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Um mês depois de deixar o comando do Ministério da Saúde do governo Bolsonaro, o médico e empresário Nelson Teich diz que foi um erro o governo tirar os dados sobre a covid-19 do site, que o Brasil não deveria deixar a OMS e que "não é bom" que o país ainda não tenha um ministro da Saúde oficial — quem comanda a pasta atualmente é um ministro interino, o militar Eduardo Pazuello.
Em entrevista à BBC, Teich, que não chegou a completar um mês à frente da pasta de Saúde, deu detalhes sobre o desentendimento com o presidente, Jair Bolsonaro, sobre o uso de cloroquina — em particular sobre a questão de incluir o remédio no protocolo de combate à pandemia de covid-19 do SUS (Sistema Único de Saúde).
"Se você usar o dinheiro para incorporar remédios que você não consegue provar que são efetivos, você não está usando o dinheiro em outras coisas que são essenciais", disse ele à correspondente da BBC no América Latina, Katy Watson.
Para o ex-ministro, que nega ter sido pressionado para mudar números de casos e mortes por covid-19, houve um "enfraquecimento do ministério da Saúde". Mas ele evitou criticar Bolsonaro diretamente, disse que nunca sofreu pressão no ministério e afirmou que a atitude do presidente "não é 100% do problema".
Leia abaixo trechos selecionados e traduzidos da entrevista, originalmente feita em inglês.
O Brasil está no segundo lugar dos países com mais casos de covid-19(foto: BBC)
BBC - O sr. deixou o cargo de ministro da Saúde depois de menos de um mês. Por quê?
Nelson Teich - É uma questão de se você está alinhado ou não com o presidente. Esta é a principal razão. Eu tinha um jeito diferente [do presidente] sobre como deveríamos decidir os próximos passos. Naquele momento, a cloroquina era a principal discussão, mas vai além disso. É uma questão sobre como decidir sobre avaliação e incorporação de tecnologias, e isso é relacionado com a forma como o sistema é financiado. Se você começa a aceitar tecnologias só porque você teve um teste em laboratório...
Cloroquina não é um remédio caro, mas pense em câncer, remédios raros, doenças ultrarraras... Se você usar o dinheiro para incorporar remédios que você não consegue provar que são efetivos, você não está usando o dinheiro em outras coisas que são essenciais para a ciência. Então não é uma questão específica em relação à cloroquina, é sobre como você administra o sistema. O presidente tinha uma posição, eu tinha uma posição diferente e ele é o cara que foi eleito, ele representa a sociedade e ele me nomeou. Então se um de nós tinha que sair, eu era o cara que tinha que sair.
Mas eu acho que é importante dizer: nós nunca tivemos uma briga, nunca foi... Tivemos conversas o tempo todo. E eu discuti com ele muitas coisas. E é importante para você ver o quão difícil é quando você tem polarização e politização de problemas de saúde pública. Um dos problemas que temos hoje é que você tem muitos problemas de saúde que estão sendo lidados de forma política, com uma perspectiva polarizada.
BBC - O sr. acha que a OMS é, como Bolsonaro diz, partidária? O sr. falou sobre a politização da pandemia.
Teich - Em minha opinião pessoal, hoje, os benefícios da OMS para o países são significativos, eu não sairia da OMS. Se eu tenho qualquer questionamento sobre a forma como as coisas estão sendo feitas na OMS, eu iria até aqueles que estão liderando a OMS, explicaria o que eu acho que não é ok, daria os motivos pelos quais eu acho que não é ok, diria qual é a forma que eu acredito que a instituição deveria se comportar, como eu administraria a instituição. Então eu acompanharia o que iria acontecer no futuro.
BBC - O sr. foi pressionado de alguma forma para mudar a forma como o governo lida com os números. As mudanças que o governo tentou fazer [e depois voltou atrás] chegaram a ser discutidas quando o sr. foi ministro da Saúde?
Teich - Nós vamos ter acesso à informação hoje porque a informação vem dos Estados. E é consolidada pelo Ministério da Saúde. Então, se o Ministério da Saúde não consolidar essa informação, outra instituição vai fazer isso. Você já tem algumas instituições fazendo o mesmo. O principal problema hoje é como o Ministério da Saúde é visto pela sociedade e por outras instituições do governo. Se nós enfraquecemos o Ministério da Saúde, não é bom. Porque o ministério é um líder do sistema de saúde, embora seja necessário trabalhar com os Estados e municípios. O Ministério da Saúde discute estratégias, políticas, tudo.
BBC - Mas o sr. se sentiu pressionado, houve essa conversa sobre mudar os números com os quais o governo não estava satisfeito?
Teich - Não houve pressão. Nunca aconteceu comigo. Nunca. Um dos problemas que você tem em uma situação polarizada como essa, é quando as pessoas não estão ouvindo o que você está dizendo, estão mais preocupadas com como elas podem usar o que você está dizendo para defender seus próprios objetivos, então naquele momento... Se eu tentasse falar mais, causaria mais problemas do que soluções... Tive que tomar aquela decisão naquele momento. Mas eu nunca sofri nenhuma pressão para esconder números ou para manipular números. Realmente, nunca aconteceu comigo.
BBC - Porque o sr. acha que Jair Bolsonaro está fazendo isso? Porque informação é importante, nós não temos vacinas, os números dizem o suficiente sobre a situação no país.
Teich - Para ser honesto, eu não consigo imaginar o governo tentando esconder os números. Porque é impossível esconder os números...Eu não vou julgar o que acontece dentro do Ministério da Saúde sem informações detalhadas sobre o que está acontecendo. Temos que tomar cuidado com o que presumimos... Eu não estou tentando defender nada, estou dizendo que é essa forma como eu lidaria com o problema. Eu teria que bter mais informações sobre o que está acontecendo antes de fazer julgamentos ou dizer algo.
Benefícios de estar na OMS são maiores do que qualquer desvantagem, diz Teich(foto: AFP\Getty)
BBC - Estou tentando entender, porque o Brasil está sozinho nisso. Retirar os números totais do site, por qualquer motivo, para o resto do mundo, parece preocupante. Porque é mais difícil acessar a informação. Sim, você pode conseguir através dos Estados, mas dificultar o acesso à informação em uma época de crise crescente é algo que ninguém mais está fazendo.
Teich - Eu não posso dizer o porquê disso, o que posso dizer é que foi um grande erro. Porque estamos falando em confiança, mesmo que você tenha acesso à informação, a forma como a sociedade vai ver o Ministério da Saúde, como as outras instituições do governo... Não apenas no Ministério da Saúde, mas em qualquer instituição que é essencial para o governo: você não pode enfraquecer, porque quando as instituições são enfraquecidas o sistema todo tem um problema. O governo tem um problema.
Eu não sei por que foi feito, mas o que eu posso dizer, de fora, pelo que consigo ver... Eles já mudaram, o site tem a informação agora. Se as pessoas têm a percepção de que talvez você esteja tentando fazer algo "errado", isso é um problema pro ministério conseguir liderar. Eu não vou te dar uma explicação, porque eu não tenho, a única coisa que posso dizer são as consequências. Eu acho que é completamente possível para o Ministério da Saúde recuperar sua força e voltar como líder desse processo.
BBC - Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, e eles veem antagonismo em relação à OMS, falta de distanciamento social, discordâncias quanto à quarentena, uma abordagem caótica em geral. Como um profissional de medicina: você acha que alguma dessas coisas é justificável?
Teich - Como eu disse, eu não vou julgar o presidente, eu acho que ele vai ser julgado no futuro pelas eleições, ou pela história, mas o que eu posso dizer é que quando eu estava atuando como ministro da Saúde, independentemente da discussão que estava acontecendo sobre cloroquina, distanciamento social, todas as decisões que estávamos tomando eram baseadas em avaliações técnicas, então eles não tinham nenhum influência no Ministério da Saúde na época.
Muitas pessoas presumem que 100% do problema vem do comportamento do presidente. E quando você faz isso, você deixa de prestar atenção a outras coisas que talvez sejam até mais importantes, e você não está focando seus esforços em mudar. Então precisamos prestar atenção ao presidente, precisamos ter conversas com ele todo o tempo, mas acho que precisamos prestar atenção a outras variáveis que provavelmente, talvez, tem maior impacto... O que vai acontecer com a sociedade se ficarmos por um longo tempo com distanciamento físico?
BBC - Em última instância, o presidente é o político mais importante do país. As pessoas o procuram para liderança. Então se você tem o presidente dizendo algo, sem dúvidas isso vai ter um efeito na forma como as pessoas se comportam. A sobrevivência das pessoas não é necessariamente uma questão de ter que voltar ao trabalho, é uma questão do presidente dar suporte para que essas pessoas fiquem em casa. Mas isso não aconteceu no Brasil. Você tem um presidente dizendo às pessoas que não é importante ficar em casa, é importante manter a economia funcionando. Isso tem uma influência enorme no comportamento das pessoas.
Teich - Eu concordo completamente com você que isso é algo que idealmente não deveria estar acontecendo. O que eu estou dizendo é que eu não posso presumir que isso é 100% do problema. O governo está ajudando as pessoas a ficar em casa. O problema de ficar em casa em um país como o Brasil é que o distanciamento social é mais um privilégio do que uma política. Especialmente se você vai para favelas, é difícil dizer para as pessoas que precisam se isolar.
Eu sei que precisamos prestar atenção no que o presidente está dizendo, mas temos que prestar atenção em outras coisas. É claro que distanciamentoo social é necessário. Mas temos que melhorar as formas de como as pessoas vão fazer isso. Especialmente se não sabemos quanto tempo vai demorar para resolver essa pandemia.
BBC - E o que deveria acontecer? O quão preocupado o sr. está com a situação no Brasil hoje? Para onde o país está indo?
Teich - Em primeiro lugar, temos muita incerteza quanto ao que vai acontecer em relação à COVID-19. Isso é uma das principais dúvidas. Nós não temos muitas informações sobre a doença. Há um tempo atrás as pessoas estavam dizendo que precisávamos de 60% a 70% da população infectada para ter imunidade de rebanho, agora estão falando de imunidade cruzada, onde outras infecções por coronavírus no passado podem ajudar a proteger a sociedade e talvez não seja necessário ter 70% de pessoas que tenham tido contato com o vírus. Nós não sabemos exatamente o que vai acontecer.
Isso é um desafio porque nunca tivemos esse tipo de situação antes. Não sabemos quanto tempo vai durar, como isso vai afetar as pessoas, qual vai ser o comportamento das pessoas ao longo do tempo. Temos que ver como a economia vai andar, também. E também temos que ver como se desenvolverão as discussões políticas, a polarização.
Eu me formei no Reino Unido e nós fazíamos modelagens o tempo todo. E um modelo é só um exercício matemático, não uma previsão do futuro. O resultado do modelo depende das variáveis que você escolhe, das premissas que você tem. Dependendo disso tudo, o resultado vai ser completamente diferente. Então não podemos confundir modelagem com pesquisa científica. É apenas uma opinião, uma previsão, mas você não pode presumir.
BBC - No entanto todos os modelos preveem que a situação real é bem pior do que os números oficiais. Mas parece que todas as vezes que os números aumentam, o Brasil está na defensiva, em vez de aceitar que mil mortes todos as noites é uma terrível perda de vidas. Parece que o Brasil está tentando encontrar uma desculpa em vez de assumir responsabilidade pelos números crescentes.
Teich - Eu não concordo com você. Você está assumindo que, porque algumas pessoas tem um posicionamento, esse é um posicionamento do país todo. O que eu estou dizendo é que isso não é verdade. O país está vendo o problema, está vendo o quão desafiador ele é, muito sofrimento. O país, como país, não está subestimando a COVID-19.
Só porque você tem discussões, não quer dizer que as coisas não estão acontecendo, que ações não estão sendo tomadas. As coisas estão acontecendo. O país está funcionando. O país está se preocupando com a situação. Não estamos paralisados.
BBC - No entanto, o sr. falou sobre a importância do papel do ministro da Saúde, de ter um médico no cargo. No momento, o Brasil tem um ministro interino, que é militar, não médico. Quanto poder o sr. tinha como ministro da Saúde? O sr. acha que o ministério agora está indo na direção certa?
Teich - Quando eu era ministro, eu tinha todo o poder que precisava. Então a discussão sobre incorporação não mudou, a discussão sobre distanciamento social não mudou, mas eu não posso te dizer o que está acontecendo hoje, porque eu não estou lá. Eu acho que não ter um ministro da Saúde no momento não é bom. Temos que colocar alguém lá, com autoridade para falar.
Depois que você decide que aquela pessoa é a pessoa que vai estar lá, eu acho que não devemos fazer um julgamento precipitado sobre a pessoa. Se vem do Exército, ou de outro lugar... Depois que você decidiu que ele vai ser o ministro da Saúde, o que você tem que fazer é ver o que ele vai entregar, qual a execução, o que acontece com a ciência, o que acontece com o sistema de saúde. Eu preferiria ter um médico com experiência em administrar instituições, mas não necessariamente eu estou certo..
BBC - Como o sr. acha que a história vai julgar Jair Bolsonaro e a maneira como ele lidou com a covid-19?
Teich - Talvez no futuro, na próxima eleição, seja o momento... Porque não sabemos exatamente como a COVID-19 vai se desenvolver. Não sabemos quanto tempo vai demorar para resolver o problema, se uma vacina virá ou não, não sabemos o que vai ser dos problemas na economia, não sabemos sobre as consequências sociais do que está acontecendo, temos que levar tudo isso em consideração. Estamos exatamente no meio do problema.
Depois que isso tiver passado, vamos olhar para trás e ver que talvez se tivéssemos feito desse ou daquele jeito seria melhor, mas hoje não dá para saber o que vai acontecer. Mas acho que muitos anos vão ser necessários para chegarmos numa conclusão sobre quem está certo ou errado.
BBC - Mas o sr. tem sua opinião pessoal, o sr. ajudou a fazer campanha para Bolsonaro, como sua visão sobre ele como um líder mudou?
Teich - De novo, eu não vou julgá-lo hoje. Então eu acho que precisamos esperar e ver o que acontece. O que eu tentei fazer como ministro da Saúde todo dia foi tentar fazer o que eu achava que era o melhor para o sistema de saúde. Mas eu não vou julgar, não apenas ele, mas ninguém, hoje. Eu tenho que esperar para ver o que vai acontecer.
BBC - Mas o sr., como pessoa, era próximo a ele, o sr. ainda o respeita hoje do mesmo jeito que antes, como líder?
Teich - Eu... Eu não o conhecia, como líder, antes da eleição. Eu apenas o conheci depois que comecei a trabalhar no Ministério da Saúde. Nós tivemos conversas, era sempre fácil dialogar com ele, conversar com ele. Os resultados da liderança dele, só o futuro vai dizer. Não só sobre o presidente, é sobre qualquer pessoa...
Eu tento não julgar no momento errado, quando você está no meio do problema.
Eu não vou te dar um posicionamento, porque se eu fizer isso hoje, não vai ser o que está certo ou errado, apenas o futuro vai dizer. E o motivo pelo qual eu estou fazendo isso não é porque eu não quero me posicionar...
BBC - O sr. votou nele e depois saiu, então, presumidamente, isso nos diz o suficiente sobre o sr. achar que esse não era o caminho a ser seguido.
Teich - Eu não concordo com ele sobre como administrar o sistema de saúde, então está absolutamente claro, senão eu estaria lá. Às vezes as pessoas só querem que eu diga algo, mas é absolutamente óbvio por que aconteceu. E não é porque eu tenho medo de dizer, mas porque eu respeito o que não se sabe, então é por isso que eu não te dou um posicionamento, porque podem ser opiniões que no futuro serão completamente diferentes.
Esse é o único motivo pelo qual eu não quero dar opinião sobre algumas coisas específicas. Temos que esperar algum tempo para ter a resposta exata.
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Um mês depois de deixar o comando do Ministério da Saúde do governo Bolsonaro, o médico e empresário Nelson Teich diz que foi um erro o governo tirar os dados sobre a covid-19 do site, que o Brasil não deveria deixar a OMS e que "não é bom" que o país ainda não tenha um ministro da Saúde oficial — quem comanda a pasta atualmente é um ministro interino, o militar Eduardo Pazuello.
Em entrevista à BBC, Teich, que não chegou a completar um mês à frente da pasta de Saúde, deu detalhes sobre o desentendimento com o presidente, Jair Bolsonaro, sobre o uso de cloroquina — em particular sobre a questão de incluir o remédio no protocolo de combate à pandemia de covid-19 do SUS (Sistema Único de Saúde).
"Se você usar o dinheiro para incorporar remédios que você não consegue provar que são efetivos, você não está usando o dinheiro em outras coisas que são essenciais", disse ele à correspondente da BBC no América Latina, Katy Watson.
Para o ex-ministro, que nega ter sido pressionado para mudar números de casos e mortes por covid-19, houve um "enfraquecimento do ministério da Saúde". Mas ele evitou criticar Bolsonaro diretamente, disse que nunca sofreu pressão no ministério e afirmou que a atitude do presidente "não é 100% do problema".
Leia abaixo trechos selecionados e traduzidos da entrevista, originalmente feita em inglês.
O Brasil está no segundo lugar dos países com mais casos de covid-19(foto: BBC)
BBC - O sr. deixou o cargo de ministro da Saúde depois de menos de um mês. Por quê?
Nelson Teich - É uma questão de se você está alinhado ou não com o presidente. Esta é a principal razão. Eu tinha um jeito diferente [do presidente] sobre como deveríamos decidir os próximos passos. Naquele momento, a cloroquina era a principal discussão, mas vai além disso. É uma questão sobre como decidir sobre avaliação e incorporação de tecnologias, e isso é relacionado com a forma como o sistema é financiado. Se você começa a aceitar tecnologias só porque você teve um teste em laboratório...
Cloroquina não é um remédio caro, mas pense em câncer, remédios raros, doenças ultrarraras... Se você usar o dinheiro para incorporar remédios que você não consegue provar que são efetivos, você não está usando o dinheiro em outras coisas que são essenciais para a ciência. Então não é uma questão específica em relação à cloroquina, é sobre como você administra o sistema. O presidente tinha uma posição, eu tinha uma posição diferente e ele é o cara que foi eleito, ele representa a sociedade e ele me nomeou. Então se um de nós tinha que sair, eu era o cara que tinha que sair.
Mas eu acho que é importante dizer: nós nunca tivemos uma briga, nunca foi... Tivemos conversas o tempo todo. E eu discuti com ele muitas coisas. E é importante para você ver o quão difícil é quando você tem polarização e politização de problemas de saúde pública. Um dos problemas que temos hoje é que você tem muitos problemas de saúde que estão sendo lidados de forma política, com uma perspectiva polarizada.
BBC - O sr. acha que a OMS é, como Bolsonaro diz, partidária? O sr. falou sobre a politização da pandemia.
Teich - Em minha opinião pessoal, hoje, os benefícios da OMS para o países são significativos, eu não sairia da OMS. Se eu tenho qualquer questionamento sobre a forma como as coisas estão sendo feitas na OMS, eu iria até aqueles que estão liderando a OMS, explicaria o que eu acho que não é ok, daria os motivos pelos quais eu acho que não é ok, diria qual é a forma que eu acredito que a instituição deveria se comportar, como eu administraria a instituição. Então eu acompanharia o que iria acontecer no futuro.
BBC - O sr. foi pressionado de alguma forma para mudar a forma como o governo lida com os números. As mudanças que o governo tentou fazer [e depois voltou atrás] chegaram a ser discutidas quando o sr. foi ministro da Saúde?
Teich - Nós vamos ter acesso à informação hoje porque a informação vem dos Estados. E é consolidada pelo Ministério da Saúde. Então, se o Ministério da Saúde não consolidar essa informação, outra instituição vai fazer isso. Você já tem algumas instituições fazendo o mesmo. O principal problema hoje é como o Ministério da Saúde é visto pela sociedade e por outras instituições do governo. Se nós enfraquecemos o Ministério da Saúde, não é bom. Porque o ministério é um líder do sistema de saúde, embora seja necessário trabalhar com os Estados e municípios. O Ministério da Saúde discute estratégias, políticas, tudo.
BBC - Mas o sr. se sentiu pressionado, houve essa conversa sobre mudar os números com os quais o governo não estava satisfeito?
Teich - Não houve pressão. Nunca aconteceu comigo. Nunca. Um dos problemas que você tem em uma situação polarizada como essa, é quando as pessoas não estão ouvindo o que você está dizendo, estão mais preocupadas com como elas podem usar o que você está dizendo para defender seus próprios objetivos, então naquele momento... Se eu tentasse falar mais, causaria mais problemas do que soluções... Tive que tomar aquela decisão naquele momento. Mas eu nunca sofri nenhuma pressão para esconder números ou para manipular números. Realmente, nunca aconteceu comigo.
BBC - Porque o sr. acha que Jair Bolsonaro está fazendo isso? Porque informação é importante, nós não temos vacinas, os números dizem o suficiente sobre a situação no país.
Teich - Para ser honesto, eu não consigo imaginar o governo tentando esconder os números. Porque é impossível esconder os números...Eu não vou julgar o que acontece dentro do Ministério da Saúde sem informações detalhadas sobre o que está acontecendo. Temos que tomar cuidado com o que presumimos... Eu não estou tentando defender nada, estou dizendo que é essa forma como eu lidaria com o problema. Eu teria que bter mais informações sobre o que está acontecendo antes de fazer julgamentos ou dizer algo.
Benefícios de estar na OMS são maiores do que qualquer desvantagem, diz Teich(foto: AFP\Getty)
BBC - Estou tentando entender, porque o Brasil está sozinho nisso. Retirar os números totais do site, por qualquer motivo, para o resto do mundo, parece preocupante. Porque é mais difícil acessar a informação. Sim, você pode conseguir através dos Estados, mas dificultar o acesso à informação em uma época de crise crescente é algo que ninguém mais está fazendo.
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Eu não sei por que foi feito, mas o que eu posso dizer, de fora, pelo que consigo ver... Eles já mudaram, o site tem a informação agora. Se as pessoas têm a percepção de que talvez você esteja tentando fazer algo "errado", isso é um problema pro ministério conseguir liderar. Eu não vou te dar uma explicação, porque eu não tenho, a única coisa que posso dizer são as consequências. Eu acho que é completamente possível para o Ministério da Saúde recuperar sua força e voltar como líder desse processo.
BBC - Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, e eles veem antagonismo em relação à OMS, falta de distanciamento social, discordâncias quanto à quarentena, uma abordagem caótica em geral. Como um profissional de medicina: você acha que alguma dessas coisas é justificável?
Teich - Como eu disse, eu não vou julgar o presidente, eu acho que ele vai ser julgado no futuro pelas eleições, ou pela história, mas o que eu posso dizer é que quando eu estava atuando como ministro da Saúde, independentemente da discussão que estava acontecendo sobre cloroquina, distanciamento social, todas as decisões que estávamos tomando eram baseadas em avaliações técnicas, então eles não tinham nenhum influência no Ministério da Saúde na época.
Muitas pessoas presumem que 100% do problema vem do comportamento do presidente. E quando você faz isso, você deixa de prestar atenção a outras coisas que talvez sejam até mais importantes, e você não está focando seus esforços em mudar. Então precisamos prestar atenção ao presidente, precisamos ter conversas com ele todo o tempo, mas acho que precisamos prestar atenção a outras variáveis que provavelmente, talvez, tem maior impacto... O que vai acontecer com a sociedade se ficarmos por um longo tempo com distanciamento físico?
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Teich - Eu concordo completamente com você que isso é algo que idealmente não deveria estar acontecendo. O que eu estou dizendo é que eu não posso presumir que isso é 100% do problema. O governo está ajudando as pessoas a ficar em casa. O problema de ficar em casa em um país como o Brasil é que o distanciamento social é mais um privilégio do que uma política. Especialmente se você vai para favelas, é difícil dizer para as pessoas que precisam se isolar.
Eu sei que precisamos prestar atenção no que o presidente está dizendo, mas temos que prestar atenção em outras coisas. É claro que distanciamentoo social é necessário. Mas temos que melhorar as formas de como as pessoas vão fazer isso. Especialmente se não sabemos quanto tempo vai demorar para resolver essa pandemia.
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Teich - Em primeiro lugar, temos muita incerteza quanto ao que vai acontecer em relação à COVID-19. Isso é uma das principais dúvidas. Nós não temos muitas informações sobre a doença. Há um tempo atrás as pessoas estavam dizendo que precisávamos de 60% a 70% da população infectada para ter imunidade de rebanho, agora estão falando de imunidade cruzada, onde outras infecções por coronavírus no passado podem ajudar a proteger a sociedade e talvez não seja necessário ter 70% de pessoas que tenham tido contato com o vírus. Nós não sabemos exatamente o que vai acontecer.
Isso é um desafio porque nunca tivemos esse tipo de situação antes. Não sabemos quanto tempo vai durar, como isso vai afetar as pessoas, qual vai ser o comportamento das pessoas ao longo do tempo. Temos que ver como a economia vai andar, também. E também temos que ver como se desenvolverão as discussões políticas, a polarização.
Eu me formei no Reino Unido e nós fazíamos modelagens o tempo todo. E um modelo é só um exercício matemático, não uma previsão do futuro. O resultado do modelo depende das variáveis que você escolhe, das premissas que você tem. Dependendo disso tudo, o resultado vai ser completamente diferente. Então não podemos confundir modelagem com pesquisa científica. É apenas uma opinião, uma previsão, mas você não pode presumir.
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Teich - De novo, eu não vou julgá-lo hoje. Então eu acho que precisamos esperar e ver o que acontece. O que eu tentei fazer como ministro da Saúde todo dia foi tentar fazer o que eu achava que era o melhor para o sistema de saúde. Mas eu não vou julgar, não apenas ele, mas ninguém, hoje. Eu tenho que esperar para ver o que vai acontecer.
BBC - Mas o sr., como pessoa, era próximo a ele, o sr. ainda o respeita hoje do mesmo jeito que antes, como líder?
Teich - Eu... Eu não o conhecia, como líder, antes da eleição. Eu apenas o conheci depois que comecei a trabalhar no Ministério da Saúde. Nós tivemos conversas, era sempre fácil dialogar com ele, conversar com ele. Os resultados da liderança dele, só o futuro vai dizer. Não só sobre o presidente, é sobre qualquer pessoa...
Eu tento não julgar no momento errado, quando você está no meio do problema.
Eu não vou te dar um posicionamento, porque se eu fizer isso hoje, não vai ser o que está certo ou errado, apenas o futuro vai dizer. E o motivo pelo qual eu estou fazendo isso não é porque eu não quero me posicionar...
BBC - O sr. votou nele e depois saiu, então, presumidamente, isso nos diz o suficiente sobre o sr. achar que esse não era o caminho a ser seguido.
Teich - Eu não concordo com ele sobre como administrar o sistema de saúde, então está absolutamente claro, senão eu estaria lá. Às vezes as pessoas só querem que eu diga algo, mas é absolutamente óbvio por que aconteceu. E não é porque eu tenho medo de dizer, mas porque eu respeito o que não se sabe, então é por isso que eu não te dou um posicionamento, porque podem ser opiniões que no futuro serão completamente diferentes.
Esse é o único motivo pelo qual eu não quero dar opinião sobre algumas coisas específicas. Temos que esperar algum tempo para ter a resposta exata.