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A importância do diálogo e da convivência nos bastidores do poder estão em falta na política atual, na avaliação de Maria Elvira de Sales Ferreira, uma das mulheres mais influentes da história de Minas Gerais. Em entrevista ao EM Minas, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e O Portal Uai, ela falou sobre política, cultura, viagens e experiências de vida.
Ex-deputada estadual e federal, ex-secretária de Estado, empresária, jornalista e relações públicas, relembrou seus momentos de pioneirismo na política e defendeu que o entendimento é o único resultado desejável do embate político: “Porque é através da política que a gente transforma a sociedade, que a gente constrói um mundo melhor”, disse. As viagens a 103 países, que estimularam experiências culturais marcantes, também não ficaram de fora da conversa.
Você é uma mulher que retrata a história de uma época em que vivíamos o entendimento na troca de ideias na política, não é? Não só mineira como nacional.
Verdade. Época do Dr. Tancredo, né? Tancredo de Almeida Neves. Época em que a gente respirava as lembranças de Juscelino Kubitschek. Eu conheci Juscelino pessoalmente, porque era amigo do meu pai, Newton Paiva Ferreira. Então, realmente, Minas era Minas e o Brasil eram outros, bem diferentes.
Maria Elvira foi pioneira: deputada estadual, deputada federal, secretária de Estado, uma das mulheres mais buscadas nas conversas políticas por décadas, apesar de ser novinha. A Maria Elvira deixou a política?
Olha, eu deixei os mandatos. Mas quem ama a política como eu nunca deixa a política. Eu continuo lendo muito, conversando muito, porque acho que o diálogo político é maravilhoso. Porque é através da política que a gente transforma a sociedade, que a gente constrói mundo melhor. E nunca aceitar que alguém diga que a política não é importante. Que a política não é visceral. O ser humano é político por natureza, e quem não entende isso, quem não percebe isso é meio burro. Mas não é essa política que a gente vê hoje de um xingando o outro. Isso tem um tanto de politicagem. É a política mesquinha, a política baixa, é a política ralé, é a política de olhar para o próprio umbigo. A política no sentido lato sensu é você cuidar do bem comum. É você se preocupar com o progresso, com o desenvolvimento de uma comunidade, fazer com que as pessoas sejam mais felizes, que as pessoas tenham o que elas precisam para viver bem. Crianças, adultos, idosos, portadores de deficiência, enfim, que as coisas sejam melhores distribuídas para que todos tenham, enfim, uma sociedade justa, uma sociedade mais igualitária.
É possível ainda a gente voltar àquele tempo? Você, no Congresso, liderava a frente das mulheres, das deputadas. Todas te respeitavam e vocês conversavam. Dá para voltar a esse tempo? Não existe mais essa política?
Sei que, por exemplo, a gente construiu uma amizade dentro do Congresso Nacional, por exemplo, Jandira Fegali, uma mulher comunista. Eu agora mesmo estou lendo um livro dela, que chama-se “Cultura é poder”. A cultura realmente é uma coisa fascinante, que as pessoas não entendem muito. A Jandira, a gente tinha um diálogo maravilhoso. Marta Suplicy, que muitas vezes não era bem entendida, achavam que era da elite, que era uma society, uma mulher, uma sexóloga que começou na TV Globo com aqueles programas que nunca ninguém tinha falado daquela forma que ela falava didaticamente sobre sexo, sobre orgasmo. Mas aprendi muito com a Marta e a gente avançou muito. Como quando ela fez o projeto de lei sobre união civil entre pessoas do mesmo sexo, nós avançamos muito. Há quantos anos? Quase 30 anos atrás. E era debatido com tranquilidade. Com muita tranquilidade, a gente conseguiu, juntas, somando esforços, colocar os 30% da cota de candidaturas dentro dos partidos políticos. Por quê? Porque nós nos unimos: todos os partidos, todas as mulheres de diferentes frentes. Então, realmente, é o diálogo. É o conversar com paciência, ouvindo o outro, que faz com que a gente avance. Não tem outra forma.
E conversar você gosta, né? A Maria Elvira é empresária e criou o grupo das caminhantes da Estrada Real. É uma intelectual, uma estudiosa, que já viajou o mundo inteiro. Hoje você se dedica mais às viagens, a escrever, a estudar? Como é que está a sua vida? Quantos países você visitou até hoje?
Eu já visitei 103 países. Isso foi um planejamento que fiz. Mas não parei, não. Agora, em outubro, estou indo aos Açores, estou indo conhecer a Polônia, que ainda não conheço, mas, enfim, continuo fazendo muita coisa. Agora estou começando a minha autobiografia. Fui muito desafiada, fui muito estimulada por amigas e amigos a fazer isso. Relutei, mas agora capitulei, vou fazer.
E história tem coisa para contar, sim.
É. Mas estou em várias frentes, eu gosto muito de colaborar. Estou lá no conselho da Santa Casa. Continuo como uma diretora emérita da Associação Comercial Empresarial de Minas, onde estou desde 1983. Fui a primeira diretora mulher, onde também até hoje aprendo, ouço. Daqui a pouco vamos receber o Michel Temer num seminário sobre a reforma do Estado e, enfim, participo ainda das Amigas da Estrada Real, porque nós não temos mais fôlego para caminhar.
O que foi muito legal quando você começou. Isso já tem uns 20 anos, não é?
É, nós caminhamos de 2003 a 2020, foram 17 anos. Fizemos a pé os 1.700 quilômetros da Estrada Real. Foi uma aventura fascinante. Agora eu quero fazer uma correção: quem fundou as caminhantes foi a Beth Pimenta, da Água de Cheiro. Foi a Beth e a Dalva Tomás. Estudando Direito na PUC, elas tiveram essa ideia. A Beth tinha voltado de Santiago de Compostela, tinha feito o caminho todo, então elas tiveram essa ideia e convidaram um grupo de mulheres. Tinha uma desembargadora também muito atuante, presente. Tinha a Diva Dorothi Safe, maravilhosa, inclusive escreveu dois belos livros sobre essas caminhadas. Então nós começamos com 23 e acabamos com quase 80 em 2020.
E atualmente é um grupo de estudo ou de viagens?
É um grupo de convívio. A gente joga buraco aos domingos, a gente viaja, faz programações culturais, de cinema, de grupo de leitura e de livros. É muito interessante.
Você é uma colecionadora de arte, de Papais Noéis. Dizem que é a maior colecionadora de Papais Noéis do mundo, que eram exibidos na sua casa e até no Palácio da Liberdade. Quantos Papais Noéis você tem?
Ah, é muita coisa. Quando contamos, eram quase uns dois mil. Foram adquiridos em viagens ou ganhados como presente. E não é só Papai Noel. Tem árvores, tem todo o ambiente, que é montado, as luzes, as flores, os bicos de papagaio. Quando você monta, o ambiente fica muito bonito. Eu espero ainda fazer isso no Palácio. Nós fizemos no ano passado no Palácio da Liberdade, parece que esse ano deve se repetir, mas tive aí um período, infelizmente, em que eles ficaram guardados. Muitos ficaram estragados e nós vamos recuperá-los, se Deus quiser. E vamos voltar a criar um ambiente em que eles tenham um repouso definitivo, sem que a gente precise retirar, guardar, desmontar.
E tirando Minas Gerais, que você é apaixonada, dos 103 países que você foi, qual aquele local que você se encantou e que gostaria de trazer um pedaço ou gostaria de voltar?
Bom, primeiro eu adoro o Brasil. Eu conheço todos os estados do Brasil e diria que conheço os principais pontos turísticos do país. E, se me perguntarem, se forem falar sobre o Brasil, começo pelo Jalapão, a Chapada Diamantina, quer dizer, é tanta coisa maravilhosa.
Você falou do Jalapão agora, mas nós temos um patrimônio mundial natural aqui em Minas, o Peruaçu. Você já foi?
Vamos agora mês que vem. Vamos levar lanterninha, vamos com um grupo. Não sei se vamos conseguir descer tudo, porque tem lugares que são um pouco até arriscados. Dizem que é bem seguro. Como vamos no mês que vem conhecer Ametista do Sul, lá em Santa Catarina, que também é um lugar interessantíssimo. São cavernas de onde tiraram as ametistas, que são muito bonitas. Então a gente tem essas curiosidades de conhecer lugares no Brasil que são pouco conhecidos.
Fora o Brasil, qual o lugar do mundo que mais te encantou?
Bom, para mim, o país mais bonito depois do Brasil é a Itália. Agora, entre os exóticos, coloco Vietnã do Sul e o Butão, e acho, como curiosidade também, a Mongólia. Muito interessante. Mas a Itália é um conjunto, com belezas naturais que são fascinantes, com os lagos, as grutas, o recorte das costas da Itália são maravilhosos. Passando pela história, os monumentos, as cidades, as montanhas. Eu diria que não vejo nada que se compare à Itália, em termos de conjunto. É de uma riqueza fantástica, porque a civilização romana foi extremamente desenvolvida. Realmente é difícil competir com a criatividade dos italianos e com o que eles conseguem construir em termos de beleza. É lindo.
E quando a gente viajava com mapa, dirigindo com mapa, pegar a estrada? Hoje mudou muito...
Então, era uma delícia. Eu gostava e ainda gosto muito. A tecnologia facilitou muito, é claro. Eu me lembro que uma vez fui a Israel pela primeira vez, li toda a história de Israel. Então, quando fui para lá, sabia o que eles enfrentaram, todas as questões. É fascinante. Por exemplo, quando fui à Índia, país que adoro, apesar da miséria que todo mundo apregoa, realmente há muita miséria, mas é um país fascinante. A religião, o hinduísmo, segura aquele país. Porque as pessoas, no fundo, já imaginam que tudo que elas estão passando ali vão ser compensadas no depois. É triste, mas por outro lado dá um aconchego muito grande.
Para aquele que tá necessitado, desamparado. É o caso: como é que você explica as castas? Como é que vai explicar casta?
Não consigo entender que um pária aceite ser pária com tanta tranquilidade. Não me cabe aqui fazer esse julgamento. Mas eles, no modus deles, vivem lá. Eu me lembro que a segunda vez que cheguei na Índia desci no aeroporto de Mumbai, sozinha. Peguei um táxi, cheguei às 4 da manhã, clareando o dia, e eu arrumada, ia ter um congresso mundial de relações públicas. Ia encontrar com uma amiga no hotel. Cheguei na porta, aquelas pessoas todas com aqueles turbantes, os siques, e eu com a minha mala… mas é uma impressão horrível. Porque alguns tinham um pouco de cinza no rosto, que é uma cultura milenar. E aí você entra dentro no táxi e eles saem buzinando pelas ruas e você olha do lado aquele povo que mora na rua. Eles nunca tiveram uma casa. Moram em tendas, escovando os dentes com o dedo na rua, tomando aquele chá deles em pé. É uma coisa terrível. Quer dizer, estou te contando uma experiência. É muito diferente.
Você deve ter ido para alguns extremos árabes, completamente diferentes, onde a mulher tem que ter um comportamento. Você deve ter passado por alguma experiência.
Demais. O Catar, por exemplo, fui num hotel em que estavam lá os homens com as suas bermudas tomando sol na praia e as mulheres com aquelas roupas pretas do lado deles. É um negócio revoltante. Tenho pavor dessa coisa. Mas é a cultura deles, tenho que respeitar, mas me revolta profundamente que elas aceitem isso. Dizem que é uma interpretação que eles fazem do Corão. Então, como feminista de carteirinha, desde que eu nasci quase, essa cultura islâmica me revolta muito, principalmente a maneira como é tratada a mulher. Tanto que não me sinto muito à vontade nos países islâmicos. Passei 12 dias no Irã. É um país que tem uma beleza, a parte artística é muito bonita. Mas passei 12 dias com aquele paninho na cabeça. O que que eu fazia? Inventei uma solução inteligente: Levei uns chapéus muito bonitinhos de palha, então colocava na cabeça como se eu fosse uma apanhadora de café de São Paulo. Então botava aquele paninho, uns lenços bonitos de seda, com o chapeuzinho em cima. Então, não me sentia como elas, não. Me sentia diferente. Um dia, no café da manhã, meu lenço escorregou. O garçom veio, sabe, me cutucou, disse que eu tinha que amarrar depressa. Inclusive, um dia eu estava de calça jeans, uma calça bonita, e percebi que não estava agradando, porque não pode mostrar o corpo, as formas do corpo. Aí a gente tem que comprar umas túnicas finas para vestir por cima, é bastante incômodo pra gente.
Com base nesse relato e nessa vivência, você pode afirmar que a mulher brasileira está entre as que têm mais espaço para o respeito e para o trabalho?
Acredito que sim. Acredito que nós realmente evoluímos muito. Mas ainda temos a questão de preconceito. O machismo é uma questão cultural, ele está em toda parte, está na cabeça das pessoas, nas próprias mulheres que muitas vezes discriminam as outras mulheres, criticam demais as mulheres nas próprias empresas onde elas trabalham ou no serviço público ou na rua. Quer dizer, pré-julgam. E eu diria que nós ainda temos muito para avançar. Mas, em termos de legislação, melhorou muito. Quando entrei na Assembleia Legislativa como legisladora, a gente ia para tribuna. Eu me elegi sempre em cima da bandeira da mulher. Tanto que o meu slogan era: “86 é a hora, é a vez da mulher. A mulher certa no lugar certo”. Quer dizer, eu sempre fui coerente e foquei. Claro, eu sempre defendi a educação, sempre me preocupei com o meio ambiente, mas a minha bandeira eram as questões das mulheres.
É verdade que, no seu primeiro mandato, quando você chegou à Assembleia Legislativa, não tinha banheiro feminino para deputadas?
Não tinha. Só tinha banheiro para deputado. Tinha vários banheiros, então, tiveram que adaptar, botar placa, botar chuveirinho. Arrumar tudo para nós. Mas, gente, isso foi outro dia. Olha o avanço. E mesmo quando nós chegamos na Câmara Federal, que eu era a única mulher da bancada mineira, eram só homens. Eu me lembro que fiz uma carta para a diretoria geral porque a gente ficava lá o dia inteirinho. Não tinha bidê, claro, mas não tinha chuveirinho também não. A gente precisa disso. Então, eles fizeram a adaptação no nosso banheiro feminino para colocar chuveirinho. Quer dizer, a gente está sempre reivindicando alguma coisa, porque está sempre para trás, sempre atrasado.
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Entrevista Maria Elvira de Sales Ferreira
A importância do diálogo e da convivência nos bastidores do poder estão em falta na política atual, na avaliação de Maria Elvira de Sales Ferreira, uma das mulheres mais influentes da história de Minas Gerais. Em entrevista ao EM Minas, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e O Portal Uai, ela falou sobre política, cultura, viagens e experiências de vida.
Ex-deputada estadual e federal, ex-secretária de Estado, empresária, jornalista e relações públicas, relembrou seus momentos de pioneirismo na política e defendeu que o entendimento é o único resultado desejável do embate político: “Porque é através da política que a gente transforma a sociedade, que a gente constrói um mundo melhor”, disse. As viagens a 103 países, que estimularam experiências culturais marcantes, também não ficaram de fora da conversa.
Você é uma mulher que retrata a história de uma época em que vivíamos o entendimento na troca de ideias na política, não é? Não só mineira como nacional.
Verdade. Época do Dr. Tancredo, né? Tancredo de Almeida Neves. Época em que a gente respirava as lembranças de Juscelino Kubitschek. Eu conheci Juscelino pessoalmente, porque era amigo do meu pai, Newton Paiva Ferreira. Então, realmente, Minas era Minas e o Brasil eram outros, bem diferentes.
Maria Elvira foi pioneira: deputada estadual, deputada federal, secretária de Estado, uma das mulheres mais buscadas nas conversas políticas por décadas, apesar de ser novinha. A Maria Elvira deixou a política?
Olha, eu deixei os mandatos. Mas quem ama a política como eu nunca deixa a política. Eu continuo lendo muito, conversando muito, porque acho que o diálogo político é maravilhoso. Porque é através da política que a gente transforma a sociedade, que a gente constrói mundo melhor. E nunca aceitar que alguém diga que a política não é importante. Que a política não é visceral. O ser humano é político por natureza, e quem não entende isso, quem não percebe isso é meio burro. Mas não é essa política que a gente vê hoje de um xingando o outro. Isso tem um tanto de politicagem. É a política mesquinha, a política baixa, é a política ralé, é a política de olhar para o próprio umbigo. A política no sentido lato sensu é você cuidar do bem comum. É você se preocupar com o progresso, com o desenvolvimento de uma comunidade, fazer com que as pessoas sejam mais felizes, que as pessoas tenham o que elas precisam para viver bem. Crianças, adultos, idosos, portadores de deficiência, enfim, que as coisas sejam melhores distribuídas para que todos tenham, enfim, uma sociedade justa, uma sociedade mais igualitária.
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E conversar você gosta, né? A Maria Elvira é empresária e criou o grupo das caminhantes da Estrada Real. É uma intelectual, uma estudiosa, que já viajou o mundo inteiro. Hoje você se dedica mais às viagens, a escrever, a estudar? Como é que está a sua vida? Quantos países você visitou até hoje?
Eu já visitei 103 países. Isso foi um planejamento que fiz. Mas não parei, não. Agora, em outubro, estou indo aos Açores, estou indo conhecer a Polônia, que ainda não conheço, mas, enfim, continuo fazendo muita coisa. Agora estou começando a minha autobiografia. Fui muito desafiada, fui muito estimulada por amigas e amigos a fazer isso. Relutei, mas agora capitulei, vou fazer.
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O que foi muito legal quando você começou. Isso já tem uns 20 anos, não é?
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E atualmente é um grupo de estudo ou de viagens?
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Fora o Brasil, qual o lugar do mundo que mais te encantou?
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Com base nesse relato e nessa vivência, você pode afirmar que a mulher brasileira está entre as que têm mais espaço para o respeito e para o trabalho?
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