Por Arnaldo César
Em texto publicado no Blog do Marcelo Auler, do Jornalistas pela Democracia
Desde que foi escorraçado pelo Planalto, o ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, não tem feito outra coisa na vida a não ser enaltecer as qualidades do presidente Jair Bolsonaro. Quem teve a pachorra do ouvir a entrevista por ele concedida à Rádio Jovem Pan, de São Paulo, na última terça feita (19/02), ficou nauseado com o excesso de mesuras com que ele obsequiou o seu antigo chefe e algoz.
De pés juntos, jurou que não irá mais apoquentar a pessoa pela qual enaltece como um “grande estadista”. Tratava do mesmo Jair Bolsonaro que, no dia dessa entrevista, andava às tontas pelo Planalto atrás do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Atormentava-lhe a hipótese de o assessor demitido vir a processá-lo por conta de honorários advocatícios que imaginava dever a Bebianno.
No seu jeitão polido com que costuma falar com os subordinados, disse o presidente-capitão, num telefonema flagrado por um repórter de O Globo: “Se ele (Bebianno), me cobrar isso, estou fodido. Vou ter que vender uma casa para poder pagá-lo”.
O ex-ministro, no melhor estilo “paz e amor” apressou-se em tranquilizar o mandatário. “O trabalho foi feito por acreditar na causa. Não vou cobrar nada”, mimoseou Bebianno.
Pela mesma razão, o ex-ministro disse ter recusado um empregão de diretor da hidrelétrica Itaipu Binacional. Algo que poderia lhe render a bagatela anual em salários e benefícios de mais de 1,1 milhão por ano. “Não estou atrás de emprego”, desdenhou o ex-ministro. Também teria desdenhado a oferta de ser nomeado embaixador do Brasil na Itália ou em Portugal.
Para quem foi chamado nas redes sociais e nos veículos de grande circulação de “mentiroso”, tamanha fidalguia é rara na história recente da República. E, olha que foi atacado tanto pelo filho Carlos Bolsonaro – também conhecido por “Zero Dois” ou “Carlucho” – como pelo próprio Jair Bolsonaro!
Contraditoriamente às mesuras e sinalizações do estilo “paz e amor”, no Instagram Bebianno trocou sua foto. Retirou a que aparecia ao lado do presidente – ao qual só trata como “capitão” – substituindo-a por outra na qual empunha uma pesada arma de fogo. Teoricamente, sinaliza que ainda tem munição para sair dando tiros. Temor maior do presidente-capitão e da trupe que o envolve, notadamente os militares. Afinal, sabem que o ex-secretário-geral da Presidência guarda segredos desde a época da campanha.
Quem se deu o trabalho de observar a trajetória de Bebianno ao lado do presidenciável e agora presidente eleito Jair Bolsonaro ficou com a sensação de que o desconhecido advogado e administrador de empresas carioca é comparável àquelas moças oportunistas que rondam os centros de treinamentos dos grandes times de futebol, em busca de um marido-jogador promissor. São as populares “Marias Chuteiras”.
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Profissional sem maiores expressões, Bebianno e o seu grupo de amigos viram, em 2017, na candidatura do “capitão” uma grande oportunidade de ascensão política e econômica. Com ajuda de amigos, aproximou-se do então deputado federal Jair Bolsonaro e, rapidamente, transformou-se no seu mais leal assessor. A ponto de provocar ciúmes e iras dos filhos do chefe.
Ainda da época em que cursava direito na PUC-RJ e lutava jiu-jítsu, o cordato Bebianno aproximou-se de Nelson Tanure, um empresário baiano que se especializou em comprar empresas encrencadas, na “bacia das almas”, para revendê-las, posteriormente, com um bom lucro. Foi o que tentou fazer com o Jornal do Brasil e o estaleiro Verolme.
Trabalhando ao lado de Tanure, Bebianno conheceu um outro de seus atuais “amigos de infância”, o controvertido Paulo Marinho. Notório por conquistar mulheres do jet set e do meio artístico (namorou a socialite internacional Odile Rubirosa e se casou com a atriz Maitê Proença), Marinho é uma daquelas figuras do meio empresarial que tem por hábito tirar as meias sem descalçar os sapatos.
Marinho esteve ao lado da família Medina, quando do lançamento do Rock in Rio, depois bandeou-se para o conglomerado de Tanure, de quem foi sócio. Hoje, estão atritados. Discutem nos tribunais no Brasil e nos Estados Unidos uma bolada de US$ 40 milhões por conta de serviços prestados nos Estaleiros Verolme. Briga de cachorro grande!
Isso não impediu, contudo, que Bebianno indicasse Marinho para ser o primeiro suplente na chapa vitorioso de Flávio Bolsonaro ao Senado, pelo PSL-RJ. Como retribuição, Marinho cedeu sua mansão, no nobre bairro do Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio, para ser um dos quartéis generais da campanha do capitão Bolsonaro.
Lá, eram gravados os vídeos para o programa eleitoral gratuito nas rádios e TVs da campanha de Bolsonaro. A camaradagem entre eles evoluiu a tal ponto, que o filho de Paulo Marinho, André, foi escalado como tradutor do então presidenciável que não domina o inglês.
Bonachão e bom de imitação, André consegue arremedar o “capitão” com perfeição. Tanto que chegou a gravar alguns spots para os programas eleitorais radiofônico como se fosse o candidato Bolsonaro.
Não se iludam! A exemplo das “Marias Chuteiras”, Bebianno e seu amigo Paulo Marinho não entraram nessa aventura por admiração ao “carisma” e à “inteligência” do “mito” que chegou ao Planalto com as eleições de 2018. Estão nessa por negócios.
O chamado “núcleo militar” do atual governo já vinha percebendo isso há algum tempo. Tanto que nas reuniões de montagem dos ministérios, Bebianno estava proibido de participar das discussões. Só foi incorporado a elas quanto já não tinham muitas coisas para decidir e ninguém mais para ser indicado.
Bebianno trocou os pés pelas mãos quando chamou para uma conversa em seu gabinete o vice-presidente de Relações Institucionais do Sistema Globo, Paulo Tonet. Acabou atravessando os entendimentos com o lobista global que já tinha se reunido com os generais Augusto Heleno e Santos Cruz. Foram eles que avisaram Bolsonaro – internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo – sobre a ligeireza com que Bebianno desejava ficar de bem com o grupo Globo.
Bebianno sentiu o golpe. Durante cinco dias foi fritado em praça pública antes de ser catapultado para o olho da rua. Ao sentir que não tinha volta, ainda impôs condições. Obrigou o presidente-capitão a humilhar-se em um vídeo no qual, mesmo anunciando sua demissão, reconhecia os bons serviços prestados por aquele que estava sendo demitido.
Como todo bom perdedor, Bebianno pode estar fazendo uma retirada estratégica.
Voltará, certamente, num futuro próximo quando a poeira estiver baixada. Nessa ocasião, certamente recorrerá a algumas munições que guarda relacionadas aos intestinos da campanha e deste início de governo dos Bolsonaros. Sabem que esse tipo de munição sempre se torna útil.
Aí sim, para propor grandes e lucrativos “negócios”, não necessariamente do interesse da população e do bem-estar do país. Afinal, como tem sido demonstrado nesse mês e meio de exercício do Poder, o grupo que assumiu o Planalto, além de ideias e posições destrambelhadas, costuma jogar muito mais com interesses pessoais do que os interesses da coletividade. Bebianno pode não “decepcionar” os seus. Resta ver como os generais e demais militares levados de volta ao Poder tentarão neutralizá-lo.