TOMA LÁ, DÁ CÁ

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Levantamento feito pela Folha de S.Paulo mostra que 110 deputados e senadores concentraram, sozinhos, emendas enviadas a municípios de prefeitos aliados que terminaram reeleitos em 2024 e que, portanto, podem ajudar em suas campanhas em 2026.

A análise considerou os parlamentares que destinaram 70% ou mais das emendas individuais recebidas por essas cidades nos últimos dois anos. Com os repasses, esse grupo seleto de congressistas reinou quase sozinho, em termos de verbas, em 216 municípios de correligionários.

Na prática, isso significa que prefeitos e prefeituras exibem fotos e vídeos de ambulâncias, pavimentações e outros investimentos viabilizados com o dinheiro enviado pelos congressistas, projetando seus nomes como opção única entre a população local, sobretudo no período pré-eleitoral.

As cidades beneficiadas por esse conjunto de parlamentares são menores e mais pobres que o geral: 84% delas têm até 20 mil habitantes (contra 69% no país) e 38% registram um índice de desenvolvimento humano "baixo" ou "muito baixo" (contra 25% no país), considerando o IDHM 2010.

A maioria delas se concentra em apenas três estados - Minas Gerais (28%), Bahia (17%) e Piauí (10%).

Já os 110 congressistas analisados integram partidos da esquerda à direita, sendo as legendas que mais aparecem MDB (21), PL (19), PSD (15) e PT (12). Pouco mais da metade desses políticos "reina" em dois ou mais municípios com suas emendas, enquanto a outra metade predomina em apenas um município.

Graziella Testa, cientista política e professora da FGV, explica que enviar emendas a redutos eleitorais não é um problema em si, já que, em princípio, esse dispositivo foi criado para descentralizar o orçamento e garantir verbas para demandas locais de regiões não alcançadas pelo governo federal.

"A questão é o uso eleitoral das emendas. Esse risco é muito aguçado quando elas são de cunho individual. O ideal - e se discute isso desde 1992 no Brasil, com o escândalo dos anões do orçamento - é que elas sejam predominantemente coletivas, o que tornaria mais difícil usar os recursos na competição política direta", diz.

Ela acrescenta que os fundos partidário e eleitoral já servem para isso: "A gente já financia muito bem os partidos e as eleições por meio do dinheiro do Estado".

A Folha de S.Paulo mostrou que 98% dos prefeitos mais turbinados com emendas individuais durante o mandato se reelegeram no ano passado, índice acima dos 85% totais do país. O valor dos repasses tem crescido de forma substancial desde 2020, tanto no governo de Jair Bolsonaro (PL) quanto no de Lula (PT).

Agora, a reportagem analisou as chamadas "notas de empenho" das emendas individuais - que detalham, por exemplo, se uma mesma doação foi para mais de uma cidade. Foram incluídos apenas os favorecidos do tipo administração ou fundo público, sem contar ONGs, por exemplo.

Quem mais domina cidades sozinho é o deputado Pinheirinho (PP-MG), principal destinador de recursos a 11 municípios de Minas Gerais. Juntos, esses locais somam cerca de 80 mil habitantes, o que corresponde a quase 60% dos votos que ele recebeu em 2022, quando foi o 11º mais votado entre 53 eleitos.

"Um presente de Natal para Queluzito!", comemorou o prefeito Danilo Albuquerque, também do PP, em postagem de dezembro que anunciava o recebimento de R$ 250 mil em emendas do parlamentar. "Agradeço de coração ao deputado Pinheirinho pelo apoio e pela parceria de sempre", escreveu.

Três meses antes, os dois saíram em carreata pelo município de 2.000 habitantes para pedir votos a Albuquerque. "Essa união é essencial para construirmos o futuro que Queluzito merece", publicou o prefeito. Pinheirinho também é o único doador de Amparo da Serra e Pai Pedro (MG).

Procurado pela reportagem por mensagens e por meio de sua assessoria, ele não respondeu.

Depois dele, aparecem empatados em segundo lugar o senador Marcelo Castro (MDB-PI) e o deputado Gervásio Maia (PSB-PB), que dominam as emendas enviadas a seis prefeituras aliadas de seus estados.

Jurema, município de 4.400 habitantes no extremo sul do Piauí, foi o que recebeu a maior quantia por pessoa (R$ 788) do senador nos últimos dois anos. A cidade deu uma votação expressiva a Castro em 2018 (47% dos votos válidos) e reelegeu a prefeita Dra. Kaylanne, também do MDB, em 2024.

Castro tem um histórico de emendas destinadas a obras executadas por empresas de familiares no Piauí, reveladas por diferentes veículos nos últimos anos.

Em maio do ano passado, por exemplo, o Ministério Público Federal abriu um inquérito civil para investigar o direcionamento de uma licitação para um mutirão de cirurgias de catarata feito com emendas suas. O responsável seria o hospital de seu sobrinho, Thiago de Castro, segundo reportagem da revista Veja.

Questionado, Castro não se manifestou. O mandato de oito anos do senador termina em 2026, portanto ele pode tentar se reeleger.

Caso também decida concorrer novamente, o paraibano Gervásio deve ter a ajuda dos prefeitos aliados reeleitos de Jericó, Mato Grosso, Alagoa Nova, Santa Cecília, Pedro Regis e Cassarengue, cidades onde ele foi o principal doador e cujas populações somadas representam 74% dos 69 mil votos que recebeu em 2022.

A cidade mais beneficiada foi Mato Grosso, onde ele teve seu melhor resultado (65% dos votos válidos) e ajudou a reeleger a prefeita Gidalva Lima, também do PSD. "Carreata histórica em Mato Grosso confirma: no dia 6 de outubro, é Gidalva Lima", publicou o deputado a dias da eleição.

Gervásio afirma que já mandava emendas ao município mesmo quando o ex-prefeito era seu adversário, assim como faz com outras cidades, e que em seus seis mandatos, como deputado estadual ou federal, sempre buscou melhorias para a Paraíba como um todo, sendo criterioso nas emendas.

"Nossa historia política vem dessa região de Catolé do Rocha, então, para qualquer lado que você for, vai ver benefícios conquistados pelo nosso trabalho. O problema é que a repartição do bolo da União sempre foi muito injusta, o Nordeste sempre foi muito preterido", diz.