ENTRE LINHAS


Alguns sustentam que o mitológico Doutor Fausto realmente existiu e reaparece na política. No fim da Idade Média, esse personagem do romantismo alemão teria feito um pacto com o demônio, Mefistófeles, a quem se submeteu, em troca de conhecimento, vida eterna e amor. Johann Wolfgang von Goethe(1749-1832) dedicou 60 anos à composição de Fausto, sua obra-prima, um poema dramático publicada em duas partes: a primeira em 1808 e a segunda, em 1832, já postumamente.

O resumo da tragédia é o seguinte; o insatisfeito e ambicioso Henrich Fausto conhece um demônio chamado Mefistófeles e com ele faz um acordo. Vende a própria alma, a troco de ver seus desejos realizados, entre eles o amor de Gretchen, por quem se apaixona. Para alguns, o personagem teria sido inspirada em Johann Georg Faust (1480 – 1540), alquimista, mago e astrólogo do Renascimento alemão.

O mito de Fausto é um arquétipo da literatura, do cinema, do teatro, da música e da pintura. Com certa recorrência, aparece como paradigma na política, como agora, na eleição de São Paulo, na qual o prefeito Ricardo Nunes (MDB) concorre à reeleição e busca o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro. O governador Tarcísio de Freitas (PR) e o ex-prefeito Gilberto Kassab, presidente do PSD e homem forte do Palácio dos Bandeirantes, já anunciaram apoio a Nunes. Mas Bolsonaro negaceia, quer um pacto com Nunes, que tenta remover a candidatura do deputado Ricardo Salles (PL), ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, aquele que quis “passar a boiada”

O presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, anunciou seu apoio a Nunes, mas Bolsonaro ainda não se decidiu. Quer um compromisso político mais ostensivo do prefeito, que busca o apoio dos eleitores bolsonaristas mas não quer ser identificado como tal, porque o ex-presidente foi derrotado por Lula na capital paulista. Nunes teme perder os eleitores órfãos de Bruno Covas. Por essa razão, Salles permanece uma alternativa para Bolsonaro, cuja base não se sente representada por Nunes.

A aproximação entre Nunes e Bolsonaro empurra Marta Suplicy, atual secretaria de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo, para fora do bloco político tecido na reeleição do tucano Bruno Covas, que faleceu precocemente, logo após as eleições de 2020. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha intensamente para que a ex-prefeita volte ao PT e componha a chapa do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) como vice. Avalia que Marta atrairia os eleitores de centro, consolidaria o apoio petista e compensaria a falta de experiência administrativa do seu candidato. Segundo o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), não existe resistência da legenda ao nome de Marta, embora a relação entre a ex-prefeita e o PT tenha sido tensa em muitos momentos.

Ruptura com Dilma

O próprio presidente Lula foi protagonista de alguns desses desencontros. Eleita prefeita de São Paulo, em 2000, Marta foi um esteio da eleição de Lula à Presidência de 2002. Mas não teve o apoio que esperava do petista na reeleição, em 2004, quando foi derrotada pelo tucano José Serra. Em 2006, pleiteou a candidatura ao governo de São Paulo e foi preterida por Lula, que bancou a candidatura do então senador Aloizio Mercadante. Entretanto, se elegeu senadora e foi convidada para ser ministra do Turismo. Em 2008, disputou novamente a prefeitura, com apoio de Lula, e perdeu para o então tucano Gilberto Kassab. De novo tentou ser candidata à Prefeitura de São Paulo, em 2012, mas foi convencida por Lula a ceder a vaga para o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que se elegeu.

A ruptura com o PT ocorreu na reeleição de Dilma Rousseff, de quem era ministra da Cultura, em 2014. Marta liderou o movimento pela volta do ex-presidente Lula ao Palácio do Planalto, nas eleições daquele ano, mas as articulações não prosperaram. Na convenção do PT, quando muitos esperavam que Lula anunciasse a intenção de voltar ao poder, a ex-presidente da República se antecipou e se declarou candidata à reeleição. Lula aceitou e a situação de Marta na Esplanada se tornou insustentável.

Marta retornou ao Senado e desfiliou-se do PT, em abril de 1914. A ex-prefeita optou pela filiação ao PMDB, para concorrer à Prefeitura de São Paulo, mas foi derrotada por João Doria (PSDB), em 2016. Nunca mais quis disputar eleições. Entretanto, em 2020, apoiou a reeleição de Bruno Covas, numa “frente ampla” contra Bolsonaro, sendo convidada para ser secretária de Relações Internacionais, cargo no qual foi mantida por Nunes, quando assumiu a prefeitura.

Fonte: em.com.br