EM BRASÍLIA

O tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), prestará novo depoimento à Polícia Federal (PF) nesta segunda-feira (11). O militar será ouvido no âmbito da investigação sobre um suposto plano de golpe de Estado em 2022. Cid firmou acordo de delação premiada com a Justiça e, nessa condição, pode ser chamado para depor várias vezes.

Informações prestadas pelo militar e encontradas pela PF em aparelhos apreendidos embasaram operações deflagradas nos últimos meses. Entre elas, a que apontou a existência de uma "organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, para obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente da República no poder".

Bolsonaro foi alvo dessa operação, chamada de Tempus Veritatis (ou "tempo de verdade", em latim), assim como nomes de seu entorno. Parte do grupo prestou depoimento à PF, mas a avaliação é que lacunas precisam ser esclarecidas. As diligências foram autorizadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. 

Em 1º de março, o ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, prestou depoimento por cerca de oito horas. Ele teria confirmado a existência de uma “minuta golpista”, atribuiu a Bolsonaro a manutenção dos acampamentos nos quartéis após o resultado nas eleições de 2022 e corroborou com a delação de Mauro Cid.

De acordo com a PF, Freire Gomes foi xingado pelo general Walter Braga Netto, que foi ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa Bolsonaro em 2022, por recusar aderir ao plano de golpe de Estado.

Citações apontam que Bolsonaro ordenou pessoalmente ajustes em uma minuta de golpe. O documento tinha, ao final, ordens de prisão para diversas autoridades, como Moraes, o também ministro do STF Gilmar Mendes e o presidente do Congresso Nacional e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Sobre Moraes, agentes da PF identificaram que o ministro tinha sua agenda, o deslocamento aéreo e a localização monitorados por um "núcleo de inteligência paralela" integrado pelo entorno de Bolsonaro.

A troca de conversas de uma reunião ministerial em julho de 2022, encontrada em um vídeo no computador de Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), "nitidamente revela o arranjo de dinâmica golpista" na "alta cúpula do governo" do ex-presidente, segundo a PF.

O material mostra Bolsonaro dizendo a todos os seus ministros que era necessário agir antes das eleições para que o Brasil não virasse “uma grande guerrilha”. O então presidente manifestou preocupação com a possibilidade de ser preso por "atos antidemocráticos" ao descer a rampa do Palácio do Planalto, a sede administrativa do governo federal em Brasília (DF), onde aconteceu a reunião.

Ainda na reunião, o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno afirmou: "Se tiver que virar a mesa é antes das eleições", acrescentando que não teria "VAR". Ele disse ter sua visão "clara" de que seria necessário "agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas".

Heleno afirmou, inicialmente, que teria conversado com o então diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Vitor Carneiro para "infiltrar agentes nas campanhas eleitorais", alertando sobre o risco de descoberta. Bolsonaro o interrompeu e pediu que conversassem de forma reservada depois.

As apurações apontam que o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas eleições presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, para tentar viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital.

De acordo com a investigação, o primeiro eixo consistiu na construção e propagação da versão de fraude nas eleições de 2022. Isso ocorreu por meio da disseminação falsa de vulnerabilidades das urnas eletrônicas de votação, discurso reiterado pelos investigados desde 2019 e que persistiu mesmo após os resultados do segundo turno do pleito em 2022.

A PF apontou que o segundo eixo de atuação consistiu na prática de atos para "subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito, por meio de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais no ambiente politicamente sensível".