Denúncias de irregularidades envolvendo assessor deixam filho do presidente eleito exposto no Senado e faz oposição na Câmara sonhar com primeira CPI da nova administração
A revelação de que um ex-assessor do filho de Jair Bolsonaro movimentou em um ano 1,2 milhão de reais, valor que seria incompatível com a sua renda, abre um flanco de desgaste do presidente eleito no Congresso Nacional antes mesmo da sua posse. Nos corredores da Câmara e do Senado, a avaliação de parlamentares é que nem o capitão reformado do Exército nem seu filho, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), conseguiram até o momento dar uma explicação que estanque o prejuízo político gerado pelo caso, o que faz deputados da oposição já sonharem com a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da nova administração. Para além disso, o episódio tira a força de Flávio Bolsonaro na sua estreia no Senado Federal em 1º de fevereiro, segundo alguns parlamentares, o que traz implicações diretas nas articulações para a eleição do novo presidente da Casa.
Senador mais votado no Rio de Janeiro (superou a marca de 4,3 milhões de votos) e filho do presidente eleito, Flávio Bolsonaro está fadado a ser um dos principais protagonistas da Casa nos próximos anos. E ele já vinha desempenhando esse papel de destaque em declarações feitas poucos dias antes das notícias que atingiram em cheio seu ex-assessor, ao dizer, por exemplo, que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) não teria o apoio do novo governo no seu pleito de presidir novamente o Senado por não representar "a nova forma de fazer política."
A situação mudou com a divulgação, na semana passada pelo jornal O Estado de S.Paulo, de informações de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que mostrou transações atípicas do policial militar Fabrício José Carlos de Queiroz, que trabalhou por mais de 10 anos para Flávio Bolsonaro e esteve lotado em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Nessas transações, foi identificado um cheque no valor de 24.000 reais para a futura primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A avaliação nesta semana, tanto entre senadores opositores quanto aliados, é que Flávio Bolsonaro estreará no Senado exposto e fragilizado. "Ele chega absolutamente desgastado, o caso expõe a família inteira", diz um futuro adversário. O diagnóstico é semelhante ao dado por um senador de um partido que deve apoiar Bolsonaro no Senado: "Ele vai ficar com essa espada na cabeça", relata.
O enfraquecimento de Flávio tem reflexos na disputa pela presidência do Senado que ocorrerá em 1º de fevereiro. O governo de transição tem insistido aos senadores que não aceita o retorno de Renan Calheiros ao comando do Congresso Nacional e passou a articular a candidatura de uma alternativa. Hoje, o nome mais forte para enfrentar o emedebista é o do tucano Tasso Jereissati (CE).
O veto de Bolsonaro a Calheiros ficou evidente nesta terça-feira, quando o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), participou de um almoço com senadores do PSDB justamente no gabinete de Jereissati. Segundo pessoas que estiveram presentes, Lorenzoni argumentou que a vitória de Bolsonaro nas urnas representou a derrota dos partidos políticos, da mídia e do sistema de financiamento atual; e que, nesse sentido, o resultado da eleição para a presidência do Senado "não pode ser uma mensagem diametralmente oposta ao recado das urnas."
Renan Calheiros tem repetido que não é candidato e que a definição sobre quem postulará à cadeira de presidente só será realizada na véspera do dia do pleito. Mas, com a experiência de quem já comandou o Senado em três ocasiões anteriores, ele atua nos bastidores para viabilizar seu nome. E, entre seus colaboradores, o episódio que fragiliza politicamente Flávio Bolsonaro é considerado algo que reforça a posição de Calheiros. "O Onyx se reuniu com o PSDB e sugeriu que a eleição do Renan estava na contramão da história. Oras, a história do Coaf que envolve o Flávio também está na contramão da história", reage um defensor da candidatura de Calheiros.
Há mais elementos que aumentam as suspeitas do caso envolvendo o ex-funcionário de Flávio Bolsonaro: sete outros assessores que estão ou foram vinculados ao gabinete do senador eleito na Alerj realizaram depósitos na conta de Fabrício de Queiroz. E a maior parte desses depósitos ocorreu em datas próximas ao dia de pagamento dos funcionários da Assembleia. O relatório do Coaf identificou ainda transações consideradas "atípicas" de assessores de outros 20 deputados da Alerj de diferentes partidos, entre eles PT, PSC e PSOL. Como há indícios de irregularidades, o material foi remetido para investigação ao Ministério Público Estadual.
Flávio Bolsonaro usou nesta quinta-feira as redes sociais para se defender e publicou uma mensagem na qual se diz "angustiado" e querendo que os fatos sejam logo elucidados. "Não fiz nada de errado, sou o maior interessado em que tudo se esclareça pra ontem, mas não posso me pronunciar sobre algo que não sei o que é, envolvendo meu ex-assessor", escreveu.
PT busca assinaturas para CPI
Diante de um episódio que tem potencial de desgastar o governo Bolsonaro no seu início, deputados do PT prometem articular, tão logo ocorra a posse do novo Congresso, a coleta de apoios para a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigue os indícios de malfeitos.
Para que isso ocorra, são necessárias as assinaturas de ao menos 171 deputados, um número que a própria oposição na Câmara reconhece ainda não ter. No momento, o diagnóstico é que o governo Bolsonaro inaugurará o seu mandato com grande capital político proveniente do resultado das eleições, quando o capitão reformado do Exército recebeu mais de 57 milhões de votos, o que lhe dará força no Congresso para bloquear esse tipo de investigação legislativa. No entanto, a lista de signatários de uma possível CPI tende a aumentar caso surjam novas denúncias que aproximem as suspeitas do núcleo mais próximo ao presidente eleito. "Se aprofundar isso pode sim gerar uma CPI. Mas, se ficar só com o que se conhece até agora, um governo recém-empossado tem força para barrar", avalia o líder do PDT na Câmara, deputado André Figueiredo (CE).
O estrago que as acusações podem gerar na base de apoio de Bolsonaro na Câmara é reconhecido até mesmo por deputados que apoiam o presidente eleito na Casa. "Se não ficar bem esclarecido no recesso, a oposição já inaugura 1º de fevereiro com um pedido de CPI", alerta o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos expoentes da bancada evangélica.
SUSPEITAS DO COAF GERAM ‘FOGO AMIGO’ NO PSL
A notícia de que um ex-assessor de Flávio Bolsonaro movimentou atipicamente 1,2 milhão de reais gerou um "fogo amigo" nas filas do próprio partido do presidente eleito, o PSL. A deputada estadual eleita em São Paulo Janaina Paschoal, co-autora do pedido de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, defendeu em uma entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo a investigação do caso. "Vamos apurar e o que tiver de ser será. Não é isso que o presidente [Bolsonaro] sempre fala? Que não temos que ter medo da verdade? Seja ela qual for. Nosso País tem que amadurecer", declarou Paschoal.
No Twitter, ela relatou ainda uma palestra que teve na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), onde toma posse no início do ano que vem, em que um funcionário da Corregedoria da Casa havia alertado para a prática ilegal de devolução, ao parlamentar, de parte do salário dos assessores de um gabinete. Questionada na entrevista ao Estadão se ela considerava que o caso envolvendo o ex-assessor de Flávio Bolsonaro poderia configurar esse tipo de irregularidade, a futura deputado estadual disse que afirmar isso seria uma irresponsabilidade. "Mas um bom investigador não pode descartar", emendou.
Outro integrante do PSL a fazer referências indiretas às suspeitas foi o deputado federal eleito por São Paulo Alexandre Frota. Também sem mencionar nominalmente Flávio Bolsonaro ou seu ex-assessor, Frota fez uma postagem no Twitter na qual citou a prática de devolução de salário de assessores no Legislativo. "Eu vou falar que é de uma vagabundagem muito grande contratar um funcionário, pagá-lo e receber de volta 50% do salário do cara. Mas o funcionário também é bem culpado. Eu acho isso um absurdo", escreveu.