DESESTATIZAÇÃO

Na tentativa de recuperar a confiança do mercado e defender a agenda liberal após turbulências com a troca no comando da Petrobras, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reforçou a intenção de privatizar a Eletrobras. 

Com a Medida Provisória (MP) 1.031 publicada na última terça-feira, o Planalto deu início aos estudos para a venda da companhia. No entanto, em 2019, o tema já havia sido apresentado no Congresso por meio do Projeto de Lei 5.877, que pouco avançou desde então. A proposta foi incluída na lista das 35 prioridades do governo para 2021, mas enfrenta resistência de parlamentares, e especialistas preveem dificuldades para que ela saia do papel. 


A MP é praticamente a repetição do projeto de lei que está no Congresso há dois anos, mas com mudanças no texto, como a exclusão dos programas Luz para Todos e Proinfa (de investimentos no setor) e a alteração no custo de novas outorgas de concessão de energia. 

Para o economista Bruno Carazza, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral, o governo quis dar uma sinalização de que a agenda de privatizações continua como prioridade, mas as dificuldades em fazer o texto avançar apontam obstáculos. 

“O projeto de lei ficou parado desde 2019, quando foi mandado para a Câmara, e praticamente nada andou. Agora, diante de toda essa repercussão que teve a intervenção do governo no setor energético, o governo quis melhorar sua imagem, com o projeto de privatização. Uma das principais críticas vem da frustração que o mercado teve com o fato de que a agenda de privatização anunciada por Paulo Guedes ainda na campanha não avançou praticamente nada”, avalia o economista.

A proposta de desestatização será feita por meio do aumento do capital social, com a redução do percentual da União sobre a companhia. Na prática, com a venda de novas ações no mercado, o percentual acionário da União (hoje de 60%) cairá para menos de 50%. O governo brasileiro terá uma ação preferencial de caráter especial (chamada “golden share”), que concede poder de veto a decisões estratégicas da empresa. 

O texto prevê ainda que nenhum acionista (ou grupo de acionista) tenha mais que 10% das ações equivalentes ao capital votante da empresa. E duas empresas subsidiárias da estatal, a Eletronuclear e a Itaipu Binacional, ficam fora do processo de desestatização, continuando como estatais brasileiras. 

As MPs têm prazo de vigência de 60 dias, prorrogável por mais 60 dias. Caso a análise pelo Parlamento não se dê dentro do prazo, seus dispositivos perderão eficácia, e as regras deixarão de valer. A intenção do governo é acelerar a discussão e aprovar a MP para que os estudos no BNDES avancem até que o PL seja aprovado no Congresso. 

Ao receber o texto das mãos do presidente Bolsonaro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), prometeram empenho para que a pauta avance, mas não descartaram mudanças. 

Compensação milionária por dez anos

Após a privatização, como contrapartida à União, a concessionária deverá pagar anualmente R$ 350 milhões, durante dez anos, visando desenvolver projetos de revitalização dos recursos hídricos na bacia do rio São Francisco. A proposta também tem previsto pagamento anual de R$ 295 milhões, pelo mesmo período, em projetos de geração energética na região da Amazônia, e mais R$ 230 milhões, anualmente, para projetos de revitalização na bacia de Furnas. Os valores serão corrigidos pelo IPCA. 

“Será um avanço para o Brasil. O setor elétrico vai, finalmente, ter o tratamento que ele merece. Em termos de investimento, em termos de competitividade, em torno de geração de emprego e renda. Serão gerados mais de 130 mil empregos a cada ano por conta dessa medida”, afirmou o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. 

Para o economista Bruno Carazza, os investimentos serão usados como moeda de troca pelo governo para conquistar apoio de várias bancadas no Parlamento. 

“O projeto prevê um volume de recursos grande para regiões da bacia do São Francisco, para agradar a bancada do Nordeste, também prevê R$ 295 milhões, para a Amazônia, e mais R$ 230 milhões para Furnas, para a bancada mineira. É um valor alto, que vai ter pouca transparência, a aplicação desses recursos será feita por um comitê gestor, definido pelo Poder Executivo, claramente terão indicações políticas e apadrinhados das regiões”, afirma Carazza.

Decisão de Dilma causou instabilidade no setor

Considerada fundamental para o desenvolvimento de regiões afastada dos grandes centros, a Eletrobras passou na última década por crises e turbulências. 

Segundo Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV), o momento mais crítico foi após a publicação de Medida Provisória 579, em setembro de 2012, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) tentou implementar medidas para abaixar o valor da conta de luz. 

“Desde o governo Michel Temer se discute a perda de controle acionário da União. A Eletrobras representa hoje 30% da capacidade instalada no país e tem quase metade das linhas de transmissão. Foi fundamental nos anos 2000, era um braço importante dos investimentos. Mas uma medida provisória em 2012 fragilizou a empresa. Reduziu a receita de geração, e o caixa da empresa caiu brutalmente. A então presidente Dilma queria abaixar a conta de luz, mas gerou uma instabilidade”, explica Lisbona.

Segundo ele, a perda do controle da estatal tem muita resistência no Congresso, mas as contrapartidas apresentadas pelo governo na MP podem amenizar algumas críticas ao texto.

“Após uma semana com vários ruídos sobre a Petrobras, o governo buscou essa sinalização com essa medida. As poucas alterações nos dois textos, do PL e da MP, podem garantir apoio de alguns blocos que não queriam essa proposta no Congresso”, avalia o pesquisador. Ele aponta ainda que várias questões até a efetiva venda da empresa devem ser discutidas no Parlamento, como o valor futuro da empresa e o sistema de cotas e preços para o setor elétrico.