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string(47) "Ciro Gomes: 'Bolsonaro já perdeu essa batalha'"
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O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) acusou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de estar formando ‘milícias’ dentro de quartéis de polícias militares de todo o Brasil para inflar manifestações pró-democracia nas ruas. De acordo com Ciro, em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, a intenção do grupo é ‘produzir cadáver’ nos movimentos previstos para acontecer no próximo domingo.
Ciro, que lançou no último sábado o livro “Projeto Nacional: O dever da esperança”, traz na obra pistas de soluções para os principais problemas vividos no Brasil nos últimos anos. Na entrevista, o ex-ministro também fez projeções para a saúde e a economia com a pandemia do novo coronavírus. Os estudos feitos pela sua equipe apontam que, até agosto, 80 mil a 125 mil brasileiros devem perder a vida por complicações causadas pela COVID-19. Além disso, é estimada uma queda de até 11% no PIB nacional.
O ex-ministro teceu elogios ao prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD) pela forma com que a pandemia tem sido combatida na capital mineira e criticou o governador Romeu Zema (Novo). Na visão de Ciro, Zema tem cometido erros na gestão da crise em Minas.
“O Kalil está em linha com as melhores práticas internacionais e com as recomendações da ciência. O Zema está propondo um erro que foi cometido em Milão. Está cometendo o erro de Madri. Fizeram a retração, em seguida, não vendo os números crescer, afrouxaram fora de hora e explodiu na Itália e na Espanha. E explodir aqui não é estatística, é muita gente morta. Mas é exatamente a situação de Minas Gerais hoje”, afirmou.
Na entrevista, Ciro detalhou sua atual relação com o Partido dos Trabalhadores (PT) e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-governador do Ceará também comentou sobre a aproximação de Bolsonaro com o Centrão.
Confira, na íntegra, a entrevista com Ciro Gomes.
No livro você detalha um projeto no qual dá pistas para a solução dos problemas do Brasil. Quanto tempo você levou para estudar tudo e quais foram suas principais inspirações?
A última forma demorou três anos, porque eu desci para fazer um conjunto de debates, avaliações sobre a geografia econômica do país. Mas ele é fruto, também, de experiência de vida. Eu tenho essa dupla tarefa de militante político, eleitoral, de vez em quando eu estou nas conveniências da linguagem da política, da eleição, e esse esforço acadêmico. Agora resolvi ter clareza acadêmica e desconsiderar os riscos de incompreensões porque acho gravíssimo que o Brasil encerre essa confrontação de ódios e afetos com alguma coisa minimamente racional e que a gente entenda estruturalmente o problema brasileiro e abra uma discussão sobre como resolver o problema. Para resolver o problema, como ele é muito complexo, é necessário um arco de forças da sociedade e da política, portanto, é necessário um grande entendimento entre produção e trabalho. O inimigo aqui é o interesse estrangeiro que não vai deixar o Brasil se autonomizar, porque é uma guerra de mercado, guerra de autonomia de protagonismo geopolítico. Ninguém vai nos facilitar o caminho, nem China, nem Estados Unidos, nem Europa, nem ninguém. De outro lado, o inimigo interno é o rentismo. Eu mostro números de como o Brasil há décadas tem sido explorado, trabalhador e produção.
O Brasil, nessa terça-feira, bateu mais um triste recorde de mortos e passou da marca de 31 mil óbitos. Qual o cenário você enxerga para o futuro, tanto na questão da saúde quanto da economia, e o que você faria diferente na gestão do combate ao coronavírus?
Eu embasei minha expectativa em muita reflexão. Como estou confinado, dando o meu exemplo, não saio de casa para proteger a comunidade, minha família e os meus amigos, estou estudando tudo. Como hoje o Brasil se tornou o epicentro global da epidemia, todos os holofotes da comunidade científica internacional, e a qualidade das estatísticas brasileiras se aprimorando pelas nossas universidades, a última rodada do modelo já baseada nessas expectativas aponta que o Brasil terá entre 80 mil a 125 mil mortes até agosto. Isso significará a maior crise de saúde pública da história brasileira, porque bateremos o recorde trágico da gripe espanhola em 1918, quando o Brasil não tinha estrutura sanitária, não tinha SUS, não tinha comunicação, não tinha televisão – o rádio era o único caminho. Portanto, é mais grave ainda relativamente o que está acontecendo hoje do que naquela época. A única solução para a pandemia, uma vez que não há vacina e nem remédio, por mais desorientação que o Bolsonaro, irresponsavelmente, introduza nesse debate, é o isolamento social.
A Inglaterra está no terceiro nível de teste com humanos, mas nada que entrará na escala antes da abertura de 2021. Não tem remédio. Você tem várias tentativas e esforços, que eu acho que médicos e cientistas devem monopolizar o debate sobre isso e não político, como infelizmente, de forma criminosa, tem feito aqui o Bolsonaro. Então a única saída é o isolamento social radical, que não estamos fazendo, de novo por irresponsabilidade do governo. Temos sinais contraditórios, problemas sérios, onde mais da metade dos brasileiros estão na informalidade, portanto tem uma tragédia pessoal antecedente à pandemia. O Brasil tem aí, uma favela em Venda Nova, um espaço de 60 m² para morar seis pessoas. Metade dos domicílios brasileiros não têm água encanada. Como pedir higiene? Chega a ser quase cruel, dada a realidade do nosso povo.
E na questão econômica?
A questão econômica no Brasil, se tivesse feito o lockdown radical – isso que os idiotas não entendem – as sequelas econômicas poderiam ser minimizadas. Como aconteceu na China: a China tem 1 bilhão e 300 milhões de habitantes e não morreram nem 6 mil pessoas. Isso mostra que acertaram a mão. Quem errou? Quem errou foi quem ficou nessa vacilação e acabou prolongando o teto. O que aconteceu no Brasil? Não houve nenhum planejamento para resolver o problema do colapso da renda, criando um falso dilema entre economia e saúde. Isso não existe. Uma coisa afasta a outra, porque para salvar vidas eu preciso fazer um lockdown. Se eu faço um lockdown, eu causo um problema econômico. Então eu tenho que radicalizar o lockdown para amenizar as consequências econômicas. A construção da renda e do crédito para as empresas, nada disso foi com eficácia. Ofereceram o crédito na conta de 1 trilhão e 200 bilhões de reais sem condicionar à norma. Os bancos se apossaram, aumentaram a taxa de juros e encolheram a oferta de crédito. Ninguém está conseguindo. Sabe o que vão fazer agora com o dinheiro público do BNDES, a condição de receber o dinheiro subsidiado pelo BNDES? É que o empresário que pegasse esse dinheiro se comprometesse a manter os empregos por dois meses.
Os operadores privados estão exigindo uma garantia real maior do que o crédito. Isso simplesmente colapsou. Isso tudo é uma safadeza grande porque não tem governo e não tem plano. Eles agora vão emitir uma Medida Provisória autorizando a tomar esse dinheiro subsidiado devendo permitir uma demissão de 50% dos trabalhadores. Para você ver o nível de improvisação, de falta de estratégias, na contramão que o mundo está fazendo. Aqui a crise econômica e a repercussão global será pelo dobro. As simulações feitas junto da minha equipe apontam uma queda de 6% do PIB, podendo chegar a 11%. As indicações para o povo já estão dadas. Antes da pandemia, entre janeiro e março, 5 milhões de vagas de trabalho foram fechadas no Brasil. Em abril, o Caged indicou que perdemos menos 860 mil carteiras assinadas. O pico do problema começa em maio. Na verdade, hoje, estamos destruindo 1 milhão e 200 mil empregos por mês. Significa que por ali em setembro, o Brasil vai chegar próximo de 20 milhões de desempregados. Tínhamos 5 milhões e 500 mil pequenas empresas com nome no Serasa antes da pandemia. A quantidade de empresas no Brasil é de 6 milhões e 700 mil. Agora vai tudo para o vinagre, porque é uma tragédia. Uma crise de saúde e de economia sem precedentes e um governo que não sabe o que fazer.
Mas o governo liberou dinheiro para a economia?
As providências que ele (Bolsonaro) tomou, mesmo com toda a ineficácia, o dinheiro está empossado nos bancos. É um escândalo. Eles deram 1 trilhão e 200 bilhões de reais. Sendo que 200 bilhões foram de afrouxamento de compulsório, mais 1 trilhão de reais, com T de tapioca, foram de dinheiro público, do caixa do Banco Central aos bancos, sem norma nenhuma, com pretexto de aumentar o crédito e diminuir o juro. Eles retraíram o crédito e aumentaram em 70% a taxa de juros. Esse dinheiro empossou nos bancos e eles no fim da tarde o saldo de caixa é aplicado em títulos do governo, em operações compromissadas, e ganham 3% de juros. Dinheiro público é dado para eles sem juro, eles não emprestam e emprestam para o governo. Tudo isso vai para as contas públicas. Neste momento, para quem é conservador, esses neoliberais, esses do Partido Novo, a turma do (Paulo) Guedes, sabe para quanto que está simulado pela minha equipe o déficit para este ano? R$ 670 bilhões. Sabe qual foi o maior da história? R$ 130 bilhões. E eles não estão tomando nenhuma providência. Em vez de emitir moeda, pois em um momento não inflacionado a emissão de moeda pode ser feita sem efeito inflacionário, eles estão expandindo dívida em 3% acima da Selic. Ou seja, o setor financeiro está ganhando dinheiro com a tragédia econômica. Dinheiro público.
Em Minas há uma divergência quanto à flexibilização. Enquanto o prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil defende uma flexibilização cautelosa, o Zema diz que há um ‘colchão de segurança’ para fazer a reabertura, criando, inclusive, o programa ‘Minas Consciente’. Como você vê essa divergência em Minas?
É um absurdo completo que os políticos discutam coisas técnicas sem retaguarda científica. Isso não é um lugar para dar palpite. O Kalil está em linha com as melhores práticas internacionais e com as recomendações da ciência. O Zema está propondo um erro que foi cometido em Milão. Está cometendo o erro de Madri. Fizeram a retração, em seguida, não vendo os números crescer, afrouxaram fora de hora e explodiu na Itália e na Espanha. E explodir aqui não é estatística, é muita gente morta. Mas é exatamente a situação de Minas Gerais hoje. É o estado que menos testa. E sem testar, você está simplesmente atirando no escuro e não sabe da evolução, se está em ascensão da velocidade de ascensão, não tem como georreferenciar. Aqui em Fortaleza estamos georreferenciando por bairro. Sabemos da velocidade de contaminação.
Entramos na tragédia três semanas antes por conta do turismo, porque o Bolsonaro nos impediu de obstruir os voos internacionais. Passamos três semanas recebendo 18 mil turistas da Itália, da Espanha, dos Estados Unidos, quando a pandemia já tinha explodido. Brigamos na Justiça para testar os turistas. Aí em Minas, o governo está testando muito pouco, então não tem notícia de como está indo. A ilusão de que há número baixo de mortos, está sendo feito por subnotificação. Se você olhar as estatísticas de infecções respiratórias e de mortes por problemas pulmonares que é sazonal, que tem a ver com clima, temperatura, etc, se você tomar o mesmo período do ano passado, Minas está com 650% a 1000% a mais de casos. É COVID que não está sequer sendo testado pós-morte. Quer dizer que o Kalil está absolutamente correto e o Zema está absolutamente errado. Isso será notado, por exemplo, no interior de Minas Gerais. Afrouxar os controles é pedir para morrer.
Quando se fala em ‘Ciro Gomes’, há divisões no PT. José Dirceu prega união entre você e o Lula. Já Gleisi Hoffmann quer um pedido de desculpas partindo de você para o Lula e o PT. Há uma chance de diálogo entre ambas as partes?
Estou tentando mostrar ao povo brasileiro que hoje temos duas gravíssimas tarefas. Eu como tenho experiência e muita responsabilidade, preciso ponderar porque precisamos separar as duas coisas porque na história elas são separadas. É só a gente esperar. O primeiro problema é a proteção da democracia x escalada golpista autoritária e violenta do Bolsonaro. Neste sentido, todos os democratas – da direita, da esquerda e do centro -– temos obrigação de ajudar o povo brasileiro a proteger suas liberdades, suas democracias, as franquias liberais, o calendário eleitoral, o direito da imprensa trabalhar livremente sem ser violentada, como está sendo, o direito dos trabalhadores a reivindicar, o direito dos estudantes a se organizar, dos artistas a se expressarem sem censura, porque isso representa a democracia. É neste sentido que está a palavra do José Dirceu. Não precisa ter reunião. Nossas bancadas já estão operando juntas no Congresso Nacional e eu penso antecipadamente que a única solução, que não está madura ainda no meio da opinião pública, portanto, também não está madura no meio público, mas a única solução que o futuro vai revelar, acho que por agosto ou setembro isso estará muito claro, é o impedimento de Jair Bolsonaro pelo meio democrático.
O impeachment é a única saída. Isso não está maduro hoje, mas eu tenho a obrigação de antecipar o fim pela minha experiência. Em agosto, quando os números do desemprego em massa, fome e eventual saque em supermercado se encontrarem, esse filme eu já vi. E de outro lado 80 mil mortes e a sociedade tendo clareza de que foi o Bolsonaro quem produziu esse genocídio, haverá a democracia de produzir um caminho para preservar. E esse é tirar o Bolsonaro do poder pela democracia, pelo rito constitucional, assegurar a ele o contraditório, e não é porque ele é um péssimo governante. É porque ele está cometendo crime de responsabilidade. Essa é a primeira tarefa.
E qual é a outra tarefa?
A segunda tarefa pega o oposto. Embora em linguagem fraterna, respeitosa, que o PT nunca respeita, pede que a gente aprofunde as diferenças, porque temos que entender o que aconteceu para a gente ter chegado no fundo do poço. Se a gente não fizer um debate profundo para saber o que aconteceu com o povo brasileiro, o lulopetismo corrompido hoje chama o povo brasileiro de fascista. Ora, a Dilma ganhou do Aécio em Minas. E agora vamos fazer de conta que o povo mineiro é fascista? Não dá. Eu é que tenho que pedir desculpas? O povo mineiro votou em massa contra, porque assistiu, como todos assistimos, à crise econômica mais grave de nossa história, que será superada agora pelo Bolsonaro, produzida pelo PT, ao passo que a sociedade inteira viu chocada a corrupção dentro do governo de forma sistemática. A gente pode até criticar as formas devidas de processo legal que muitas vezes foram violadas do Lula. Mas não dá para dizer que o Palocci não roubou. Palocci foi o braço direito do Lula. Comandou a economia do Brasil. Palocci devolveu R$ 100 milhões ao povo brasileiro. E essa gente quer que eu peça desculpa a eles. Perderam completamente a noção. Agora censura o esforço de milhares de brasileiros que assinam o manifesto pela democracia.
O Lula corrompeu-se. Essa é a tragédia do Brasil. Corrompeu-se completamente. Não só por causa de grana, mas porque está cercado por puxa sacos de quinto nível, como essa Gleisi. Aprofundar o conhecimento sobre o que aconteceu com o Brasil para se reaproximar do povo. Essa é a tarefa do futuro. O projeto que eu defendo, que está no livro, é completamente diferente da visão que o PT tem, que, aliás, não tem visão nenhuma. Portanto, se na primeira tarefa pede-se unidade para defender a democracia, a segunda pede um debate que nós aclaremos ou aprofundemos nossas diferenças de forma fraterna, coisa que eles nunca fazem.
O governo Bolsonaro, nos últimos tempos, se aproximou de vez do Centrão, garantindo cargos para partidos que compõem o bloco, mesmo depois de ser contra o ‘Toma Lá Dá Cá’ em seu discurso de campanha. Como você vê essa mudança de postura de Bolsonaro?
É o velho estelionato eleitoral. Essa é a grande questão. Negociar é uma inerência da democracia. O Brasil tem 32 partidos representativos no Congresso Nacional. O Brasil tem 27 escolas políticas em cada um dos estados. Negociar não é ruim. É bom, é necessário, desde que o poder central não seja totalitário, impor sua verdade de forma unilateral, de cima para baixo. O erro é a mentira lá atrás do Bolsonaro, sabendo que o povo estava farto da ladroreira, da apropriação das políticas públicas para enriquecimento e fortalecimento de projetos pessoais de poder, o povo foi manipulado com a propaganda de que negociação política é suja. Está errado. Negociação política é necessária. A grande pergunta é: para quê negociar e em quais linguagens negociar? Para quê que o Bolsonaro está negociando? É para fazer passar uma reforma que melhora a vida do povo? É para fazer uma reforma tributária que qualifica a competitividade das nossas empresas sufocadas, da nossa classe média sufocada, que paga sem nem saber 40% de imposto no consumo das coisas básicas, como a ligação de pré-pago pelo celular? Não tem essa proposta. Ele está comprando voto para proteger os filhos de CPI e de impeachment. Em quais linguagens negociar? Participar do governo? Nada errado, está tudo muito certo.
Você articular com as forças sociais, com sua representação legítima, democrática, de executar um plano, é muito bom e importante que a gente valorize. O problema é que Bolsonaro está levando para o governo gente para roubar. Não é razoável a gente imaginar que condenados por corrupção, como Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto, só para dar dois exemplos, estão indo para o governo para fazer política de educação. Não passa na cabeça de ninguém. Negociar é preciso. Bolsonaro mentiu lá atrás. Ele mesmo é o homem da mamata, do carguinho. Ele mesmo roubava dinheiro da gasolina no gabinete dele. Ele mesmo roubava dinheiro de funcionário fantasma. Ele agora só está se reencontrando com a turma dele. Ele mentiu para o povo e está loteando o governo para roubar. Não é porque tem proposta, nem quer que ninguém ajude ele a mudar o Brasil ou fazer qualquer coisa, porque essa proposta não existe. Proteger os filhos bandidos e do impeachment que está chegando.
No último domingo foram registrados diversos atos pró-democracia, sobretudo na Avenida Paulista. Você acredita que manifestações do tipo se tornarão recorrentes?
Precisamos ter muito cuidado com isso. Você tem hoje três crises simultâneas acontecendo no Brasil: uma crise de saúde pública, na qual dezenas de milhares de brasileiros já morreram e dezenas de milhares vão morrer. Bolsonaro é o grande responsável por isso. Quem duvidar, pegue a soma de todos os países da América do Sul, menos o Brasil, que vai encontrar 11 mil mortes, em números redondos. O Brasil, que tem menos população que os países da América do Sul juntos, já tem mais de 31 mil mortos. Qual é diferença? Não é demográfica, pois somos mais ou menos parecidos em território, sazonalidade climática que é a mesma. Isso evidencia que o problema brasileiro é o governo. Se morreram 11 mil na América do Sul e mais de 31 mil no Brasil, a diferença não é a demografia, nem a renda média e nem o clima. É a governança frágil que o Brasil tem. Isso o Bolsonaro já perdeu.
A segunda crise é a econômica. O Bolsonaro não tem como enfrentar e não sabe como fazer. Paulo Guedes passou longe e não sabe como fazer. Um governo completamente perdido. O Bolsonaro já perdeu essa batalha.
Que que o Bolsonaro está fazendo? Está criando uma crise política, com ameaças de golpe, de fechar o Congresso, passeia com o ministro da Defesa de helicóptero, estimula grupos nazifascistas de máscara e tocha. O que ele está querendo? Ele quer introduzir um terceiro universo, onde ele pode, com picaretagem ideológica, com moralismo, com defesa da família, esses papos furados, dar coesão a base dele. Não podemos aperfeiçoar a estratégia dele. Tudo o que o bolsonarismo boçal quer é produzir um cadáver no domingo que vem. Já tenho informes que essas milícias que ele está seivando nas polícias militares vão se infiltrar dentro dos movimentos e radicalizar. Aconteceu em Curitiba uma coisa estranha. De repente uma manifestação gigantesca, imitando os protestos corretos contra o racismo, e chega lá e queimam o prédio do Tribunal de Justiça e pintam a foice de martelo, que é o símbolo do comunismo. Evidentemente que isso é produzido pelo Bolsonaro, pela milícia dele e pelo serviço de inteligência estrangeiro que está ajudando ele aqui. Então a minha ponderação neste momento é que não está na hora de nós democratas irmos para a rua.
Temos um compromisso com a vida. Temos que apoiar o isolamento social. As manifestações do Bolsonaro estão ficando cada vez mais menores, por isso ele está provocando, e cada vez mais ridículas. As manifestações estão diminuindo e estão ficando radicais e ridículas. São heróis os brasileiros, jovens da periferia, torcidas organizadas do Cruzeiro, do Atlético, do América. Isso tudo é muito heroísmo, mas vamos nos organizar melhor, vamos prevenir que não entre gente infiltrada no meio. Não vamos produzir um cadáver, a vida do nosso povo é muito preciosa. Tudo o que o Bolsonaro quer, vou dizer de novo, é produzir um cadáver neste domingo para mistificar o surto autoritário que ele está planejando para acontecer no Brasil. Vamos nos organizando, pois se ele amanhã avançar de verdade contra as instituições, a gente vai para a rua e eu estou junto. Não precisa ir agora.
Como vê esse movimento suprapartidário em defesa da democracia, juntando gente de esquerda, centro e direita? Lula fez críticas ao movimento dizendo que não é voltado para a classe trabalhadora.
O Lula não está nada bem. Ele se corrompeu e tudo o que ele não for o centro, o dono, a luz, ele desqualifica. Ele não está nada bem. Conheço o Lula há 40 anos. Ele está errando tudo, está se isolando, está com ódio ao povo brasileiro. E não tem ninguém de nível ao lado dele, é só bajulador de quinta categoria para sancionar e relativizar as besteiradas que ele tem feito, especialmente desde que saiu da cadeia e não aconteceu nada. Naquela primeira tarefa de defender a democracia, isso que ele não entendeu, temos que juntar todo mundo. Eu vi a declaração dele de que só não assinaria porque o Michel Temer fez um golpe. Mas quem botou o Michel Temer como vice da Dilma? O Michel Temer era o último deputado votado em São Paulo. O Lula colocou e se você for na internet ele está dizendo lá pragmaticamente que botou o Michel Temer por causa de tempo de televisão. Então o cara bota um bandido, que ele conhecia e eu, na sucessão do Brasil, entrega Furnas para Eduardo Cunha roubar que é a segunda posição, e agora parece que não tem nada a ver com isso. Se o impeachment é a saída, e hoje não está dada a condição social e política, precisamos ajudar o povo entender que tem que tirar o Bolsonaro se não ele vai destruir o país, a nossa economia, nossa liberdade.
Portanto, precisamos de todo mundo. Você imagina o ex-presidente Fernando Henrique (Cardoso) topar vir para uma luta de impeachment de Bolsonaro e eu vou dizer "não, porque sou adversário antigo de Fernando Henrique?" Só se eu fosse um irresponsável. Viva o movimento da sociedade civil brasileira, viva o movimento estamos juntos, viva o movimento “Somos 70%”, viva o movimento “Basta!”, juristas da melhor qualidade. Vamos botar defeito nesse povo porque nossa vaidade não foi atendida? Bobagem. Tem que elogiar, tem que apoiar, tem que estimular. O Chico Buarque está assinando. O Caetano Veloso está assinando. O povo gosta deles: “Opa, o Caetano Veloso está dizendo isso aqui? Então vou prestar atenção”. E vai ajudando a gente a juntar o povo para preparar o ambiente para que o Congresso Nacional ali por agosto, produza a saída institucional que precisamos fazer para proteção da democracia e da nossa economia.
Não creio, porque não há condição objetiva interna e nem internacional. Vou fazer uma comparação com 1964 para dar uma palavra de tranquilidade, mas não uma palavra que permita a gente descansar e não cuidar de se organizar para encarar uma escalada golpista. Porque o Bolsonaro quer o golpe? Ele não está sozinho nesse querer. Ele está cercado de politiqueiros e ex-militares que estão se bolsonarizando rapidamente. Em vez de os generais que estão no palácio e na política moderarem o Bolsonaro, como eu esperava que acontecesse, o Bolsonaro está bolsonarizando eles. O que está acontecendo? Internamente, quando aconteceu 64, houve um encontro muito forte do interesse internacional da Guerra Fria, a luta pelo anticomunismo, e não havia cinza, era preto ou branco. E havia ali uma propaganda de que o João Goulart estaria predispondo o Brasil a um golpe comunista e ao aliamento do Brasil com a União Soviética aqui nas Américas.
Os americanos não aceitariam isso de forma alguma. Eu li documentos na biblioteca do Congresso Nacional. Tinha marinas prontas para invadir o Brasil. Tinha planos de ocupação do Nordeste. Aqui dentro você tinha a burguesia querendo o golpe, a classe média, a CNBB na época, naturalmente de boa fé, imaginava que havia comunismo e que iriam abolir as igrejas, estava a favor do golpe. O governador de Minas, Magalhães Pinto, banqueiro, a favor do golpe. O governador de São Paulo, Ademar de Barros, a favor do golpe. O governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, a favor do golpe. Nada disso existe hoje. Pelo contrário. Tirando o Zema, que está em cima do muro e que não é de nada, não vai ter coragem jamais de sustentar o golpe, e o partido dele é contra o golpe, é pela democracia, não tem ninguém com essa abertura. E os militares não vão fazer.
Mas e fora do país? A iniciativa de um golpe teria apoio?
Internacionalmente, ninguém reconheceria um regime como o nosso. Quem duvidar, só ver o isolamento que a Coreia do Norte e a Venezuela estão experimentando da comunidade internacional. Por fim, o argumento mais vulgar. Você acha mesmo que os militares brasileiros vão correr o risco de serem confrontados – porque nós vamos confrontar, nós não vamos aceitar – de matar compatriotas brasileiros com fuzis num conflito para sustentar o Bolsonaro, um bandido, com uma família de bandidos, um boçal que não tem preparo nenhum? Ora, se eles fizessem um golpe, correndo todos esses riscos, não seria para manter o Bolsonaro. Botariam ali um general minimamente sério e digno, porque eles têm uma vocação autoritária, têm uma formação de uma espécie de tutores da nação, de poder moderador, que só eles acham que têm, por defeito de informação, mas não é por má fé. São honrados, são pessoas que amam o Brasil. Eles iriam lá fazer isso para manter o Bolsonaro? Isso não há a menor chance de acontecer. Quer dizer o quê? Que a gente pode descansar? Não.
O Bolsonaro está montando um exército dele. Ele nomeou um coronel da Polícia Militar de Minas Gerais para a Funasa, em plena pandemia. A Fundação Nacional de Saúde hoje está sendo comandada por um coronel da PM de Minas. Ele está tentando aparelhar a Polícia Federal. Não consegue como instituição, mas tem ali a turminha dele. Já disse que tem o gabinete de inteligência dele, está aparelhando a Polícia Federal, está aparelhando a Controladoria Geral da União, está tentando aparelhar a Procuradoria-Geral da República e tem uma milícia incrustada nas PMs do Brasil e nas Polícias Civis do Brasil. É isto que é o mais grave. É essa gente que vai se infiltrar nas manifestações de domingo e vai tentar criar baderna até produzir um cadáver por ordem e orientação dele, Bolsonaro, e dos seus filhos bandidos.
No caso de uma intervenção militar, que cenário podemos esperar com fechamento de Congresso e do STF?
Briga na rua. Aí, sim, briga na rua.
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O ex-ministro teceu elogios ao prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD) pela forma com que a pandemia tem sido combatida na capital mineira e criticou o governador Romeu Zema (Novo). Na visão de Ciro, Zema tem cometido erros na gestão da crise em Minas.
“O Kalil está em linha com as melhores práticas internacionais e com as recomendações da ciência. O Zema está propondo um erro que foi cometido em Milão. Está cometendo o erro de Madri. Fizeram a retração, em seguida, não vendo os números crescer, afrouxaram fora de hora e explodiu na Itália e na Espanha. E explodir aqui não é estatística, é muita gente morta. Mas é exatamente a situação de Minas Gerais hoje”, afirmou.
Na entrevista, Ciro detalhou sua atual relação com o Partido dos Trabalhadores (PT) e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-governador do Ceará também comentou sobre a aproximação de Bolsonaro com o Centrão.
Confira, na íntegra, a entrevista com Ciro Gomes.
No livro você detalha um projeto no qual dá pistas para a solução dos problemas do Brasil. Quanto tempo você levou para estudar tudo e quais foram suas principais inspirações?
A última forma demorou três anos, porque eu desci para fazer um conjunto de debates, avaliações sobre a geografia econômica do país. Mas ele é fruto, também, de experiência de vida. Eu tenho essa dupla tarefa de militante político, eleitoral, de vez em quando eu estou nas conveniências da linguagem da política, da eleição, e esse esforço acadêmico. Agora resolvi ter clareza acadêmica e desconsiderar os riscos de incompreensões porque acho gravíssimo que o Brasil encerre essa confrontação de ódios e afetos com alguma coisa minimamente racional e que a gente entenda estruturalmente o problema brasileiro e abra uma discussão sobre como resolver o problema. Para resolver o problema, como ele é muito complexo, é necessário um arco de forças da sociedade e da política, portanto, é necessário um grande entendimento entre produção e trabalho. O inimigo aqui é o interesse estrangeiro que não vai deixar o Brasil se autonomizar, porque é uma guerra de mercado, guerra de autonomia de protagonismo geopolítico. Ninguém vai nos facilitar o caminho, nem China, nem Estados Unidos, nem Europa, nem ninguém. De outro lado, o inimigo interno é o rentismo. Eu mostro números de como o Brasil há décadas tem sido explorado, trabalhador e produção.
O Brasil, nessa terça-feira, bateu mais um triste recorde de mortos e passou da marca de 31 mil óbitos. Qual o cenário você enxerga para o futuro, tanto na questão da saúde quanto da economia, e o que você faria diferente na gestão do combate ao coronavírus?
Eu embasei minha expectativa em muita reflexão. Como estou confinado, dando o meu exemplo, não saio de casa para proteger a comunidade, minha família e os meus amigos, estou estudando tudo. Como hoje o Brasil se tornou o epicentro global da epidemia, todos os holofotes da comunidade científica internacional, e a qualidade das estatísticas brasileiras se aprimorando pelas nossas universidades, a última rodada do modelo já baseada nessas expectativas aponta que o Brasil terá entre 80 mil a 125 mil mortes até agosto. Isso significará a maior crise de saúde pública da história brasileira, porque bateremos o recorde trágico da gripe espanhola em 1918, quando o Brasil não tinha estrutura sanitária, não tinha SUS, não tinha comunicação, não tinha televisão – o rádio era o único caminho. Portanto, é mais grave ainda relativamente o que está acontecendo hoje do que naquela época. A única solução para a pandemia, uma vez que não há vacina e nem remédio, por mais desorientação que o Bolsonaro, irresponsavelmente, introduza nesse debate, é o isolamento social.
A Inglaterra está no terceiro nível de teste com humanos, mas nada que entrará na escala antes da abertura de 2021. Não tem remédio. Você tem várias tentativas e esforços, que eu acho que médicos e cientistas devem monopolizar o debate sobre isso e não político, como infelizmente, de forma criminosa, tem feito aqui o Bolsonaro. Então a única saída é o isolamento social radical, que não estamos fazendo, de novo por irresponsabilidade do governo. Temos sinais contraditórios, problemas sérios, onde mais da metade dos brasileiros estão na informalidade, portanto tem uma tragédia pessoal antecedente à pandemia. O Brasil tem aí, uma favela em Venda Nova, um espaço de 60 m² para morar seis pessoas. Metade dos domicílios brasileiros não têm água encanada. Como pedir higiene? Chega a ser quase cruel, dada a realidade do nosso povo.
E na questão econômica?
A questão econômica no Brasil, se tivesse feito o lockdown radical – isso que os idiotas não entendem – as sequelas econômicas poderiam ser minimizadas. Como aconteceu na China: a China tem 1 bilhão e 300 milhões de habitantes e não morreram nem 6 mil pessoas. Isso mostra que acertaram a mão. Quem errou? Quem errou foi quem ficou nessa vacilação e acabou prolongando o teto. O que aconteceu no Brasil? Não houve nenhum planejamento para resolver o problema do colapso da renda, criando um falso dilema entre economia e saúde. Isso não existe. Uma coisa afasta a outra, porque para salvar vidas eu preciso fazer um lockdown. Se eu faço um lockdown, eu causo um problema econômico. Então eu tenho que radicalizar o lockdown para amenizar as consequências econômicas. A construção da renda e do crédito para as empresas, nada disso foi com eficácia. Ofereceram o crédito na conta de 1 trilhão e 200 bilhões de reais sem condicionar à norma. Os bancos se apossaram, aumentaram a taxa de juros e encolheram a oferta de crédito. Ninguém está conseguindo. Sabe o que vão fazer agora com o dinheiro público do BNDES, a condição de receber o dinheiro subsidiado pelo BNDES? É que o empresário que pegasse esse dinheiro se comprometesse a manter os empregos por dois meses.
Os operadores privados estão exigindo uma garantia real maior do que o crédito. Isso simplesmente colapsou. Isso tudo é uma safadeza grande porque não tem governo e não tem plano. Eles agora vão emitir uma Medida Provisória autorizando a tomar esse dinheiro subsidiado devendo permitir uma demissão de 50% dos trabalhadores. Para você ver o nível de improvisação, de falta de estratégias, na contramão que o mundo está fazendo. Aqui a crise econômica e a repercussão global será pelo dobro. As simulações feitas junto da minha equipe apontam uma queda de 6% do PIB, podendo chegar a 11%. As indicações para o povo já estão dadas. Antes da pandemia, entre janeiro e março, 5 milhões de vagas de trabalho foram fechadas no Brasil. Em abril, o Caged indicou que perdemos menos 860 mil carteiras assinadas. O pico do problema começa em maio. Na verdade, hoje, estamos destruindo 1 milhão e 200 mil empregos por mês. Significa que por ali em setembro, o Brasil vai chegar próximo de 20 milhões de desempregados. Tínhamos 5 milhões e 500 mil pequenas empresas com nome no Serasa antes da pandemia. A quantidade de empresas no Brasil é de 6 milhões e 700 mil. Agora vai tudo para o vinagre, porque é uma tragédia. Uma crise de saúde e de economia sem precedentes e um governo que não sabe o que fazer.
Mas o governo liberou dinheiro para a economia?
As providências que ele (Bolsonaro) tomou, mesmo com toda a ineficácia, o dinheiro está empossado nos bancos. É um escândalo. Eles deram 1 trilhão e 200 bilhões de reais. Sendo que 200 bilhões foram de afrouxamento de compulsório, mais 1 trilhão de reais, com T de tapioca, foram de dinheiro público, do caixa do Banco Central aos bancos, sem norma nenhuma, com pretexto de aumentar o crédito e diminuir o juro. Eles retraíram o crédito e aumentaram em 70% a taxa de juros. Esse dinheiro empossou nos bancos e eles no fim da tarde o saldo de caixa é aplicado em títulos do governo, em operações compromissadas, e ganham 3% de juros. Dinheiro público é dado para eles sem juro, eles não emprestam e emprestam para o governo. Tudo isso vai para as contas públicas. Neste momento, para quem é conservador, esses neoliberais, esses do Partido Novo, a turma do (Paulo) Guedes, sabe para quanto que está simulado pela minha equipe o déficit para este ano? R$ 670 bilhões. Sabe qual foi o maior da história? R$ 130 bilhões. E eles não estão tomando nenhuma providência. Em vez de emitir moeda, pois em um momento não inflacionado a emissão de moeda pode ser feita sem efeito inflacionário, eles estão expandindo dívida em 3% acima da Selic. Ou seja, o setor financeiro está ganhando dinheiro com a tragédia econômica. Dinheiro público.
Em Minas há uma divergência quanto à flexibilização. Enquanto o prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil defende uma flexibilização cautelosa, o Zema diz que há um ‘colchão de segurança’ para fazer a reabertura, criando, inclusive, o programa ‘Minas Consciente’. Como você vê essa divergência em Minas?
É um absurdo completo que os políticos discutam coisas técnicas sem retaguarda científica. Isso não é um lugar para dar palpite. O Kalil está em linha com as melhores práticas internacionais e com as recomendações da ciência. O Zema está propondo um erro que foi cometido em Milão. Está cometendo o erro de Madri. Fizeram a retração, em seguida, não vendo os números crescer, afrouxaram fora de hora e explodiu na Itália e na Espanha. E explodir aqui não é estatística, é muita gente morta. Mas é exatamente a situação de Minas Gerais hoje. É o estado que menos testa. E sem testar, você está simplesmente atirando no escuro e não sabe da evolução, se está em ascensão da velocidade de ascensão, não tem como georreferenciar. Aqui em Fortaleza estamos georreferenciando por bairro. Sabemos da velocidade de contaminação.
Entramos na tragédia três semanas antes por conta do turismo, porque o Bolsonaro nos impediu de obstruir os voos internacionais. Passamos três semanas recebendo 18 mil turistas da Itália, da Espanha, dos Estados Unidos, quando a pandemia já tinha explodido. Brigamos na Justiça para testar os turistas. Aí em Minas, o governo está testando muito pouco, então não tem notícia de como está indo. A ilusão de que há número baixo de mortos, está sendo feito por subnotificação. Se você olhar as estatísticas de infecções respiratórias e de mortes por problemas pulmonares que é sazonal, que tem a ver com clima, temperatura, etc, se você tomar o mesmo período do ano passado, Minas está com 650% a 1000% a mais de casos. É COVID que não está sequer sendo testado pós-morte. Quer dizer que o Kalil está absolutamente correto e o Zema está absolutamente errado. Isso será notado, por exemplo, no interior de Minas Gerais. Afrouxar os controles é pedir para morrer.
Quando se fala em ‘Ciro Gomes’, há divisões no PT. José Dirceu prega união entre você e o Lula. Já Gleisi Hoffmann quer um pedido de desculpas partindo de você para o Lula e o PT. Há uma chance de diálogo entre ambas as partes?
Estou tentando mostrar ao povo brasileiro que hoje temos duas gravíssimas tarefas. Eu como tenho experiência e muita responsabilidade, preciso ponderar porque precisamos separar as duas coisas porque na história elas são separadas. É só a gente esperar. O primeiro problema é a proteção da democracia x escalada golpista autoritária e violenta do Bolsonaro. Neste sentido, todos os democratas – da direita, da esquerda e do centro -– temos obrigação de ajudar o povo brasileiro a proteger suas liberdades, suas democracias, as franquias liberais, o calendário eleitoral, o direito da imprensa trabalhar livremente sem ser violentada, como está sendo, o direito dos trabalhadores a reivindicar, o direito dos estudantes a se organizar, dos artistas a se expressarem sem censura, porque isso representa a democracia. É neste sentido que está a palavra do José Dirceu. Não precisa ter reunião. Nossas bancadas já estão operando juntas no Congresso Nacional e eu penso antecipadamente que a única solução, que não está madura ainda no meio da opinião pública, portanto, também não está madura no meio público, mas a única solução que o futuro vai revelar, acho que por agosto ou setembro isso estará muito claro, é o impedimento de Jair Bolsonaro pelo meio democrático.
O impeachment é a única saída. Isso não está maduro hoje, mas eu tenho a obrigação de antecipar o fim pela minha experiência. Em agosto, quando os números do desemprego em massa, fome e eventual saque em supermercado se encontrarem, esse filme eu já vi. E de outro lado 80 mil mortes e a sociedade tendo clareza de que foi o Bolsonaro quem produziu esse genocídio, haverá a democracia de produzir um caminho para preservar. E esse é tirar o Bolsonaro do poder pela democracia, pelo rito constitucional, assegurar a ele o contraditório, e não é porque ele é um péssimo governante. É porque ele está cometendo crime de responsabilidade. Essa é a primeira tarefa.
E qual é a outra tarefa?
A segunda tarefa pega o oposto. Embora em linguagem fraterna, respeitosa, que o PT nunca respeita, pede que a gente aprofunde as diferenças, porque temos que entender o que aconteceu para a gente ter chegado no fundo do poço. Se a gente não fizer um debate profundo para saber o que aconteceu com o povo brasileiro, o lulopetismo corrompido hoje chama o povo brasileiro de fascista. Ora, a Dilma ganhou do Aécio em Minas. E agora vamos fazer de conta que o povo mineiro é fascista? Não dá. Eu é que tenho que pedir desculpas? O povo mineiro votou em massa contra, porque assistiu, como todos assistimos, à crise econômica mais grave de nossa história, que será superada agora pelo Bolsonaro, produzida pelo PT, ao passo que a sociedade inteira viu chocada a corrupção dentro do governo de forma sistemática. A gente pode até criticar as formas devidas de processo legal que muitas vezes foram violadas do Lula. Mas não dá para dizer que o Palocci não roubou. Palocci foi o braço direito do Lula. Comandou a economia do Brasil. Palocci devolveu R$ 100 milhões ao povo brasileiro. E essa gente quer que eu peça desculpa a eles. Perderam completamente a noção. Agora censura o esforço de milhares de brasileiros que assinam o manifesto pela democracia.
O Lula corrompeu-se. Essa é a tragédia do Brasil. Corrompeu-se completamente. Não só por causa de grana, mas porque está cercado por puxa sacos de quinto nível, como essa Gleisi. Aprofundar o conhecimento sobre o que aconteceu com o Brasil para se reaproximar do povo. Essa é a tarefa do futuro. O projeto que eu defendo, que está no livro, é completamente diferente da visão que o PT tem, que, aliás, não tem visão nenhuma. Portanto, se na primeira tarefa pede-se unidade para defender a democracia, a segunda pede um debate que nós aclaremos ou aprofundemos nossas diferenças de forma fraterna, coisa que eles nunca fazem.
O governo Bolsonaro, nos últimos tempos, se aproximou de vez do Centrão, garantindo cargos para partidos que compõem o bloco, mesmo depois de ser contra o ‘Toma Lá Dá Cá’ em seu discurso de campanha. Como você vê essa mudança de postura de Bolsonaro?
É o velho estelionato eleitoral. Essa é a grande questão. Negociar é uma inerência da democracia. O Brasil tem 32 partidos representativos no Congresso Nacional. O Brasil tem 27 escolas políticas em cada um dos estados. Negociar não é ruim. É bom, é necessário, desde que o poder central não seja totalitário, impor sua verdade de forma unilateral, de cima para baixo. O erro é a mentira lá atrás do Bolsonaro, sabendo que o povo estava farto da ladroreira, da apropriação das políticas públicas para enriquecimento e fortalecimento de projetos pessoais de poder, o povo foi manipulado com a propaganda de que negociação política é suja. Está errado. Negociação política é necessária. A grande pergunta é: para quê negociar e em quais linguagens negociar? Para quê que o Bolsonaro está negociando? É para fazer passar uma reforma que melhora a vida do povo? É para fazer uma reforma tributária que qualifica a competitividade das nossas empresas sufocadas, da nossa classe média sufocada, que paga sem nem saber 40% de imposto no consumo das coisas básicas, como a ligação de pré-pago pelo celular? Não tem essa proposta. Ele está comprando voto para proteger os filhos de CPI e de impeachment. Em quais linguagens negociar? Participar do governo? Nada errado, está tudo muito certo.
Você articular com as forças sociais, com sua representação legítima, democrática, de executar um plano, é muito bom e importante que a gente valorize. O problema é que Bolsonaro está levando para o governo gente para roubar. Não é razoável a gente imaginar que condenados por corrupção, como Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto, só para dar dois exemplos, estão indo para o governo para fazer política de educação. Não passa na cabeça de ninguém. Negociar é preciso. Bolsonaro mentiu lá atrás. Ele mesmo é o homem da mamata, do carguinho. Ele mesmo roubava dinheiro da gasolina no gabinete dele. Ele mesmo roubava dinheiro de funcionário fantasma. Ele agora só está se reencontrando com a turma dele. Ele mentiu para o povo e está loteando o governo para roubar. Não é porque tem proposta, nem quer que ninguém ajude ele a mudar o Brasil ou fazer qualquer coisa, porque essa proposta não existe. Proteger os filhos bandidos e do impeachment que está chegando.
No último domingo foram registrados diversos atos pró-democracia, sobretudo na Avenida Paulista. Você acredita que manifestações do tipo se tornarão recorrentes?
Precisamos ter muito cuidado com isso. Você tem hoje três crises simultâneas acontecendo no Brasil: uma crise de saúde pública, na qual dezenas de milhares de brasileiros já morreram e dezenas de milhares vão morrer. Bolsonaro é o grande responsável por isso. Quem duvidar, pegue a soma de todos os países da América do Sul, menos o Brasil, que vai encontrar 11 mil mortes, em números redondos. O Brasil, que tem menos população que os países da América do Sul juntos, já tem mais de 31 mil mortos. Qual é diferença? Não é demográfica, pois somos mais ou menos parecidos em território, sazonalidade climática que é a mesma. Isso evidencia que o problema brasileiro é o governo. Se morreram 11 mil na América do Sul e mais de 31 mil no Brasil, a diferença não é a demografia, nem a renda média e nem o clima. É a governança frágil que o Brasil tem. Isso o Bolsonaro já perdeu.
A segunda crise é a econômica. O Bolsonaro não tem como enfrentar e não sabe como fazer. Paulo Guedes passou longe e não sabe como fazer. Um governo completamente perdido. O Bolsonaro já perdeu essa batalha.
Que que o Bolsonaro está fazendo? Está criando uma crise política, com ameaças de golpe, de fechar o Congresso, passeia com o ministro da Defesa de helicóptero, estimula grupos nazifascistas de máscara e tocha. O que ele está querendo? Ele quer introduzir um terceiro universo, onde ele pode, com picaretagem ideológica, com moralismo, com defesa da família, esses papos furados, dar coesão a base dele. Não podemos aperfeiçoar a estratégia dele. Tudo o que o bolsonarismo boçal quer é produzir um cadáver no domingo que vem. Já tenho informes que essas milícias que ele está seivando nas polícias militares vão se infiltrar dentro dos movimentos e radicalizar. Aconteceu em Curitiba uma coisa estranha. De repente uma manifestação gigantesca, imitando os protestos corretos contra o racismo, e chega lá e queimam o prédio do Tribunal de Justiça e pintam a foice de martelo, que é o símbolo do comunismo. Evidentemente que isso é produzido pelo Bolsonaro, pela milícia dele e pelo serviço de inteligência estrangeiro que está ajudando ele aqui. Então a minha ponderação neste momento é que não está na hora de nós democratas irmos para a rua.
Temos um compromisso com a vida. Temos que apoiar o isolamento social. As manifestações do Bolsonaro estão ficando cada vez mais menores, por isso ele está provocando, e cada vez mais ridículas. As manifestações estão diminuindo e estão ficando radicais e ridículas. São heróis os brasileiros, jovens da periferia, torcidas organizadas do Cruzeiro, do Atlético, do América. Isso tudo é muito heroísmo, mas vamos nos organizar melhor, vamos prevenir que não entre gente infiltrada no meio. Não vamos produzir um cadáver, a vida do nosso povo é muito preciosa. Tudo o que o Bolsonaro quer, vou dizer de novo, é produzir um cadáver neste domingo para mistificar o surto autoritário que ele está planejando para acontecer no Brasil. Vamos nos organizando, pois se ele amanhã avançar de verdade contra as instituições, a gente vai para a rua e eu estou junto. Não precisa ir agora.
Como vê esse movimento suprapartidário em defesa da democracia, juntando gente de esquerda, centro e direita? Lula fez críticas ao movimento dizendo que não é voltado para a classe trabalhadora.
O Lula não está nada bem. Ele se corrompeu e tudo o que ele não for o centro, o dono, a luz, ele desqualifica. Ele não está nada bem. Conheço o Lula há 40 anos. Ele está errando tudo, está se isolando, está com ódio ao povo brasileiro. E não tem ninguém de nível ao lado dele, é só bajulador de quinta categoria para sancionar e relativizar as besteiradas que ele tem feito, especialmente desde que saiu da cadeia e não aconteceu nada. Naquela primeira tarefa de defender a democracia, isso que ele não entendeu, temos que juntar todo mundo. Eu vi a declaração dele de que só não assinaria porque o Michel Temer fez um golpe. Mas quem botou o Michel Temer como vice da Dilma? O Michel Temer era o último deputado votado em São Paulo. O Lula colocou e se você for na internet ele está dizendo lá pragmaticamente que botou o Michel Temer por causa de tempo de televisão. Então o cara bota um bandido, que ele conhecia e eu, na sucessão do Brasil, entrega Furnas para Eduardo Cunha roubar que é a segunda posição, e agora parece que não tem nada a ver com isso. Se o impeachment é a saída, e hoje não está dada a condição social e política, precisamos ajudar o povo entender que tem que tirar o Bolsonaro se não ele vai destruir o país, a nossa economia, nossa liberdade.
Portanto, precisamos de todo mundo. Você imagina o ex-presidente Fernando Henrique (Cardoso) topar vir para uma luta de impeachment de Bolsonaro e eu vou dizer "não, porque sou adversário antigo de Fernando Henrique?" Só se eu fosse um irresponsável. Viva o movimento da sociedade civil brasileira, viva o movimento estamos juntos, viva o movimento “Somos 70%”, viva o movimento “Basta!”, juristas da melhor qualidade. Vamos botar defeito nesse povo porque nossa vaidade não foi atendida? Bobagem. Tem que elogiar, tem que apoiar, tem que estimular. O Chico Buarque está assinando. O Caetano Veloso está assinando. O povo gosta deles: “Opa, o Caetano Veloso está dizendo isso aqui? Então vou prestar atenção”. E vai ajudando a gente a juntar o povo para preparar o ambiente para que o Congresso Nacional ali por agosto, produza a saída institucional que precisamos fazer para proteção da democracia e da nossa economia.
Não creio, porque não há condição objetiva interna e nem internacional. Vou fazer uma comparação com 1964 para dar uma palavra de tranquilidade, mas não uma palavra que permita a gente descansar e não cuidar de se organizar para encarar uma escalada golpista. Porque o Bolsonaro quer o golpe? Ele não está sozinho nesse querer. Ele está cercado de politiqueiros e ex-militares que estão se bolsonarizando rapidamente. Em vez de os generais que estão no palácio e na política moderarem o Bolsonaro, como eu esperava que acontecesse, o Bolsonaro está bolsonarizando eles. O que está acontecendo? Internamente, quando aconteceu 64, houve um encontro muito forte do interesse internacional da Guerra Fria, a luta pelo anticomunismo, e não havia cinza, era preto ou branco. E havia ali uma propaganda de que o João Goulart estaria predispondo o Brasil a um golpe comunista e ao aliamento do Brasil com a União Soviética aqui nas Américas.
Os americanos não aceitariam isso de forma alguma. Eu li documentos na biblioteca do Congresso Nacional. Tinha marinas prontas para invadir o Brasil. Tinha planos de ocupação do Nordeste. Aqui dentro você tinha a burguesia querendo o golpe, a classe média, a CNBB na época, naturalmente de boa fé, imaginava que havia comunismo e que iriam abolir as igrejas, estava a favor do golpe. O governador de Minas, Magalhães Pinto, banqueiro, a favor do golpe. O governador de São Paulo, Ademar de Barros, a favor do golpe. O governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, a favor do golpe. Nada disso existe hoje. Pelo contrário. Tirando o Zema, que está em cima do muro e que não é de nada, não vai ter coragem jamais de sustentar o golpe, e o partido dele é contra o golpe, é pela democracia, não tem ninguém com essa abertura. E os militares não vão fazer.
Mas e fora do país? A iniciativa de um golpe teria apoio?
Internacionalmente, ninguém reconheceria um regime como o nosso. Quem duvidar, só ver o isolamento que a Coreia do Norte e a Venezuela estão experimentando da comunidade internacional. Por fim, o argumento mais vulgar. Você acha mesmo que os militares brasileiros vão correr o risco de serem confrontados – porque nós vamos confrontar, nós não vamos aceitar – de matar compatriotas brasileiros com fuzis num conflito para sustentar o Bolsonaro, um bandido, com uma família de bandidos, um boçal que não tem preparo nenhum? Ora, se eles fizessem um golpe, correndo todos esses riscos, não seria para manter o Bolsonaro. Botariam ali um general minimamente sério e digno, porque eles têm uma vocação autoritária, têm uma formação de uma espécie de tutores da nação, de poder moderador, que só eles acham que têm, por defeito de informação, mas não é por má fé. São honrados, são pessoas que amam o Brasil. Eles iriam lá fazer isso para manter o Bolsonaro? Isso não há a menor chance de acontecer. Quer dizer o quê? Que a gente pode descansar? Não.
O Bolsonaro está montando um exército dele. Ele nomeou um coronel da Polícia Militar de Minas Gerais para a Funasa, em plena pandemia. A Fundação Nacional de Saúde hoje está sendo comandada por um coronel da PM de Minas. Ele está tentando aparelhar a Polícia Federal. Não consegue como instituição, mas tem ali a turminha dele. Já disse que tem o gabinete de inteligência dele, está aparelhando a Polícia Federal, está aparelhando a Controladoria Geral da União, está tentando aparelhar a Procuradoria-Geral da República e tem uma milícia incrustada nas PMs do Brasil e nas Polícias Civis do Brasil. É isto que é o mais grave. É essa gente que vai se infiltrar nas manifestações de domingo e vai tentar criar baderna até produzir um cadáver por ordem e orientação dele, Bolsonaro, e dos seus filhos bandidos.
No caso de uma intervenção militar, que cenário podemos esperar com fechamento de Congresso e do STF?
Briga na rua. Aí, sim, briga na rua.