CONGRESSO

Petróleo, gás natural, ouro, diamante e minério de ferro. Entre as riquezas naturais do Brasil, muitas ainda encobertas pelas florestas virgens nas terras indígenas, os recursos inexplorados, pelo menos de forma legalizada, e que poderiam gerar renda e melhorar a economia.

Essa é a justificativa do governo federal ao encaminhar, no ano passado, um projeto de lei que libera a exploração dos recursos nas 448 reservas demarcadas que vivem diversas etnias – as áreas representam quase 13% do território nacional.

Desde 1973, uma lei federal proíbe qualquer tipo de extração nessas localidades, salvo realizada pela própria comunidade. A revogação do tema voltou a ganhar os debates após o presidente Jair Bolsonaro definir como uma das 35 pautas prioritárias para aprovação no Congresso Nacional e retomada do crescimento do país. Ao longo de 16 páginas, o projeto de lei traz diretrizes que regulamentam a exploração mineral e dos recursos hídricos para a geração de energia elétrica.

O texto ainda permite a realização de estudos técnicos que apontem as potencialidades e características mineralógicas das terras indígenas, inclusive de povos isolados, pela iniciativa privada – permanecem de fora da proposta as áreas de domínio direto das comunidades e em processo de demarcação.

Porém, conforme o projeto, está garantido a participação dos povos em todos os processos, que serão ouvidos desde a realização da pesquisa até o parecer pela exploração das terras, sem poder de veto.

Autorização do Congresso

Entre os mecanismos criados pela legislação para evitar a extração indiscriminada dos recursos naturais está a aprovação das atividades pelo Congresso Nacional. Com o aval dos parlamentares, também fica liberada a construção de estruturas como estradas, ferrovias, dutovias e instalações necessárias para operação e escoamento do produto. Antes de ser votado em plenário, o projeto de lei ainda deve passar por oito comissões só na Câmara dos Deputados.

Nas justificativas do projeto, assinadas pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, a falta de regulamentação do tema traz insegurança jurídica e consequências danosas para o país, como "não geração de conhecimento geológico, potencial de energia, emprego e renda; lavra ilegal; não pagamento de compensações financeiras e tributos; ausência de fiscalização do aproveitamento de recursos minerais e hídricos".

Indenizações

Caso a exploração das terras seja aprovada, o projeto do governo prevê indenizações às comunidades afetadas, conforme o "grau de restrição imposto pelo empreendimento". Ainda estão asseguradas a participação nos resultados da produção, com percentuais definidos para cada área: 0,7% para o setor de energia elétrica, de 0,5% a 1% para petróleo e gás natural e 50% da compensação financeira prevista pela exploração dos recursos minerais. 

Para a gerente de Projetos e Produtos do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues, a proposta do presidente Bolsonaro é uma grave ameaça aos povos indígenas no país. No ano passado, a entidade realizou um estudo sobre os impactos da exploração de ouro e diamante em toda a região da Amazônia Legal nos últimos 12 anos.

"O estudo conseguiu comprovar que o efeito da atividade minerária para os municípios é temporário. Na saúde, por exemplo, onde estão os piores resultados, os impactos positivos (com os recursos arrecadados pelas atividades) tiveram duração de no máximo três anos. Outros indicadores, como a educação e o PIB per capita, foram favoráveis por somente cinco anos", enfatizou.

Conforme a especialista, as atividades não conseguiram "quebrar a lógica de dinâmica da economia baseada no saque dos recursos naturais". Além disso, Larissa frisa que os lucros ficaram concentrados entre uma restrita parcela da população e ainda deixaram um rastro de pobreza e destruição ambiental. "Vemos com preocupação essa prioridade em aprovar um projeto que não traz desenvolvimento. Esse discurso não se sustenta", declara.

Violência institucionalizada

Áreas extremamente sensíveis aos conflitos, principalmente na região Norte, o desenvolvimento das atividades pode institucionalizar a violência que é praticada contra os povos indígenas, aponta a gerente do Instituto Escolhas. "Na vida real, isso se traduz em trabalho escravo, prostituição, entre outros impactos sociais negativos. E a construção das estruturas para a produção vai atrapalhar a organização das comunidades, já que leva muitas pessoas para essas regiões, por conta das obras e da própria atividade, além de abrir espaço para outras, como o roubo de madeira", destaca.

Mesmo proibida, a mineração já é uma realidade em cerca de 700 mil km² de florestas nas áreas demarcadas, segundo pesquisa realizada em parceria entre a Universidade de São Paulo (USP), UFMG, Instituto Socioambiental e Universidade de Queensland, da Austrália. E a regulamentação da prática pode aumentar em 22% a região afetada pela atividade. "Os garimpos atuais têm uma estrutura questionável, com máquinas pesadas, grandes operações e até 20 mil pessoas ligadas às atividades. São de grande porte, não aqueles empreendimentos artesanais", finaliza Larissa Rodrigues.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, que representam grande parte do povo indígena, foram procuradas pela reportagem para se manifestarem sobre o projeto, mas não responderam.

Tema parado há 30 anos no Congresso

Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (Abpm) e membro da Câmara de Atividades Minerárias, Luiz Maurício Azevedo alegou que a exploração das terras indígenas é um tema importante para o setor, porém, o projeto do governo necessita de mudanças.

"A questão está parada no Congresso há mais de 30 anos, mas entendemos que o texto precisa de emendas para torná-lo em acordo ao que se pratica no mundo, o que a sociedade quer para os povos indígenas e a própria mineração", argumenta.

A liderança do setor acrescenta ainda que é importante incluir as comunidades indígenas nas discussões do projeto, juntamente com representantes de outros setores da sociedade. "É um tema difícil, principalmente a possibilidade de garimpagem em terra indígena, que pode ser algo conflitante. Mas a iniciativa privada tem muito a contribuir nisso, com as melhores técnicas, para levar um novo modelo nessas regiões. Outras sociedades praticam a mineração em terra indígena, e inclusive se beneficiam disso, mas acho que o país ainda está longe de estar preparado e apto para isso", defendeu.

Procurado para se manifestar sobre o projeto e seus benefícios, o Ministério de Minas e Energia não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem.