Ainda assim, o manteve no cargo até 1º de junho deste ano. Cinco dias após Vannucchi sair do posto, foi preso em operação da Polícia Civil.

Pela versão oficial, o próprio funcionário pediu para deixar a Corregedoria e o governo não desconfiava da iminente operação policial.

Como corregedor da Fazenda, ele era o responsável por apurar eventuais más condutas de agentes fiscais de rendas, profissionais que fiscalizam e arrecadam tributos aos cofres públicos paulistas.

Segundo o Ministério Público, há indícios de que ele teria cobrado propina para engavetar apurações da Fazenda sobre fiscais de rendas.

Nomeado ao posto para um mandato de quatro anos em janeiro de 2016, na gestão Geraldo Alckmin (PSDB), Vannucchi já estava sob investigação havia quase um ano quando o ex-governador renunciou ao cargo para disputar a eleição presidencial, em 2018.

Mesmo assim, continuou como "fiscal dos fiscais" nos oito meses da administração Márcio França (PSB) e por mais cinco na de João Doria (PSDB). Na gestão atual, era subordinado do secretário da Fazenda, Henrique Meirelles.

Em busca e apreensão na casa da ex-mulher dele, policiais encontraram um cômodo secreto, com US$ 180 mil (quase R$ 700 mil) em espécie.

Solto no fim de junho, tornou-se réu sob acusação de lavagem de dinheiro e teve bens da família bloqueados em até R$ 20 milhões. Ele responde aos processos em liberdade.

As suspeitas sobre Vannucchi começaram em um inquérito civil do Ministério Público de São Paulo de 2016, motivado por duas representações de pessoas que apontavam o patrimônio do corregedor da Fazenda como incompatível com sua renda.

Nessa época, o presidente da Corregedoria-Geral da Administração do governo Alckmin, Ivan Francisco Pereira Agostinho, foi informado pelos promotores do inquérito e decidiu abrir sua própria apuração interna: a investigação preliminar 88/2017, "objetivando a apuração de enriquecimento ilícito".
 
Só em 4 de junho deste ano, dois dias antes da prisão de Vannucchi, o governo João Doria informou ao Ministério Público que essa investigação preliminar do governo havia sido encerrada.
O estado achou indícios de que o ex-corregedor da Fazenda havia enriquecido ilicitamente e foi recomendada a instauração de um "procedimento disciplinar punitivo".

Em ofício, a atual presidente da Corregedoria-Geral, Vera Wolff Bava, disse que esse procedimento disciplinar seria tocado com base num decreto que pede sua instalação "à vista do relatório que constate evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades que compõem o patrimônio do respectivo agente público".

Quase dois meses depois, em 29 de julho, a Corregedoria-Geral encaminhou cópias do procedimento ao Ministério Público, "para análise sobre a possibilidade de instalação de ação civil pública".

Apesar dessa investigação do Governo de São Paulo correr há mais de dois anos, por meio da Corregedoria-Geral da Administração, a Secretaria da Fazenda afirma que não sabia da apuração.

Em 13 de junho, o Sinafresp (sindicato dos agentes fiscais de rendas) disse em comunicado à secretaria que a categoria havia recebido a notícia da prisão "com grande indignação". Informou que aquilo era "motivo mais que suficiente para desligamento" de Vannucchi dos seus quadros e criticou o governo.

"Choca-nos ainda mais que esses atos sejam imputados a um agente fiscal de rendas escolhido pela administração para chefiar os trabalhos da Corregedoria de Fiscalização Tributária, órgão responsável justamente pelo combate a esses tipos de desvios", diz nota assinada pelo vice-presidente da entidade Glauco Honório.

Internamente, o sindicato também passou por conflitos: um dos chefes do conselho de representantes do Sinafresp renunciou por ter ligações com Vannucchi.

O gabinete do secretário Henrique Meirelles respondeu ao Sinafresp no mês seguinte, em ofício assinado pelo coordenador da Controladoria da Fazenda Jaime Alves de Freitas. Ele disse que "a atual administração não tinha conhecimento dos fatos que eram imputados ao ex-corregedor".

"Importante ressaltar que o seu afastamento da Corregedoria de Fiscalização Tributária se deu em função de renúncia apresentada pelo mesmo, haja vista que exercia função respaldada por mandato e, portanto, não era suscetível de exoneração por parte da administração fazendária."

Após a prisão do ex-corregedor, o governo do Estado o retirou de dois conselhos dos quais ele fazia parte: da Cetesb (órgão ambiental) e do Metrô.

Como foi revelado pela Folha de S.Paulo, ao contrário de Vannucchi, funcionários da Secretaria da Fazenda quase foram expulsos por denunciarem suspeitas de irregularidades.

Um deles, Henrique Poli Júnior, voltou a ser alvo do Estado depois de ser absolvido pelo Tribunal de Justiça por ter uma "conduta irrepreensível" e enviar dados sobre a chamada "máfia do ICMS" ao Ministério Público.

A Procuradoria-Geral do Estado recorreu e continua tentando demiti-lo do governo.
Outro, João Ribeiro, que chegou a ser expulso e foi readmitido em 2011 por decisão judicial, briga na Justiça para receber valores de meses em que ficou fora da ativa.

Outro lado
 
Procurado, o advogado de Vannucchi, Salo Kibrit, afirma que tenta reverter medidas judiciais que foram impostas a ele, como o bloqueio de bens.

O ex-corregedor da Fazenda nega ter cometido irregularidades. A reportagem não conseguiu localizar o advogado que o defende no processo interno do governo.
 
A Secretaria da Fazenda afirma que a apuração da Corregedoria-Geral da Administração foi conduzida de forma sigilosa e "somente em 11 de junho de 2019 a Secretaria da Fazenda e Planejamento tomou conhecimento de tal apuração e de seu resultado".

"O procedimento disciplinar destinado a apurar a responsabilidade de Vannucchi encontra-se em andamento, aguardando documentação complementar do Ministério Público do Estado para melhor instrução do processo."

A Corregedoria-Geral da Administração, que é subordinada à Secretaria de Governo, informou que a apuração foi concluída em 4 de junho e recebida pela Fazenda no dia 11.
 
"Enquanto não se chega à conclusão da apuração preliminar, não há fundamento para a recomendação de afastamento", afirma o órgão em nota. "Neste caso, a CGA não recomendou o afastamento porque a exoneração do servidor já tinha ocorrido."