O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um discurso em defesa ampla da democracia com referência direta ao filme que mostra os efeitos da ditadura militar na vida da família do ex-deputado Rubens Paiva: “Ainda estamos aqui”. A fala foi feita em uma cerimônia no Palácio do Planalto com outras autoridades para marcar os dois anos dos atos de 8 de janeiro.  

“Hoje é dia de dizermos em alto e bom som: ainda estamos aqui. Estamos aqui para dizer que estamos vivos e que a democracia está viva, ao contrário do que planejaram os golpistas de 8 de janeiro de 2023” disse o presidente.

Lula continuou: “Hoje estamos aqui para que ninguém seja morto ou desparecido em razão da causa que defende. Estamos aqui em nome de todas as Marias, Clarices e Eunices”, em citação a Eunice Paiva, esposa de Rubens, retratada no filme “Ainda estou aqui”. "Hoje é dia de dizermos em alto e bom som: ditadura nunca mais, democracia sempre", frisou.

No contexto da presença de militares no suposto plano de golpe de Estado revelado pela Polícia Federal (PF), Lula agradeceu diretamente a presença dos comandantes das Forças Armadas no evento.  

O presidente citou os comandantes do Exército, general Tomás Paiva, da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Damasceno, e da Marinha, almirante Marcos Olsen. De acordo com Lula, a presença deles mostra que “é possível ter as Forças Armadas com o propósito de defender a força nacional e, sobretudo, a soberania do povo brasileiro”.

Lula também citou o suposto plano coordenado com a participação de militares para assassinar ele, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.  

“Escapei da tentativa, junto com o ‘Xandão’ e companheiro Alckmin, de um atentado de um bando de irresponsáveis. Eu diria um bando de aloprados que acharam que não precisavam deixar a Presidência depois do resultado eleitoral e que seria fácil tomar o poder. Eu fico pensado: se tivesse dado certo, o que ia acontecer no país?”, questionou.

O presidente da República declarou que sempre que “sempre seremos implacáveis contra qualquer tentativa de golpe” e rebateu argumentos da direita, que acusa haver arbitrariedades nas condenações de envolvidos no 8 de janeiro

De acordo com Lula, “ninguém será preso injustamente” e “todos terão amplo direito de defesa e presunção de inocência”, inclusive quem esteve no suposto plano de morte dele e de outras autoridades.

Democracia
Lula repetiu inúmeras vezes em seu discurso que “a democracia venceu”. Caso contrário, disse que “a Constituição seria rasgada”, “a truculência tomaria o espaço do diálogo e todos os Poderes seriam um só e concentrado nas mãos dos fascistas”.  

O presidente disse defender sempre a liberdade de expressão, mas ressaltou que não haverá tolerância a discursos de ódio e de fake news. Ele frisou que, sem democracia, “a única liberdade de expressão permitida seria a do ditador e seus cumplices e usada para mentir e espalhar o ódio contra quem pensa diferente”. 

Outros exemplos de resultado do processo democrático citados por Lula foram o avanço da ciência e a erradicação de doenças por meio de vacinação e a restauração de obras de artes que viraram símbolo depois da destruição do ato praticado há dois anos. 

"A democracia não é uma coisa pequena. A democracia é muito grande para quem ama a liberdade, a cultura, a educação, a igualdade de direitos. Somente em um processo democrático a gente pode conquistar isso", afirmou.

Público
O presidente respondeu a comentários que questionaram o alcance do evento com a ausência dos chefes dos Poderes Legislativo e Judiciário e sobre o público presente na Praça dos Três Poderes para o último ato da cerimônia.

“Eu acho que hoje é um dia extremamente importante. Eu durante a leitura da imprensa de manhã, eu vi a preocupação de alguns meios de comunicação se ia ter muita ou pouca gente, se ia ser fracassado ou não. Um ato em defesa da democracia brasileira, mesmo que tiver uma só pessoa em uma praça pública, em um palanque, já é o suficiente”, destacou.

Segundo p petista, “as coisas que acontecem no mundo sempre começam com pouca gente, às vezes com uma pessoa”. Lula citou a campanha “Diretas Já” que não contou com divulgação pela imprensa e se tornou "a maior manifestação física que o povo brasileiro conhece”.

‘Xandão’ e férias de ministros
Logo que assumiu o microfone para discursar, Lula fez uma brincadeira com Moraes, chamado popularmente e especialmente em tom de ironia por seus críticos de “Xandão”.

“Eu tenho 79 anos de idade, já vivi muito e nunca conheci um ministro do STF que tivesse apelido dado pelo povo: Xandão. Pode ficar sério e não adianta ficar nervoso, porque ninguém vai parar de chamar de Xandão", disse, em tom descontraído.

O presidente também justificou o cancelamento das férias de vários de seus ministros de Estado para eles estivessem no evento em memória dos dois anos do 8 de janeiro. “Eu mesmo tinha assinado as férias de muitos. [O ministro da Justiça, Ricardo] Lewandowski ia para Paris ontem e suspendeu”, contou. 

Presenças
Diferente de 2024, o ato deste ano foi marcado pela ausência dos presidentes do Congresso Nacional e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso. Representaram eles os respectivos vice-presidentes, senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) e ministro Edson Fachin. 

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não compareceu, assim como fez no evento de um ano da invasão às sedes dos Três Poderes. A Casa foi representada pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), que comanda a Segunda Secretaria da Câmara.

Outros presentes foram nomes do primeiro escalão do governo Lula, como o chefe da Fazenda, Fernando Haddad, e os ministros do STF Alexandre de Moraes – que é relator dos processos sobre o 8 de janeiro –, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. 

Reintegração de obras de arte e ‘Abraço da Democracia’ 
Esse foi o terceiro momento do evento marcado por Lula. Antes, o presidente recebeu obras de arte que foram destruídas na invasão à sede do Poder Executivo em 2023. 

Ele reintegrou ao prédio, por exemplo, o relógio histórico Balthasar Martinot Boulle, do século 17, trazido ao Brasil por dom João VI em 1808. Existem no mundo apenas duas peças do relógio e a outra está exposta no Palácio de Versalhes, na França. A do Palácio do Planalto ficava no terceiro andar do prédio quando foi derrubado e danificado nos atos há dois anos. 

O conserto foi feito na Suíça ao longo de 2024, sem custos para o governo brasileiro, pela Audemars Piguet, uma marca suíça de fabricação de relógios tida como uma das mais tradicionais do mundo. O relógio chegou ao Planalto na terça-feira (7). 

Outra peça reintegrada foi uma ânfora italiana, um vaso em cerâmica esmaltada que foi quebrado. Também foi anunciado o fim do processo de restauro, com a entrega de 21 obras restauradas no Palácio da Alvorada – a residência oficial do presidente em Brasília - e o relógio, na Suíça.  

Em um segundo momento da cerimônia, que também antecedeu o ato com outras autoridades, foi apresentada a obra As Mulatas, de Di Cavalcanti. O quadro, avaliado em R$ 8 milhões, foi rasgado sete vezes durante os ataques. A obra de Di Cavalcanti restaurada foi apresentada no terceiro andar do Planalto, o mesmo que abriga o gabinete presidencial. 

Lula terminou o evento descendo a rampa do Planalto com outras autoridades. Eles foram em direção à Praça dos Três Poderes, localizada no centro do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) para o ato de “Abraço da Democracia”. Depois da descida da rampa, encontraram o público para o abraço.