TEXTO VAI AO PLENÁRIO

A criminalização da posse e do porte de drogas ilícitas em qualquer quantidade foi aprovada nesta quarta-feira (13) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata sobre o assunto foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em meio ao julgamento que trata sobre o assunto no Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta irá, agora, para votação no plenário da Casa. 

A votação foi simbólica, quando não há registro oficiais de cada voto, mas senadores quiseram expor suas posições. Dessa forma, o placar foi de 23x4. Pediram registro do voto contrário Fabiano Contarato (PT-ES), Humberto Costa (PT-PE), Jaques Wagner (PT-BA) e Marcelo Castro (MDB-PI). 

Pelo texto, será considerado crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes ou drogas sem autorização legal. Um trecho da proposição define que será observada a distinção entre o traficante e o usuário "pelas circunstâncias fáticas do caso concreto", mas sem especificar quantidade. A intenção é garantir que pessoas encontradas em posse de substâncias para uso pessoal sejam submetidas a medidas alternativas à prisão, juntamente com programas de tratamento para combater a dependência.

Atualmente, a lei prevê como crime o tráfico de drogas e aponta condutas que caracterizam o ilícito, como qualquer tipo de venda, compra, produção, armazenamento, entrega ou fornecimento de drogas, mesmo que gratuito. A pena prevista é de cinco a 15 anos de reclusão e pagamento de multa de R$ 500 a R$ 1.500 dias-multa. 

Quem portar drogas para consumo pessoal também pode ser apontado por conduta ilícita, mas as penas são advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso. Não há citações à quantidade que caracteriza consumo próprio, deixando o critério à avaliação do juiz a partir da gramatura, do local e das condições em que o entorpecente foi apreendido, assim como as circunstâncias sociais e pessoais.

Argumentos 

O relator do texto foi o senador Efraim Filho (União Brasil-PB), que assinou a autoria da PEC em apoio a Pacheco. Ele alterou o texto original apenas para incluir a diferenciação de pena para traficante e usuário, ponto não proposto inicialmente pelo presidente do Senado. De acordo com Efraim, essa observação já está prevista na lei do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, que existe desde 2006. 

“Essa medida tem como finalidade manter a criminalização sem, contudo, afastar os usuários da busca por tratamento à saúde, além de distingui-los dos traficantes de drogas, para os quais a legislação já prevê a aplicação da pena privativa de liberdade”, explicou sobre a alteração que fez.  

Ao defender a PEC, Efraim declarou que "não há tráfico ilícito de entorpecentes sem usuários para adquiri-los". “Por esse motivo, deve-se combater, também, a conduta de quem possuir ou portar drogas, ainda que para consumo pessoal. É a compra do entorpecente que alimenta o tráfico dessa substância, o que acaba por financiar o crime organizado e a violência inerente a essa criminalidade”, acrescentou. 

O debate sobre a criminalização em contraponto a quem defende a liberação das drogas também foi abordado pelo relator. Na avaliação dele, "a simples descriminalização das drogas, sem uma estrutura de políticas públicas já implementada e preparada para acolher o usuário e mitigar a dependência, fatalmente agravaria nossos já insustentáveis problemas de saúde pública, de segurança e de proteção à infância e juventude”. 

Efraim citou que especialistas no assunto ouvidos pela CCJ apontaram que “as drogas trazem diversos problemas para a saúde”. E alegou que países que legalizaram o uso da maconha têm assistido "um aumento significativo do número de adolescentes utilizando a droga, para quem os efeitos são ainda mais lesivos, sem que o tráfico de drogas tenha efetivamente diminuído”. Há estudos, porém, que mostram que não houve esse aumento entre adolescentes em alguns países, como Canadá e Uruguai. 

O relator acrescentou que há “efeitos nefastos” sobre o uso de drogas não apenas para os usuários, mas também para seus familiares e para a sociedade, e que é um “fato inescapável” que o aumento do consumo de maconha “inevitavelmente aumenta” o consumo de outros entorpecentes, como cocaína, heroína, crack e de drogas sintéticas. Efraim também fez referência ao diagnóstico de doenças como hepatites pela maioria dos usuários de drogas injetáveis. 

Senadores contrários à PEC alegam que a criminalização ampliará a desigualdade social, especialmente em casos que podem ser considerados como racistas. "Nós temos uma população carcerária no Brasil que saltou de 58,4% para 68,2% de pessoas pretas e pardas. Nós temos fontes que um branco no Brasil, para ser definido como traficante, tem que ter 80% a mais de substância do que um negro. É o Estado criminalizando a pobreza e a cor da pele”, disse o senador Fabiano Contarato (PT-ES). 

“Sabe o que vai definir o que é traficante e usuário? Que um pobre preto no local de bolsão de pobreza, vilipendiado dos seus direitos elementares, como saneamento, educação e saúde pública de qualidade, ele for flagrado com cigarro de maconha, as circunstâncias fáticas ali vão ser a cor da pele e o local do crime, em que a ele vai ser atribuído traficante de entorpecente. Agora, nos bairros nobres pelos rincões do Brasil, aquele mesmo jovem, com a mesma quantidade, pelas circunstâncias fáticas, vai ser tratado como usuário”, completou o petista sobre o texto votado. 

Embate com o STF 

A pauta é vista como mais um embate do Senado com o STF. Isso porque a Suprema Corte julga um recurso que discute se o porte de maconha para consumo próprio pode ou não ser considerado crime e qual a quantidade da droga diferenciará o usuário do traficante. Em 6 de março, o julgamento foi paralisado a pedido do ministro Dias Toffoli, e não há previsão de retomada. Por enquanto, o placar está em 5x3 pela descriminalização para consumo pessoal. 

Parlamentares da oposição que atuam no campo da direita, além de outros de grupos mais liberais mas que têm posições conservadoras, não aceitam uma possível decisão do STF pela descriminalização para consumo próprio. Alegam, ainda, que cabe ao Congresso Nacional decidir qualquer regulamentação. 

O tema está no radar desde setembro de 2023, quando Pacheco protocolou a PEC. Desde então, houve em mais de uma ocasião debate sobre a votação ou não do texto. A data desta quarta-feira foi acertada pelo presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), na última quinta-feira (7) e marcou o fim de uma trégua com o STF. Cerca de três dias antes, Pacheco chegou a declarar que o tema só seria votado após o fim do julgamento na Suprema Corte, expectativa que não se concretizou. 

No meio tempo de paz entre o Senado e o STF, o presidente da Suprema Corte, ministro Luís Roberto Barroso, decidiu expor que negou um pedido para retirar o recurso de pauta feito pela Frente Parlamentar Evangélica e pela bancada católica no Congresso Nacional, com quem se reuniu na noite de 5 de março. Barroso declarou entender a preocupação dos parlamentares, mas alegou que acatar o pedido esvaziaria a pauta de julgamentos. 

Histórico 

Esta não foi a primeira vez que a CCJ, sob o comando de Alcolumbre, enfrentou o STF em decisões divergentes. Em outubro de 2023, o colegiado aprovou outra PEC que limita a atuação de ministros da Suprema Corte, restringindo as decisões monocráticas (assinadas individualmente). A votação foi relâmpago e durou 42 segundos. O tema também foi aprovado pelo plenário do Senado e está parado na Câmara dos Deputados. 

A CCJ do Senado também aprovou o marco temporal para demarcação de terras indígenas em uma sessão presidida por Alcolumbre. A decisão foi em setembro de 2023, e a tese também já tinha sido derrubada pelo STF. O texto só permite demarcar novos territórios indígenas nas áreas que estavam ocupados por eles em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. 

 A tese do marco temporal foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas o veto foi derrubado por deputados e senadores em uma sessão do Congresso Nacional. Depois, o próprio governo declarou que apresentaria um recurso contra a lei ao STF, na expectativa de que a Suprema Corte faça valer sua decisão. 

 

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