produção de alimentos, dessa linha de produtos naturais. Eles também têm responsabilidade solidária na medida em que compram esses produtos. Eles têm que começar a exigir do Brasil que seja feito de uma forma ambientalmente correta [...] é preciso participar em termos de financiamento de novas tecnologias, de equipamentos, de maquinários, e desenvolvimento de recursos humanos que possam atender à essas novas demandas para o futuro do planeta", explicou Zee.
O professor da UERJ também enxerga uma possibilidade real ao Brasil de desenvolvimento de uma nova mentalidade quanto à economia, que pode caminhar sim de mãos dadas com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, em contraponto aos temores gerados pela ampla influencia do agronegócio junto ao novo governo Bolsonaro.
"É preciso entender que água, clima, terra fértil e floresta em pé são instrumentos importantíssimos para o desenvolvimento econômico do país. Não é apenas a moeda. É preciso que haja entendimento, que o país é eminentemente agropecuário e é preciso que existam investimentos em tecnologias para maximizar o potencial, e isso deve ser incorporado como parâmetro na equação da economia do país", concluiu.