'CONFIANÇA'

Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro escalão do governo pressionam o petista a demitir o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando Corrêa. A avaliação é a de que fazer trocas internas, mas manter o “número um” no cargo não acaba com a suposta contaminação do órgão pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

 A análise também passa pelo entendimento de que Corrêa falhou ao não mudar sua equipe após escândalos. Somente na última terça-feira (30), Lula dispensou o diretor-adjunto da Abin, Alessandro Moretti, (o “número dois”), escolhido por Corrêa mesmo com vínculo com o governo Bolsonaro. Moretti assumiu a Inteligência da Polícia Federal (PF) em março de 2022, e foi nomeado para o cargo no principal órgão de inteligência do governo federal sob a gestão Lula.

Ele virou alvo com os desdobramentos das operações sobre o esquema de espionagem ilegal na Abin, no governo Bolsonaro. A primeira operação da PF, chamada de Última Milha, foi deflagrada em outubro de 2023. A segunda, Vigilância Aproximada, teve duas fases desde 25 de janeiro. A PF ainda apontou que a atual direção da Abin, sob o comando do governo Lula, tentou interferir nas investigações sobre o uso do software espião FirstMile.

Lula também fez trocas em sete diretorias da Abin, mas esses nomes não foram revelados oficialmente. Em outubro, após a Última Milha, o governo já tinha exonerado o “número três” do órgão, o então secretário de Planejamento e Gestão Paulo Mauricio Fortunato Pinto. Na época, a PF apreendeu US$ 171,8 mil em espécie na casa dele.

Interlocutores da Esplanada dos Ministérios frisam que o alerta de Lula deveria ter sido ativado já em outubro, especialmente por conta da suposta ligação de Moretti com o diretor da Abin no governo Bolsonaro, Alexandre Ramagem. A proximidade entre os dois foi citada por Lula em entrevista à CBN Recife na terça-feira.

Sem citar diretamente o nome de Moretti, o presidente disse que dentro da Abin “tinha um cidadão que mantinha relação com Ramagem" e que "se isso for verdade, não há clima para esse cidadão continuar". Lula reforçou possuir “muita confiança” em Corrêa, e o chamou porque “não conhecia ninguém da Abin”. Depois, deixou claro que foi Corrêa o responsável por montar a própria equipe, que contou com Moretti.

O principal receio é que a permanência de Corrêa no cargo ocasione o efeito GDias, episódio decorrente dos ataques do 8 de janeiro de 2023, que terminaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília (DF). Na época, o general Marco Edson Gonçalves Dias (o GDias) estava há uma semana no comando do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável pela guarda da Presidência, e ainda não tinha investido em trocas em seus subordinados.

Depois dos ataques, houve uma limpeza funcional no GSI, por ordem de Lula, em uma medida chamada internamente de “desbolsonarização” do órgão. Foram exonerados cerca de 90 servidores e nomeados outros para as funções, após o aval do governo. Desdobramentos dos atos, no entanto, não firmaram GDias no cargo, e ele deixou o governo em abril.

Nesse cenário, aliados de Lula avaliam que o petista estaria cometendo com Corrêa o mesmo “erro” de GDias, de “confiar demais” sem saber o que há por trás de cada parede, ainda que os chefes dos órgãos sejam isentos de ações ilegais. Os interlocutores questionam, por exemplo, quem mais estaria tendo acesso aos dados da Abin, e quais ações estariam tendo sob posse dessas informações. Ainda, que sem uma reestruturação completa, não é possível garantir o sigilo que o órgão de inteligência exige.

Outra pressão pela troca de Corrêa vem do senador Renan Calheiros (MDB-AL), cacique político que retomou vínculo com Lula na campanha eleitoral de 2022. O alagoano assumirá, neste mês de fevereiro, o comando da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, e trabalha para ter acesso à íntegra do inquérito que mirou Ramagem.  

 

O TEMPO