Fernando Haddad não é mais colunista da Folha de S. Paulo. O ex-prefeito e um dos presidenciáveis petistas publicou neste sábado sua carta de despedida, depois de ser vítima de um ataque rasteiro num editorial do jornal, que não quis se retratar. Haddad foi agredido depois de defender a candidatura presidencial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reagindo a um artigo de Eliane Cantanhêde, chamado "O pino da granada" e que foi publicado no Estado de S. Paulo, em que ela pressionava os ministros do Supremo Tribunal Federal a não devolver os direitos políticos de Lula, a despeito de todas as evidências de suspeição do ex-juiz Sergio Moro.

Insatisfeita com a defesa do estado de direito feita por Haddad, a Folha partiu para a agressão, no editorial Filme antigo, publicado em 3 de janeiro. "Fernando Haddad assumiu o papel de poste e a chapa surfou nos votos que Lula ainda era capaz de amealhar, sendo derrotada por Jair Bolsonaro no segundo turno sem conseguir apoios expressivos. Talvez esperançoso por uma nova chance, Haddad lançou no fim do ano passado a candidatura do ex-chefe em 2022, algo que depende de um complexo arranjo legal", escreveu a Folha, que ainda defendeu a tese de Ciro Gomes, que foi para a Paris, de que a "desunião da esquerda" é culpa do PT.

Inconformado e sem direito a uma retratação do jornal, Haddad, que representa um amplo setor da sociedade brasileira, chegou à conclusão de que a Folha segue alimentando o antipetismo, que está na raiz da ascensão fascista no Brasil, e também teses como a da falsa simetria entre ele, moderado professor social-democrata, e um fascista como Jair Bolsonaro. Por isso tomou a decisão de publicar sua carta de despedida, decisão que terá certo custo político, mas que preserva sua coerência.
 
"Quando fui convidado para ser colunista da Folha, relutei em aceitar. Na época, me incomodava o posicionamento do jornal no segundo turno das eleições de 2018. Pareceu-me uma falsificação inaceitável um órgão de imprensa que apoiou o golpe militar de 1964 equiparar, em editorial, um professor de teoria democrática a uma aberração saída dos porões da ditadura. Àquela altura, a Folha já sabia que a família Bolsonaro era autoritária e corrupta, mas entendia que a agenda econômica neoliberal de Paulo Guedes compensaria o risco. Teria sido mais correto assumir isso publicamente", escreveu Haddad no artigo deste sábado.

"Aceitei o convite, no entanto, porque intuía que o governo Bolsonaro traria graves consequências ao país, o que exigia da parte de todos uma disposição ainda maior ao diálogo. Na semana passada, ocorreu um episódio insólito. Uma jornalista sugeriu, em artigo publicado no Estadão, que o STF mantivesse a condenação de Lula e desconsiderasse as provas de parcialidade de Moro. E por quê? Para evitar que Lula seja candidato em 2022, o que, supostamente, favoreceria a candidatura de Bolsonaro. Reagi, nas redes sociais, afirmando que, diante de tanta infâmia e covardia, restava ao PT reafirmar os argumentos da defesa de Lula e relançá-lo à Presidência", prosseguiu o ex-prefeito.


Ataque ao estilo bolsonarista

"Em editorial, segunda-feira (4/1), este jornal resolveu me atacar de maneira rebaixada. Incapaz de perceber na minha atitude a defesa do Estado de Direito, interpretou-a como tentativa oportunista de eu próprio obter nova chance de disputar a eleição presidencial, ou seja, que seria um gesto motivado por interesse pessoal mesquinho. Simplesmente desconsiderou que, nos últimos dois anos, em todas as oportunidades, inclusive em entrevista recente ao jornal, defendi sempre a mesma posição, qual seja, a precedência da candidatura de Lula", afirmou. "Ao me desqualificar mais uma vez, inclusive com expediente discursivo desrespeitoso, ao estilo bolsonarista, esta Folha demonstra pouca compreensão com gestos de aproximação e sacrifica as bases de urbanidade que o pluralismo exige. Infelizmente, constato que, nos momentos decisivos, a Folha, em lugar de discutir ideias, prefere agredir pessoas de forma estúpida", pontuou.

"O jornal tem méritos que não desconsidero, mas não vejo como manter uma colaboração permanente com este veículo. Por fim, a julgar pelo histórico dos políticos que a Folha veladamente tem apoiado, penso que ela deveria redobrar os cuidados antes de pretender deslegitimar alguém", advertiu. Confira ainda o tweet de Haddad, que motivou o ataque do jornal:


Fernando Haddad
@Haddad_Fernando
Depois de tanta infâmia, tanta violência, tanta mentira, os caminhos para o Brasil podem se reabrir: #LulaPresidente2022
 ·29 de dez de 2020